OMS alerta que 330 milhões de crianças no mundo são expostas à punição corporal anualmente. No Brasil, quase 1 em cada 3 cuidadores usa violência física na educação infantil. Especialistas reforçam que nenhuma forma de castigo é inofensiva
Um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), intitulado Corporal punishment of children: the public health impact, revela que 330 milhões de crianças menores de 5 anos são expostas à violência física todos os anos como forma de disciplina. A faixa etária de 2 a 4 anos é a mais afetada, com impactos duradouros no desenvolvimento emocional, cognitivo e social.
Desigualdade regional no uso de castigos físicos
O estudo mostra grandes variações entre regiões:
- África Subsaariana: 70,6% das crianças expostas;
- Oriente Médio e Norte da África: 75,8%;
- Sul da Ásia: 64,6%;
- América Latina e Caribe: 55,2%;
- Leste Asiático e Pacífico: 48,2%;
- Europa e Ásia Central: 41% — a menor taxa.
Apesar de avanços, a OMS destaca que a punição corporal ainda é normalizada em muitos contextos culturais e educacionais.
Brasil: quase 1 em cada 3 cuidadores usa violência
Dados da pesquisa “Panorama da Primeira Infância”, realizada pela Fundação Maria Cecília Souto Vidigal em parceria com o Datafolha, revelam que:
- 29% dos cuidadores no Brasil admitem usar palmadas ou beliscões para educar crianças pequenas;
- 40% recorrem a gritos como forma de correção;
- Apenas 17% acreditam na eficácia da violência física, indicando um hiato entre prática e percepção.
Consequências comprovadas e duradouras
Especialistas são categóricos: nenhuma forma de violência é inofensiva.
Segundo Mariana Luz, CEO da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal:
“A violência é o maior detrator do desenvolvimento infantil. Ela compromete o emocional, cognitivo e social da criança, além de normalizar a resolução de conflitos pela força.”
A OMS alerta que crianças expostas a punições físicas têm 24% menos chances de alcançar um desenvolvimento adequado. Já os cuidadores ouvidos pela pesquisa associam a violência a:
- 43%: aumento de comportamentos agressivos;
- 32%: baixa autoestima e falta de confiança;
- 28%: dificuldades nos relacionamentos.
Leis existem, mas não bastam
A OMS destaca que, embora 67 países já tenham proibido a punição corporal, as leis são “necessárias, mas insuficientes”. A Finlândia foi pioneira nos anos 1990. O Quênia é o país mais recente a adotar a proibição, mesmo em escolas.
No Brasil, a proteção está garantida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e reforçada pela Lei Menino Bernardo (Lei nº 13.010/2014), que proíbe castigos físicos e tratamentos cruéis ou degradantes.
Caminhos para mudança: afeto, não violência
Para transformar esse cenário, especialistas defendem:
- Políticas públicas de prevenção;
- Programas de visitação domiciliar para orientar cuidadores;
- Campanhas de sensibilização social sobre os danos da violência.
“É urgente romper com a ideia de que carinho e punição podem andar juntos. O afeto é a base da aprendizagem. A disciplina deve ser construída com escuta, acolhimento e limites firmes — mas nunca violentos”, conclui Mariana Luz.
Com informações: OMS e Fundação Maria Cecília Souto Vidigal