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O que se sabe sobre a cooperação militar entre Rússia e Coreia do Norte?
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Moscou e Pyongyang reforçam colaboração em meio a rumores sobre a participação de tropas da Coreia do Norte na guerra
A Coreia do Norte ratificou na última terça-feira (11) um acordo de parceria estratégica abrangente com a Rússia. O documento foi assinado ainda em junho, durante a visita do presidente russo, Vladimir Putin, a Pyongyang. Um dos principais pontos do acordo, o artigo 4, estabelece uma “assistência mútua em caso de agressão contra uma das partes do tratado”.
A aproximação surge em meio a uma série de relatos e especulações do Ocidente de que tropas norte-coreanas estariam sendo treinadas na Rússia para lutar na guerra da Ucrânia. Relatórios de inteligência da Coreia do Sul e EUA afirmaram que milhares de soldados norte-coreanos estariam sendo enviados para a linha de frente, inclusive para ajudar a Rússia na região de Kursk. As alegações apontam um número de cerca de 12 mil tropas norte-coreanas.
Oficialmente, a Rússia não confirma nem nega diretamente a presença dos militares norte-coreanos no seu território, reforçando que cumpre as disposições do tratado assinado entre os dois países, que prevê a assistência militar entre si em caso de agressão por um país terceiro contra eles.
Foi o que destacou o presidente russo, Vladimir Putin, ao ser questionado sobre a suposta presença de tropas norte-coreanas durante a Cúpula do Brics, em outubro. O líder russo ressaltou que, dentro dos termos do acordo entre os dois países, Moscou e Pyongyang têm autonomia para tomar suas decisões.
“Quanto às nossas relações com a República Popular Democrática da Coreia, como sabem, o nosso tratado de parceria estratégica só foi ratificado hoje. Existe o artigo 4, e a Rússia nunca duvidou que a Coreia do Norte leva a sério a cooperação russa. Mas o que faremos, e como faremos, é da nossa conta”.
A aproximação entre a Rússia e a Coreia do Norte não é uma novidade. Desde o início da guerra na Ucrânia, o país asiático expressou apoio às ações militares russas. A atual cooperação prevê o fornecimento de munições norte-coreanas a Moscou, que têm grande importância para a reposição de armamentos no conflito ucraniano.
Em entrevista ao Brasil de Fato, o cientista político Vladimir Dzharall explica os pontos do acordo e como ele se relaciona com as especulações sobre uma presença mais direta de soldados norte-coreanos entre as fileiras russas.
“Entre a Rússia e a Coreia do Norte, está em curso uma cooperação técnico-militar muito estreita. Em primeiro lugar, isso diz respeito a munições de artilharia e sistemas de artilharia. Eles têm o mesmo calibre e a mesma construção, assim como eram os sistemas soviéticos, que agora são usados de maneira bem sucedida no campo de batalha. E no momento, diante de uma crise de munição, crise de armamento, os armamentos norte-coreanos acabaram sendo muito úteis na linha de frente”, explica.
Em relação às especulações sobre uma participação mais direta de tropas norte-coreanas no conflito, o analista não exclui a possibilidade de isso acontecer no futuro, mas destaca que, hoje, não há nada de concreto neste sentido.
“Não temos nenhuma confirmação da participação direta de militares norte-coreanos nas ações militares, mesmo na região de Kursk, o que temos são apenas suposições. Ou seja, a partir de todos esses fatos eu diria que a cooperação militar está em curso. A Coreia do Norte está assimilando a experiência de novos equipamentos e novas técnicas e táticas, mas uma participação mais direta dos militares por enquanto não está registrada. É possível que isso aconteça? Em geral, sim, é possível. Sobretudo do ponto de vista de adquirir experiência militar, mas isso seria perceptível de forma imediata”, argumenta.
O “Acordo de Parceria Estratégica Abrangente” entre Moscou e Pyongyang substituiu uma série de documentos assinados entre os dois países, incluindo o Tratado de Amizade, Boa Vizinhança e Cooperação, ainda de 2000, ano da última visita de Putin à Coreia do Norte antes de junho deste ano.
A analista destaca que o já mencionado artigo 4 prevê justamente a cooperação militar, mas há também uma série de outras disposições que precisam ser interpretadas. Vladimir Dzharall observa que, em primeiro lugar, o acordo estabelece que cada uma das partes é soberana e independente nos seus passos, e, ao mesmo tempo, “se um dos países quiser pedir ajuda ao outro, justamente no plano militar, então é prevista uma coordenação política”. “Ou seja, em outras palavras, seria uma submissão da política destes países aos interesses mútuos, que precisaria ser trabalhados. Por enquanto, nem a Coreia do Norte, nem a Rússia, têm necessidade disso”, completa.
Segundo ele, em um sentido geral, “é um acordo que prevê uma colaboração política, a possibilidade de desenvolvimento de questões econômicas”. “Para a Coreia do Norte, ele é bem importante, porque ele de fato tira o país do regime de isolamento das sanções internacionais. E para a Rússia, em um sentido significativo, é também uma aquisição de um aliado e de benefícios econômicos”, completa.
Tensão na península coreana
O estreitamento dos laços entre Putin e Kim Jong-un tem um contexto geopolítico mais amplo. Por um lado, a Coreia do Norte manifesta um apoio direto a Moscou em sua operação militar e é um dos poucos países no mundo que reconhece os territórios anexados do leste da Ucrânia como parte da Rússia. Por outro, a aproximação é estratégica para a Coreia do Norte em meio à tensão com a vizinha Coreia do Sul. Sancionados e isolados pelo Ocidente, a Rússia e a Coreia do Norte buscam mostrar um sinal de força, não só militar, mas também política.
De acordo com Vladimir Dzharalla, essa implicação geopolítica da cooperação russo-norte-coreana pode gerar certos riscos regionais, sobretudo pela forma como Seul vem reagindo à aproximação entre Moscou e Pyongyang.
“A Coreia do Sul vem reagindo de forma muito exasperada em tudo o que acontece ao redor, e foi justamente a Coreia do Sul que teve a iniciativa de uma série de eventos buscando averiguar as atividades das tropas norte-coreanas. E é justamente da parte da Coreia do Sul que não houve comprovação da participação de soldados norte-coreanos em ações militares (da Rússia)”, afirma.
O pesquisador observa que a relação entre a Rússia e a Coreia do Sul era bastante próxima, sobretudo a partir das primeiras sanções ocidentais em 2014, pois neste período houve até um reforço das interações entre Moscou e Seul, porque a Coreia do Sul se aproveitou do fato de que os concorrentes ocidentais saíram e se aproximou de forma bem ativa do mercado russo.
No entanto, o início da guerra da Ucrânia mudou o cenário, e, após o início das ações militares russa na Ucrânia, “a Coreia do Sul de fato se submeteu aos ditames dos EUA e adotou sanções muito duras que influenciaram muito seriamente as relações comerciais entre a Rússia e a Coreia do Sul”, diz o cientista político.
Dzharalla ainda observa que, no decorrer do conflito ucraniano, a Coreia do Norte passou a fornecer indiretamente munições à zona de conflito através de um “esquema bem singular”. “A Coreia do Sul passou a fornecer as suas munições de artilharia aos EUA, e os EUA transferiu as suas para a Ucrânia, sendo que a munição sul-coreana passou a servir como sua reserva”, completa.
Uma questão de interpretação
Neste contexto, a posição oficial da Rússia, apesar de se esquivar de dar uma posição concreta sobre a presença ou não de soldados norte-coreanos entre as tropas russas na Ucrânia, destaca que os acordos militares estabelecem uma cooperação “exclusivamente defensiva”, como reforçou o chanceler Serguei Lavrov.
Ao mesmo tempo, o estreitamento entre os dois países no campo militar e a imprecisão dos termos do acordo que foram divulgados oficialmente fornecem à Rússia uma margem de manobra em caso de novas inflexões no campo de batalha, como foi a incursão ucraniana na região russa de Kursk.
Afinal, em meio às acusações do Ocidente de que o plano seria enviar as tropas norte-coreanas justamente para ajudar Moscou na contraofensiva em Kursk, vale notar que a redação do artigo 4 do tratado entre Moscou e Pyongyang cita o artigo 51 da Carta das Nações Unidas, que reconhece o direito à autodefesa individual ou coletiva caso ocorra um ataque armado a um membro da organização. O documento também fala em assistência militar à outra parte no caso um “ataque armado” de um inimigo ou oponente a um aliado que se encontre em um “estado de guerra”.
Ou seja, mesmo que hoje o tema da participação norte-coreana na guerra ainda seja baseado apenas em especulações e alegações por parte do Ocidente, em um cenário em que a Ucrânia de fato inseriu um território russo à zona de guerra (Kursk), as bases formais para que a Rússia se utilize da ajuda norte-coreana, caso seja necessário, estão formuladas.
*Brasil de Fato
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