O Projeto de Lei n.º 869/24, que institui uma campanha de conscientização contra o aborto para as mulheres no Distrito Federal, foi aprovado na Câmara Legislativa do DF (CLDF). O PL, analisado nesta quarta (04), estabelece que, anualmente, o 8 de agosto será o “Dia Distrital de Conscientização contra o Aborto”.
Para Thaísa Magalhães, da Secretaria das Mulheres da CUT-DF e membro da Frente Nacional pela Descriminalização das Mulheres e Legalização do Aborto, este projeto foi estabelecido dentro da lógica de construir um discurso de ataque as mulheres em uma base social dominada pelo fundamentalismo. “Todos os anos eles tentam passar medidas que são muito parecidas e que vão contra os direitos das mulheres, recomendações de saúde das mulheres e os protocolos implementados na saúde pública e privada de direitos das mulheres”, explica.
De autoria do deputado distrital João Cardoso (Avante), em conjunto com o PL 871/24, de autoria do deputado Thiago Manzoni (PL), o texto apresenta que deve ser desenvolvido palestras sobre a problemática do aborto, com amparo das Secretarias de Estado da Saúde e da Educação do Distrito Federal, com o intuito de conscientizar crianças e adolescentes sobre os riscos provocados pelo abortamento. Um dos incisos também estabelece que deve contribuir com a redução dos indicadores relativos à realização dos abortos clandestinos.
Atualmente, no Brasil, o aborto é permitido em três casos: estupro, risco de vida para a mulher e anencefalia do feto. O procedimento também deve ser oferecido gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
A proposta também visa estimular a iniciativa privada e ONGs na promoção de meios para acolher, orientar e prestar assistência psicológica e social às mulheres grávidas que manifestem o desejo de abortar, priorizando sempre a manutenção da vida do nascituro; e assegurar o atendimento médico, psicológico e social às mulheres vítimas de aborto espontâneo.
O texto do projeto aprovado pela CLDF também previa que o Distrito Federal garantisse à mulher, assim que possível, o acesso ao exame de ultrassom com os batimentos cardíacos do nascituro. No entanto, durante a sessão na Casa, ficou decidido que esse inciso fosse retirado.
Segundo Joluzia Batista, do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), há um movimento nacional de enraizar um proselitismo ideológico, ou seja, um esforço de tentar convencer pessoas a adotarem uma ideologia, doutrina, causa ou religião. Ela conta que, de acordo com um levantamento realizado pela organização, são cerca de 100 projetos de leis nesse sentido.
“É um contrassenso e paradoxo, porque gravidez infantil e abuso sexual a gente tem que tentar combater com informação e educação”, explica. “Estamos lidando com um conservadorismo profundo, dogmático, fundamentalista e reacionário, porque ele está, de fato, reagindo às conquistas e à consciência de liberdade que a grande maioria das mulheres têm”, diz Joluzia.
Debate na CLDF
Durante discussão, o deputado distrital Fábio Felix (Psol) disse que essa é uma campanha que trata de forma “muito ruim” e “desadequada” a questão dos direitos reprodutivos das mulheres. “Seria muito mais correto essa Casa tratar de uma semana de conscientização aos direitos reprodutivos das mulheres, não sobre conscientização contra o aborto”, argumentou o distrital.
“A gente sabe que o aborto legal, que é uma luta histórica, está em risco nesse país porque tem a PEC do estuprador, que foi aprovada esses dias na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados. Inclusive, querendo revogar o direito do aborto legal em casos de violência sexual contra mulheres. A gente sabe que a maioria das mulheres pratica o aborto em último caso, passando pelos serviços de saúde. Muitas mulheres, hoje, principalmente, em condições de pobreza, acabam morrendo na prática do aborto”, argumentou Felix.
Também da oposição, o deputado Gabriel Magno (PT/) defendeu que é preciso fortalecer mecanismos de educação sexual nas escolas, acesso à informação e aos equipamentos de saúde pública. “O debate sobre o aborto é não permitir tentar criminalizar as mulheres, muitas delas crianças nas hipóteses, hoje, de aborto legal”, explicou.
“O projeto reforça, mais uma vez, o estigma, o preconceito e a agenda que coloca a responsabilidade desse processo nas mulheres e não de avançar em uma prática que garanta o direito da vida das mulheres e seus direitos sexuais reprodutivos”, informou Magno.
O deputado também apresentou um novo estudo que diz que o Brasil registra mais de 11 mil partos anuais resultantes de violência sexual contra meninas menores de 14 anos. A pesquisa foi realizada pelo Centro Internacional de Equidade em Saúde da Universidade Federal de Pelotas, com apoio de uma organização humanitária, e mostra que, em 2022, 40% das meninas nessa faixa etária começaram o pré-natal após o terceiro mês de gestação.
Ainda na sessão, a deputada Dayse Amarillio (PSB) pediu que o debate fosse mais aprofundado, uma vez que, segundo ela, o aborto é uma questão “muito mais transversal”. “O aborto é um tema que passa pelo debate de métodos contraceptivos que as mulheres não têm. Ele passa por discussão de creche, aborto legal.”
Após a discussão, o projeto foi aprovado por 15 deputados. Votaram contra os parlamentares Max Maciel (Psol), Fábio Felix (Psol), Gabriel Magno (PT), Chico Vigilante (PT) e Ricardo Vale (PT). “Nenhuma das deputadas eleitas voltou contra o projeto. Isso mostra a construção de uma retórica fascista de ataque aos direitos das mulheres já visando a propaganda eleitoral para 2026”, analisa Thaísa.
*Fonte: BdF Distrito Federal