O Supremo Tribunal Federal (STF) pode em breve ser o palco de um debate crucial para o futuro da legislação de substâncias psicotrópicas no Brasil. A questão central envolve os chamados “cogumelos mágicos”, especificamente o tipo Psilocybe cubensis, que contém as substâncias psicoativas psilocina e psilocibina. A discussão divide autoridades e defensores: para a polícia e a Justiça, a presença dessas substâncias já configura crime de tráfico; para pesquisadores e advogados, o fungo em si, que não está explicitamente na lista de substâncias proibidas da Anvisa, deve ser visto sob a ótica da saúde pública.
A Anvisa, agência reguladora brasileira, proíbe a psilocina e a psilocibina, mas não nomeia o fungo Psilocybe cubensis em sua lista de itens vetados. Essa omissão abre uma brecha que é explorada no campo jurídico. Enquanto o Superior Tribunal de Justiça (STJ) recentemente manteve a condenação de um homem por vender os cogumelos, o que dá “força jurídica” a operações policiais como a Operação Psicose, advogados já preparam recursos para levar a questão à última instância judicial, argumentando que o tema deve ser discutido também em sua dimensão de saúde pública.
Implicações da Operação Psicose
Uma grande operação da Polícia Civil do Distrito Federal, nomeada “Psicose”, mobilizou agentes em sete estados, resultando na prisão de pelo menos dez pessoas. A ação, que ocorreu na quinta-feira, 4 de setembro, bloqueou R$ 30 milhões em contas e apreendeu cogumelos cultivados em galpões, inclusive no Paraná. Essa operação se baseia na interpretação de que a posse e venda do fungo são ilegais devido à presença das substâncias proibidas. A condenação recente pelo STJ de um homem pego com cogumelos alucinógenos em Brasília serviu de precedente para intensificar o combate a este tipo de comércio.
Por outro lado, o avanço da ciência na área de saúde mental coloca a psilocibina em uma nova perspectiva. Pesquisas internacionais têm demonstrado o potencial terapêutico da substância no tratamento de doenças como depressão resistente, ansiedade e transtorno de estresse pós-traumático. A comunidade científica, citando estudos de instituições de renome como a Johns Hopkins Medicine e o King’s College London, defende que a substância, quando usada em contexto controlado e com supervisão médica, pode trazer benefícios significativos a pacientes que não respondem aos tratamentos convencionais.
Evidências científicas e o cenário global
Estudos clínicos robustos oferecem um panorama promissor. Uma pesquisa na Johns Hopkins Medicine, por exemplo, demonstrou que apenas duas doses de psilocibina combinadas com psicoterapia proporcionaram alívio rápido da depressão, com efeitos duradouros que, em alguns pacientes, se mantiveram por até um ano. Da mesma forma, um ensaio clínico do King’s College London indicou que uma única dose de 25 mg reduziu significativamente os sintomas de depressão resistente.
A aceitação da psilocibina como ferramenta terapêutica é uma realidade em diversas partes do mundo. A Nova Zelândia, em junho de 2025, autorizou que psiquiatras prescrevam a substância em casos de depressão resistente. Na Austrália e no Canadá, programas clínicos controlados e de “uso compassivo” já são permitidos. Nos Estados Unidos, os estados de Oregon e Colorado despenalizaram a psilocibina para fins terapêuticos, permitindo o funcionamento de centros supervisionados. Na Alemanha, clínicas podem oferecer o tratamento a idosos com depressão resistente, mediante autorização.
Este cenário global de avanço regulatório e científico contrasta com a situação jurídica brasileira, onde a psilocibina e o fungo que a contém permanecem em um limbo. O debate no STF, caso o recurso seja aceito, poderá trazer clareza e alinhar o Brasil a uma abordagem mais moderna e baseada em evidências, similar à discussão sobre a maconha medicinal. A decisão da Corte poderá definir se o tema será tratado sob o rigor da lei penal ou sob uma perspectiva de inovação na saúde, reconhecendo o potencial terapêutico da substância e seu impacto na vida de pacientes. A expectativa é que o Supremo examine o caso com atenção, considerando tanto as implicações legais quanto o crescente corpo de pesquisas que aponta para um novo caminho no tratamento de transtornos mentais.
Com informações: Revista Fórum