A operação policial nos Complexos do Alemão e da Penha, que resultou em 121 mortes, reacendeu a discussão sobre a letalidade policial e o futuro da segurança cidadã. Especialistas, como os ex-ministros da Justiça Tarso Genro e Eugênio Aragão, defendem o ataque às estruturas financeiras do crime organizado e políticas preventivas em detrimento da “guerra” contra as periferias
A recente chacina policial nos complexos do Alemão e Penha, no Rio de Janeiro, que resultou em pelo menos 121 mortes, incluindo quatro agentes de segurança, suscitou um intenso debate sobre a segurança pública no Brasil e o alto grau de letalidade das operações.
Enquanto a ação é criticada por moradores, setores de esquerda e organizações de Direitos Humanos, ela é apoiada por parte da base política de direita, que defende a repressão máxima à criminalidade. A questão central é: Qual modelo de segurança pública o Brasil deve adotar?
⚖️ O Estado e a Legalidade
O ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão classifica o debate como um desafio civilizatório. Para ele, o Estado se iguala ao crime quando utiliza o terror como forma de combate à criminalidade, uma prática que ignora as crianças e mulheres pegas no tiroteio.
“O Estado não pode se confundir com bandido. […] Nós temos, por um lado, uma instituição estado que tem regras de comportamento face à cidadania e de outro lado, nós temos gangues, bandidos que precisam de alguma forma ser coibidos, mas dentro da legalidade”, defende Aragão.
O ex-ministro também aponta o sistema penitenciário como uma “fábrica do crime”, sendo a origem de grandes facções como o Comando Vermelho e o PCC, e critica a doutrina da Polícia Penal, que se afasta do objetivo de ressocialização.
💰 Atacar o Crime Organizado pela Base Financeira
O cientista político Jorge Folena e o ex-ministro Tarso Genro defendem que a solução deve atacar a estrutura que mantém o crime organizado.
- Jorge Folena avalia que é preciso identificar “quem são os donos do dinheiro” ganho com atividades ilícitas e que não paga tributos. Ele cita a Operação Carbono Oculto (combate ao esquema financeiro do PCC no setor de combustíveis) como exemplo de sucesso, que resultou em bloqueio de R$ 3,2 bilhões em bens sem causar mortes.
- Tarso Genro considera que “caçar bandido no morro é uma coisa superada”. Ele defende a integração de programas preventivos com o policiamento de proximidade, nos moldes das antigas UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), mas alerta: “não há saídas” sem políticas de segurança cidadã e abertura de alternativas sociais nas comunidades.
🏛️ Debate sobre o Modelo Federativo
A discussão também passa pela responsabilidade constitucional da segurança pública, que cabe aos estados. O governo Lula enviou ao Congresso a PEC 18/2025 (PEC da Segurança), que propõe ampliar o poder de intervenção da União no combate ao crime organizado e às milícias.
- Folena considera a PEC um avanço corajoso, pois “chama para ele [Lula], ou para a União, o combate ao crime organizado e às milícias”, que, segundo ele, não é feito com eficiência pelos governadores.
- Tarso Genro defende a PEC como uma condição necessária para a formação de um Sistema Único de Segurança Nacional, com o governo federal como programador da doutrina. Ele também sugere a criação de um Ministério da Segurança Pública (ideia rejeitada pelo atual Ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski).
- Eugênio Aragão pondera que o problema não está no caráter estadual das polícias, mas na “disfuncionalidade” do federalismo brasileiro, que margina o coronelismo local. Ele cita o modelo alemão, onde as polícias distritais seguem diretrizes e protocolos de um Ministério do Interior Federal.
🗣️ Necropolítica e Geopolítica
O historiador Luis Eduardo Fernandes e Aragão veem elementos de necropolítica na ação do Rio, que dialoga com o medo da sociedade e pode ser explorada como estratégia política pela extrema-direita, visando “empoderar” o governador Cláudio Castro (PL) e colocar a pauta da segurança sob sua hegemonia.
Fernandes também aponta uma dimensão geopolítica, onde forças imperialistas exploram o “combate ao crime organizado” para ganhar novas áreas de influência na América Latina, o que se articula com a doutrina da extrema-direita global.
Com informações: Brasil de Fato