Justiça
A controvérsia em torno do julgamento de civis por tribunais militares no Brasil
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Em uma parte de mata pertencente ao instituto cultural Ricardo Brennand, no Recife, em Pernambuco, é comum que moradores do bairro entrem ali para colher jaca, jamelão e macaíba das árvores.
Em novembro de 2021, dois irmãos deixaram a casa de um cômodo e banheiro externo na qual viviam com outros seis membros de sua família e foram catar frutas e pescar na área, que dá acesso a um riacho.
Mas eles entraram sem saber em uma área militar, sob os cuidados do 4º Batalhão de Polícia do Exército.
A propriedade abriga uma estação meteorológica abandonada, não é totalmente murada e há pouquíssima sinalização — há apenas uma placa indicando ser uma área do Exército, fixada em uma parte onde há muro e portão e pela qual os irmãos não passaram ao entrar.
Os irmãos não têm qualquer ligação com as Forças Armadas, mas, mesmo assim, foram processados na Justiça Militar.
Podiam receber uma pena de 6 meses a 2 anos de prisão — equivalente às punições aplicadas aos crimes de abandonar um recém-nascido e instigar o suicídio, previstos no Código Penal comum.
O julgamento de civis por tribunais militares é uma raridade em países democráticos e uma prática condenada pela Corte Interamericana dos Direitos Humanos.
Há também questionamentos se isso seria permitido pela Constituição brasileira.
Apesar disso, não são raros no Brasil casos como o dos dois irmãos, em que civis são processados, julgados e muitas vezes condenados por esse ramo da Justiça.
Em casos assim, os acusados podem acabar recebendo penas mais severas do que aquelas que seriam consideradas cabíveis se os casos fossem apreciados pela Justiça comum ou condenadas por crimes que sequer existem na lei civil.
Além disso, a pessoa pode acabar sendo julgada por militares sem qualquer formação jurídica.
Isso porque os tribunais da Justiça militar são compostos por alguns juízes civis, formados em direito, e uma maioria de militares que não precisam ter nenhuma formação jurídica, explica o defensor público federal Gustavo de Almeida Ribeiro.
“Na primeira instância da Justiça Militar, um civil precisa ser julgado por um dos juízes civil. Mas se ele recorrer, vai para um colegiado (conjunto de magistrados) em que os militares são maioria”, afirma Ribeiro.
Para além disso, os críticos desta prática apontam que o julgamento de civis por militares desvirtua o propósito deste ramo da Justiça.
A Justiça Militar existe para julgar crimes cometidos por oficiais durante o cumprimento de suas funções. O principal elemento que tenta proteger são a disciplina e a hierarquia militares
“O próprio Superior Tribunal Militar explicita que a regra que pauta a Justiça Militar é a teoria do escabinato, que reforça a hierarquia e a disciplina militar no exercício dessa Justiça”, diz Gabriel Sampaio, diretor de Litigância e Incidência da Conectas, entidade que participa como amicus curiae (não é parte do processo, mas um terceiro interessado no resultado) na ação que questiona a competência da Justiça Militar no Supremo.
“Se você pega casos como o de um civil que está numa área militar, qual é o sentido do julgamento pautado por esses valores? Se são esses princípios e se a maioria na Justiça Militar é a classe militar, essa esfera não tem condições de julgar essas causas.”
No caso dos irmãos, a Defensoria Pública Federal em Pernambuco conseguiu fazer um acordo para evitar a continuação do processo e eles não foram condenados.
“Eles não apresentavam nenhum perigo para a instituição militar”, diz o defensor Gustavo Ribeiro.
“Também não estava cometendo nenhum crime comum, tinham o objetivo apenas de colher frutas naquela área, que é aberta.”
Antes disso, no entanto, a defensoria havia argumentado que a Justiça Militar não teria competência para julgar os réus – mas o pedido de encaminhamento do caso para a Justiça comum foi negado.
No momento, há uma ação em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que questiona se o julgamento de civis pela Justiça Militar, de maneira geral, é constitucional, mas o processo está parado, esperando voltar à pauta da Corte.
Enquanto o tema não é apreciado de forma mais ampla pelo Supremo, no entanto, diversas decisões judiciais sem repercussão geral (ou seja, que não valem para todos, somente para os casos específicos) confirmaram a competência da Justiça Militar para ações do tipo.
Uma delas foi do próprio STF, em 2023, no julgamento de um habeas corpus de um civil acusado de pagar propina para um oficial militar. Por 6 a 5, o Supremo decidiu que o caso deveria continuar na Justiça Militar.
Nos últimos anos, a competência da Justiça Militar foi sendo ampliada por uma série de leis que tornaram cada vez mais situações e pessoas passíveis de seu julgamento.
Em 2018, por exemplo, foi criada uma nova lei que determinou que juízes militares têm competência para julgar civis monocraticamente, ou seja, por meio de uma decisão individual, nos casos em que eles são acusados em conjunto com militares.
Essa ampliação do uso da Justiça Militar para julgar civis é considerada um problema por muitos juristas, magistrados, pesquisadores, advogados, organizações de direitos humanos e defensores públicos.
O Código Penal Militar e a maneira como o processo corre na Justiça Militar são muito diferentes da Justiça comum. Isso é prejudicial para um réu civil que está sendo julgado na Justiça Militar, diz Gustavo Ribeiro.
Segundo ele, embora seja mais antigo, o Código Penal, em vigor desde 1940, é bem mais atual do que o militar, porque foi sofrendo diversas alterações e modernizações ao longo dos anos pelas quais o código militar não passou.
Além disso, diz Ribeiro, há uma série de práticas normais na Justiça comum que ainda não foram amplamente aceitas no ramo militar.
“É muito mais difícil de conseguir um acordo para que uma pessoa não seja processada criminalmente. Embora ele também seja possível na Justiça Militar, é algo com o qual eles estão menos acostumados”, afirma.
Outro exemplo é a atualização sobre crimes sexuais. No Código Penal Militar, não há nenhuma das mudanças recentes feitas na legislação comum, como a inclusão do crime de importunação sexual, por exemplo, explica a advogada criminalista Débora Nachmanowicz de Lima, que pesquisa a Justiça Militar na pós-graduação na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
Além disso, no código militar, existem penas diferentes para crimes equivalentes no Código Penal – crimes de desrespeito à hierarquia, por exemplo, são punidos de forma bastante severa no Código Penal Militar.
Um caso emblemático é o do advogado condenado em 2019 por “desobediência” e “oposição à ordem de sentinela” após estacionar em frente ao 28° Batalhão de Infantaria Leve, em Campinas, e discutir com os militares ali presentes, que diziam ser proibido parar ali.
No processo, os tenentes disseram que ele “parecia embriagado”, que tentou “dar carteirada” e dizer que “só poderia ser preso com presença da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil]”.
Já o advogado disse que estava apenas cortando caminho pela avenida e que parou para mostrar o prédio à namorada.
Parar em local proibido é uma infração do Código de Trânsito que pode gerar uma multa de R$ 195 e punição de cinco pontos na carteira de habilitação.
A Justiça Militar condenou o advogado a 6 meses de prisão.
O Ministério Público Militar diz que entende que o julgamento de civis pela Justiça Militar é compatível com a Constituição e cita as recentes decisões do STF sobre o assunto.
De acordo com o subprocurador-geral de Justiça Militar Marcelo Weitzel, secretário de Relações Institucionais do MPM, a quantidade de habeas corpus e recursos em que o STF chancelou essa hipótese mostra que o tema “está pacificado”, ou seja, que existe uma maioria no tribunal que pensa nesse sentido, embora o tem ainda não tenha sido julgado na ação específica que questiona a constitucionalidade.
“Como bem ressaltado em parecer da Procuradoria-Geral da República e em manifestações do próprio Ministério Público Militar acerca da ADPF 289, são situações excepcionais (nas quais civis são julgados pela Justiça Militar)”, disse Weitzel em nota à BBC News Brasil.
“Não será em qualquer hipótese que o civil será julgado por um crime militar, apenas naquelas que ofendem os principais bens jurídicos que alcançam as Forças Armadas, a hierarquia, a disciplina, sua rotina e sua atividade militar.”,
Para que serve a Justiça Militar?
O Código Penal Militar em vigor foi criado em 1969, no auge da repressão da ditadura — regime de exceção no qual, inclusive, era frequente o julgamento de civis pela Justiça Militar.
Mas esse ramo judicial existe desde o período imperial no Brasil e foi mantido pela Constituição Federal de 1989.
A ideia é existir uma Justiça especializada devido às particularidades das funções e deveres dos militares, explica Nachmanowicz, para proteger a hierarquia e a disciplina.
Segundo Sampaio, da Conectas, o julgamento de civis pela Justiça Militar é incompatível com um regime democrático. “É um resquício da ditadura”, diz ele.
Em uma decisão sobre o assunto em um habeas corpus em 2010, o então ministro do STF Celso de Mello defendeu uma visão restritiva do uso da Justiça Militar, ao dizer que o julgamento de civis só poderia acontecer em casos muito excepcionais.
A Constituição não proíbe expressamente o julgamento de civis pela Justiça Militar, mas garante o direito de todos os brasileiros de serem julgados por um juiz competente, o chamado “juiz natural”.
Isso significa que as autoridades competentes para julgar os cidadãos são somente aquelas previstas pela Constituição, para garantir que todos tenham direito a um juiz independente e imparcial.
Segundo Celso de Mello, “sujeitar civis arbitrariamente” à Justiça Militar em tempos de paz é uma “anomalia” e “uma clara violação ao princípio constitucional do juiz natural”.
Para Natália Viana, autora do livro Dano Colateral (Objetiva, 2021), para o qual ela analisou casos na Justiça Militar, nos julgamentos no Superior Tribunal Militar, os argumentos são “realmente argumentos militares”.
“E aí você tem os juízes civis, que são a minoria, e que tentam trazer um pouco uma perspectiva civil, mas não acaba sendo assim”, afirma Viana, que também é diretora-executiva da Agência Pública.
“[O que predomina] é uma visão militarizada do que deve ser a decisão sobre um crime ou não. Não é uma Justiça para fazer justiça, é uma Justiça para preservar a hierarquia.”
Para Nachmanowicz, a Justiça Militar deveria ter escopo de atuação muito reduzido — e no qual o julgamento de civis estaria fora de cogitação.
“A gente deveria ter um uso cada vez mais restrito, como em países onde a Justiça Militar só existe em tempos de guerra, ou então existir em tempos de paz, mas só para julgar militares em delitos relacionados à função, à conduta, à disciplina”, afirma a pesquisadora.
“Não para julgar outros crimes que não têm a ver com desrespeito à hierarquia ou à disciplina. Casos em que militares cometem crimes de direitos humanos contra civis, por exemplo, também deveriam ser julgados pela Justiça comum.”
Natália argumenta que, enquanto a Justiça Militar condena civis por crimes leves, militares que cometem graves violações de direitos humanos e operações de segurança pública são absolvidos.
“Geralmente as punições para quem quebra a hierarquia e a ordem, para quem, sei lá, roubar gasolina ou fuma maconha no exército, são enormes. E aí, quando você vai para outros tipos de crimes, como crimes (de militares) contra civis, mas que têm o respaldo tácito dos superiores, a punição não se equipara, nem se compara.”
Muitos dos casos de civis julgados pela Justiça Militar, alis, são de situações envolvendo as operações de Garantia de Lei e da Ordem, em que as forças militares atuam na área de segurança pública.
A Agência Pública mapeou 144 casos só nessa categoria entre 2011 e 2019.
“Se um militar for truculento e você discutir com ele, pode acabar sendo processado na Justiça Militar. É um absurdo”, diz Gustavo Ribeiro.
Para quem não enxerga o julgamento de civis pela Justiça Militar como inconstitucional, um dos argumentos é de que esse ramo não é “propriamente militar”, por ter também juízes civis em sua composição.
Esta é a visão, por exemplo, do ministro Luís Roberto Barroso, atual presidente do STF.
No julgamento do habeas corpus em 2023, por exemplo, Barroso, citou o fato de que uma lei de 2018 determinou que o julgamento de civis na Justiça Militar seja feito somente pelo juiz federal (civil) que faz parte das cortes desse ramo judicial. “A Justiça Militar brasileira não faz parte do Poder Executivo e não integra as Forças Armadas, sendo efetivo órgão do Poder Judiciário”, escreveu o ministro em seu voto.
No entanto, entidades como a Conectas apontam que esta regra, de que o juiz civil deve julgar sozinho os civis na Justiça Militar, não se aplica à segunda instância.
O defensor Gustavo Ribeiro explica que, a partir do momento em que o réu civil em um processo militar recorre da decisão do juiz civil, o caso será analisado por um grupo de magistrados composto também por juízes militares e sem a necessidade de formação jurídica.
“De que adianta o civil ser julgado pelo juiz federal na primeira instância se quando ele recorrer o caso vai ser analisado por um colegiado onde a maioria é militar?”, questiona Ribeiro.
O ministro Alexandre de Moraes votou no mesmo sentido que Barroso, mas destacou outro argumento. Para Moraes, o Código Penal Militar “não tutela a pessoa do militar, mas sim a dignidade da própria instituição das Forças Armadas” e por isso já votou tanto por ter militares julgados pela Justiça comum quanto por ter civis julgados pela Justiça Militar.
No caso do inquérito que investiga os atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, por exemplo, ele reafirmou a competência da Justiça comum para lidar com os integrantes das Forças Armadas envolvidos.
No julgamento de 2023 em que o civil pedia a declaração da incompetência da Justiça Militar, no entanto, ele manteve o caso neste ramo da Justiça com base no mesmo argumento.
“Da mesma maneira que ‘crimes de militares’ devem ser julgados pela Justiça Comum quando não definidos em lei como crimes militares, ‘crimes militares’, mesmo praticados por civis, devem ser julgados pela Justiça Militar quando assim definidos pela lei e por afetarem a dignidade da instituição das Forças Armadas”, escreveu o ministro.
A BBC News Brasil encontrou centenas de casos de civis sendo julgados por militares que chegaram à segunda instância ou ao Superior Tribunal Militar – ou seja, que não foram julgados exclusivamente por juízes civis com formação em direito. É o caso de uma paciente diagnosticada com transtorno bipolar e transtorno de personalidade compulsiva que se desentendeu com uma servidora em um hospital de Brasília em 2019.
Alguns dias antes do Natal, enquanto esperava por sua consulta no pronto socorro, a paciente achou que a atendente estava passando pessoas com senhas não preferenciais na sua frente.
Ela começou a reclamar, falar de forma agressiva e, segundo testemunhas, xingou a profissional.
O episódio também acabou gerando um processo criminal na Justiça Militar, apesar de tanto ela quanto a atendente serem civis.
Isso porque o hospital em que tudo aconteceu é o Hospital das Forças Armadas de Brasília, um estabelecimento militar. Por isso, a promotoria militar entendeu que ela cometeu um crime militar —desacato a um funcionário em lugar sujeito à administração militar —, e a Justiça Militar aceitou a denúncia.
Em sua decisão de 2010, Celso de Mello afirmou que submeter civis à Justiça Militar não é uma tendência de países de perfil democrático.
Diversos chegaram a simplesmente eliminar esse ramo da Justiça, exceto em tempos de guerra. É o caso da Argentina, de Portugal e do Uruguai, entre outros.
Tratados internacionais condenam expressamente o julgamento de civis por cortes militares.
“As diretrizes do Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas determinam que o Estado deveria garantir que os civis acusados de cometer crimes de qualquer natureza sejam julgados por cortes civis”, diz Nachmanowicz. “O sistema interamericano de direitos humanos também já enfatizou isso de uma forma consistente.”
Uma decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), de 2005, por exemplo, determinou que o Chile adequasse sua legislação aos padrões internacionais e adotasse medidas para impedir, EM quaisquer circunstâncias, que “um civil seja submetido à jurisdição dos tribunais penais militares”.
A Corte IDH vai além: diz que a Justiça Militar também não é competente para investigar militares acusados de violar direitos humanos.
Nos Estados Unidos, o uso de Justiça Militar contra civis é proibido mesmo em tempo de guerra, se houver tribunais civis em funcionamento.
A corte marcial também não se aplica a crimes cometidos por militares contra civis, e não existe a figura do juiz militar no país, explica Nachmanowicz. Em um artigo publicado em 2017, a pesquisadora apresentou também o funcionamento da Justiça Militar na Europa.
Na Espanha, em tempos de paz, os tribunais julgam apenas delitos relacionados à defesa e segurança nacionais, aponta. Na Bélgica, os crimes cometidos em tempos de paz por militares são julgados pela Justiça comum.
“A Itália não prevê código de processo penal militar e não tem, assim como a França, magistrados militares, ainda que a França preveja um sistema específico e pouco democrático para julgamento de crimes cometidos por militares”, escreveu Nachmanowicz.
No entanto, existem países onde civis são julgados por tribunais militares com frequência.
Na América Latina, a Venezuela é o único país com esta prática, segundo a pesquisa de Nachmanowicz. De acordo com a Corte Interamericana de Direitos Humanos, entre 2014 e 2021, pelo menos 870 civis venezuelanos foram submetidos à jurisdição militar.
Um caso conhecido foi o do líder sindical e membro da oposição Rubén González, que, em 2020, teve condenação de cinco anos e 9 meses de prisão confirmada por uma Corte Marcial de Caracas.
Divergência
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Distrito Federal
Indígenas marcham em Brasília contra marco temporal
Publicado
2 dias atrásno
30 de outubro de 2024Por
Fato novo
Protestos com rodovias bloqueadas ocorreram em pelo menos 5 estados
Cerca de 400 indígenas marcharam, nesta quarta-feira (30), em Brasília, e fizeram bloqueios em rodovias de pelo menos cinco estados. Os atos são contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 48, de 2023, que inclui a tese do marco temporal na Constituição do país.
Segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF), foram seis interdições registradas até o início da tarde de hoje em rodovias federais de São Paulo (SP), Santa Catarina (SC), Rio Grande do Sul (RS), Maranhão (MA) e Roraima (RR).
Também nesta quarta-feira, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, senador Davi Alcolumbre (União Brasil/AP), informou que irá analisar a possibilidade de pautar a PEC 48 no colegiado.
A tese do marco temporal, já considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), determina que só podem ser demarcadas as terras indígenas ocupadas pelos povos originários no momento da promulgação da Constituição, em outubro de 1988, ou que estavam em disputa judicial na época.
A liderança Dinamam Tuxá, coordenador da Associação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), argumentou à Agência Brasil que projetos contrários aos indígenas, incluindo a PEC 48, estão avançando no Congresso Nacional e, por isso, foi necessário retomar as mobilizações.
“É uma agenda anti-indígena que irá travar, de uma vez por todas, as demarcações das nossas terras. Da mesma forma que eles estão mobilizados, nós vamos continuar mobilizados e vigilantes para que não sejam aprovadas essas pautas. As manifestações vão continuar não só em Brasília, mas em todo o Brasil”, afirmou.
Além da PEC 48, a Apib critica projetos em tramitação na Câmara e no Senado, como a PEC 36, o projeto de lei (PL) 6050 de 2023 e outros. Os indígenas também pedem, por meio de carta divulgada nesta semana e entregue à autoridades dos Três Poderes, a demarcação de terras indígenas, como a do Morro dos Cavalos (SC) e da Potiguara de Monte Mor (PB), entre outras. Além disso, pedem a publicação, pelo Ministério da Justiça, de portaria declaratória de outras 12 terras indígenas a serem demarcadas.
O coordenador da associação, a liderança Alberto Terena, avalia que o Congresso Nacional está criando uma armadilha para barrar as demarcações das terras indígenas.
“É uma ameaça contra as nossas terras demarcadas e as já demarcadas porque eles vão querer rever as já demarcadas com o marco temporal”, afirmou Terena, acrescentando que a luta indígena envolve toda a sociedade brasileira por agravar a crise climática.
“A partir do momento que pararmos de proteger o meio ambiente a crise climática será ainda pior. As terras indígenas são os territórios com a maior preservação do meio ambiente, a maior biodiversidade. Estamos lutando pela vida. Não queremos nossa terra para ser explorada, queremos continuar vivendo em harmonia com a natureza”, completou.
PEC 48
Um dos autores da PEC 48, o senador Dr. Hiran (PP/RR), apelou nesta quarta-feira ao presidente da CCJ, Davi Alcolumbre, para que ele coloque a proposta em votação, independentemente do resultado da Comissão de Conciliação formada no STF para debater o tema. Para o senador Hiran, o Brasil já tem muita terra indígena demarcada.
“[A PEC 48] é uma aspiração do povo brasileiro, porque a gente está vendo no campo que essa nossa indecisão gera invasões, gera conflitos. Temos indígenas atacando produtores. Nós temos invasão de terra em vários lugares desse país porque não temos um marco legal adequado para proteger as populações”, afirmou.
Diante das ações que foram protocolados no Supremo sobre o marco temporal, o ministro relator do caso, Gilmar Mendes, formou uma comissão de conciliação para tentar encontrar um entendimento.
O presidente da CCJ, Davi Alcolumbre, informou que irá consultar “todos os atores” envolvidos no debate, para decidir se aguarda a negociação no STF ou se coloca a PEC para ser votada no Senado.
“Fui informado que as próprias associações indígenas se retiraram do debate. Então, se a parte interessada sai da mesa, a gente também não tem porquê suspender o debate da discussão aqui na CCJ. Eu me comprometo com Vossa Excelência a procurar todos os atores envolvidos e tomar uma decisão rapidamente, se retornamos a matéria à pauta da comissão”, destacou.
A Associação dos Povos Indígenas (Apib) abandonou a comissão de conciliação por entender que a tese já foi rejeitada pelo STF e que a decisão deve ser respeitada. Ainda segundo a associação, não há paridade entre os indígenas e as representações ruralistas no debate.
“A Conciliação cria insegurança jurídica para os povos indígenas. É uma armadilha que desvia o Estado de suas atribuições constitucionais, já que os direitos dos povos indígenas são direitos fundamentais, indisponíveis e inalienáveis”, diz a carta da Apib publicada nesta semana.
Entenda
Considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em setembro de 2023, a tese do marco temporal afirma que só podem ser demarcadas as terras indígenas ocupadas pelos povos originários no momento da promulgação da Constituição, em outubro de 1988, ou que estavam em disputa judicial na época.
Em reação ao julgamento no STF, o Congresso Nacional aprovou projeto de lei reforçando a tese do Marco Temporal. O texto foi vetado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas o veto foi derrubado pelo Congresso em dezembro de 2023.
Devido as ações sobre o tema que tramitam no Supremo, o ministro-relator Gilmar Mendes criou uma Comissão Especial de Conciliação para tentar chegar a um acordo sobre as regras para a demarcação das terras indígenas no Brasil.
Justiça
TSE dará resposta rápida a notícia-crime de Boulos, diz Cármen Lúcia
Publicado
4 dias atrásno
28 de outubro de 2024Por
Fato novo
Para ministra, incidente é isolado e não compromete eleições
A Justiça Eleitoral dará uma resposta rápida à notícia-crime do candidato derrotado à Prefeitura de São Paulo Guilherme Boulos (PSOL) contra o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, disse nesta noite a presidenta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia. De acordo com ela, o incidente foi isolado e não compromete a credibilidade das eleições.
“Sobre um caso que acontece quando 33 milhões de eleitores estão nas urnas, com 102 candidatos e que já foi judicializado, a Justiça Eleitoral tem prazo curtíssimo e sim, será dada a resposta. Fosse um país onde ficam meses ou semanas para dar a notícia até seria razoável a ilação [de que a Justiça Eleitoral está demorando a agir]”, declarou a presidenta do TSE em entrevista coletiva para apresentar o balanço do segundo turno das eleições municipais em 2024.
“Acho que um caso em 51 municípios [com disputas de segundo turno] com mais de 33 milhões de eleitores significa o êxito da Justiça Eleitoral, uma Justiça que funciona muito bem”, declarou a ministra.
Sem poder opinar sobre o caso, a ministra explicou a tramitação de processos de fake news na Justiça Eleitoral. “O que temos hoje é um sistema de alerta, o assessoramento específico de enfrentamento à desinformação que faz o encaminhamento de todas as notícias que chegam. O tratamento dado pelas instituições competentes, porque se trata em parte de uma investigação, em parte de uma necessidade de o Ministério Público verificar se é caso de denúncia. Se for, há o processo que segue a tramitação regular do processo penal eleitoral”, disse.
Cármen Lúcia ressaltou que a Justiça Eleitoral está criando um procedimento para uniformizar tipos de fake news que já tiveram decisões no TSE. O objetivo é dar mais rapidez às sentenças e reduzir o volume de processos em instâncias superiores. “O repositório tem o objetivo de incluir matérias que já foram objeto de tratamento e, portanto, o juiz fazer isso automaticamente sem precisar chegar aqui [ao TSE] em outros tempos”, comentou.
Neste domingo, o governador paulista afirmou, ao lado do prefeito reeleito Ricardo Nunes (PMDB), sem apresentar provas, que integrantes da facção Primeiro Comando da Capital (PCC) orientaram parentes e apoiadores a votarem em Boulos. A declaração de Tarcísio de que “teve o salve” do PCC pedindo voto em Boulos foi dada em entrevista coletiva no colégio Miguel Cervantes, na zona sul de São Paulo, onde vota o governador.
Boulos entrou com uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) na 1ª Zona Eleitoral de São Paulo por abuso de poder político e abuso no uso indevido dos meios de comunicação, contra Tarcísio. A campanha do candidato derrotado também entrou com notícia-crime no TSE contra o governador. Esse processo será relatado pelo ministro Nunes Marques, que também integra o Supremo Tribunal Federal (STF).
Em consulta da Radioagência Nacional (EBC), o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo informou desconhecer suposta orientação do PCC de voto no candidato a prefeito de São Paulo Guilherme Boulos (PSol). “Não chegou ao conhecimento do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo nenhum relatório de inteligência nem nenhuma informação oficial”, respondeu a assessoria de imprensa do TRE-SP .
Estatísticas
Durante a entrevista, a presidenta do TSE apresentou estatísticas sobre as denúncias de fake news na campanha de 2024. De 4 de junho até este domingo (27), o TSE registrou 5.234 alertas no Sistema de Alertas de Desinformação (Siade) e 3.463 ligações na linha telefônica SOS Voto. Por causa da possibilidade de denúncias repetidas nos dois canais, os números não podem ser somados.
Em relação às irregularidades eleitorais denunciadas ao aplicativo Pardal, o TSE informou ter recebido 339 queixas. A ocorrência com maior número de denúncias foi a de boca de urna, com 202 registros.
Cármen Lúcia considerou baixo o número de ocorrências e repetiu que as eleições transcorreram em clima de tranquilidade. “As pouquíssimas ocorrências aconteceram num universo de mais de 30 milhões de eleitores. Essa eleição dá a demonstração de que o clima de violência e de intolerância, as desinformações como foram tentando recriar, inventar, fraudar dados para compelir eleitores é algo fora da normalidade democrática”, destacou a ministra.
Elogiando a independência do Poder Judiciário, a ministra agradeceu aos servidores da Justiça Eleitoral por garantir uma votação que chamou de “monótona”. “Cheguei lá [em Belo Horizonte, para votar]. Não tinha fila, não tinha confusão, não tinha nada. Votei e fui para casa. Que monotonia! Queremos a monotonia democrática para depois todo mundo ir para casa, poder ter sua casa com seus entes queridos almoçando”, comentou Cármen Lúcia.
Brasil
MPF cobra do Banco do Brasil reparação por apoio à escravidão
Publicado
1 semana atrásno
24 de outubro de 2024Por
Fato novo
BB informou que lançará em dezembro ações de reparação ao povo negro
O Ministério Público Federal (MPF) no Rio de Janeiro reforçou nesta semana a cobrança para que o Banco do Brasil (BB) apresente ações de reparação à população brasileira afrodescendente. A medida funcionaria como uma indenização pelo apoio da instituição financeira à escravidão no Brasil, no século 19.
A cobrança se deu em audiência pública realizada na última terça-feira (22), comandada pelo procurador regional dos Direitos dos Direitos do Cidadão Julio José Araujo Junior, com representantes do Banco do Brasil, do Ministério da Igualdade Racial (MIR) e do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.
A atuação do MPF faz parte de um inquérito aberto contra o BB em setembro de 2023. A investigação é baseada no estudo de 14 pesquisadores de universidades brasileiras e americanas. Eles revelaram ligações do BB com o comércio de africanos escravizados.
Os pesquisadores apontam que havia “vínculos diretos entre traficantes e o capital diretamente investido em ações do Banco do Brasil”. Além disso, acrescenta que “a instituição também se favoreceu da dinâmica de circulação de crédito lastreada na propriedade escrava que imperou ao longo de toda a primeira metade do século XIX”.
O Banco do Brasil reconhece que a instituição teve ligação com a escravidão e, em novembro, emitiu um pedido público de desculpas à população negra.
Apesar do reconhecimento do BB, o MPF emitiu ao banco estatal e ao Ministério da Igualdade Racial (MIR) recomendações para que fossem indicados recursos específicos para as ações de reparação, assim como a definição de medidas prioritárias, de modo que o pacto pela igualdade racial não se tornasse “mera carta de intenções”.
“As respostas apresentadas pelas autoridades nada trouxeram de acréscimo. A gente ainda não teve indicações concretas dessas medidas”, criticou o procurador Julio Araujo no início da audiência pública.
O também procurador dos Direitos do Cidadão Jaime Mitropoulos acrescentou que o pedido formal de desculpas do BB não é uma ação suficiente.
“Medidas simbólicas não nos bastam. O pedido de perdão, por si só, não é suficiente. A política pública que já vem sendo levada adiante pelo próprio Banco do Brasil também não é suficiente”, declarou.
“É necessário que a gente comece a delinear quais são, efetivamente, as reparações que o Banco do Brasil vai propor, quais são aquelas que, em conjunto com a sociedade, nós poderemos concretizar”, completou.
Sociedade civil organizada
Em dezembro de 2023, o MPF abriu uma consulta pública para receber da sociedade civil sugestões de reparação que possam ser realizadas pelo banco estatal.
Foram obtidas mais de 500 propostas, apresentadas por 37 entidades, entre elas o Movimento Negro Unificado (MNU), a Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq), a União de Núcleos de Educação Popular para Negras/os e Classe Trabalhadora (Uneafro Brasil), universidade e grupos culturais e religiosos.
Algumas das instituições que contribuíram com propostas participaram da audiência pública desta semana.
A ativista e estudante de ciências sociais Brenna Vilanova representou o MNU do Distrito Federal e Entorno.
“A gente precisa garantir que todas as sugestões que os movimentos negros enviaram sejam implementadas e acompanhadas, que esse plano de ação tenha prazos definidos”, pediu.
Júlia Mota, que participou representando o Fundo Agbara, que reúne mulheres negras, fez uma ligação entre as desigualdades sociais atuais e a histórica desigualdade racial.
“As desigualdades sociais do Brasil têm as suas gênese na desigualdade racial e no capitalismo racial. É de responsabilidade de um banco, como o Banco do Brasil, atuar pelo fim de violências econômicas, oferecendo renda básica para as populações negras, bem como um fundo de reparação para investimentos em territórios, empreendimentos, organizações, ações de pessoas negras, além de investimento para o desenvolvimento de territórios quilombolas e tradicionais”, elencou.
Banco do Brasil
O Banco do Brasil foi representado na audiência pelo consultor jurídico João Alves e pela gerente de Relações Institucionais Nivia Silveira da Mota. Eles lembraram que o banco já realiza uma série de ações para busca da equidade racial e de outras minorias representativas, como pessoas com deficiência.
Pela primeira vez na história, o BB é presidido por uma mulher negra, a administradora e funcionária de carreira Tarciana Medeiros.
Eles informaram que o banco lançará no dia 4 de dezembro de 2024 uma série de ações relacionadas com a reparação à população negra. No entanto, acrescentarem que parte das propostas sugeridas pela sociedade civil não pode ser realizada pelo banco, por estarem fora da alçada de atuação. Um exemplo, citou Alves, é o pagamento de renda básica, que depende de iniciativas e orçamento autorizado pelo Congresso Nacional.
Nivia Mota destacou que a instituição leva em consideração as demandas propostas, e que dez diretorias do banco participam da elaboração do plano de ação.
“Estamos tentando traduzir e levar para o nosso plano de ação, com o máximo de aproximação que pudermos fazer, considerando o orçamento que for disponibilizado”, afirmou ela, acrescentando que foram realizadas oficinas, escutas e consultas a pesquisadores e estudantes da temática racial.
O consultor jurídico do BB avalia que acreditar que apenas uma única instituição, por maior que seja, vai resolver o problema de exclusão de afrodescendentes ou outras populações excluídas é “fora da realidade”.
“A avaliação que a gente tem é que precisamos unir forças”, disse. “O banco não é o melhor, é uma das instituições que têm tecnologia, tradição e intervenção suficiente para ajudar outras instituições”, completou, enfatizando a entonação da expressão “uma das”.
Ministérios
O Ministério da Igualdade Racial foi representado pela coordenadora de Ações Governamentais, Isadora de Oliveira Silva. Ela informou que o MIR ainda não tem pronto um plano de ação e que está comprometido em ouvir a sociedade para elaborar as medidas.
“O pacto teve momentos de escuta da sociedade civil, como de outros órgãos públicos e diferentes parceiros para coletar subsídios, sugestões para esse conteúdo do pacto. É isso que está passando por sistematização”, disse.
A coordenadora-geral de Erradicação do Trabalho Escravo, Andreia Figueira Minduca, representou o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Ela explicou que, na pasta, as contribuições para o pacto pela igualdade racial são tratadas em conjunto pela Coordenação-Geral de Memória e Verdade da Escravidão e do Tráfico Transatlântico de Pessoas Escravizadas.
Ela afirmou que o tema reparação é transversal a outros problemas atuais do país, como a existência do trabalho escravo doméstico, que tem as mulheres negras como 92% das vítimas.
“Que esses processos venham, a cada dia, somar e tentar garantir o mínimo de dignidade para trabalhadoras e trabalhadores”, disse.
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