Os Jogos Paralímpicos de Paris começaram nesta semana e o Brasil estará presente em 20 das 22 modalidades disputadas, com uma delegação de 255 atletas, a segunda maior do torneio – perdendo apenas para a China. Assim como em outras edições dos Jogos, há esperança de múltiplas medalhas brasileiras: a expectativa de analistas é que o país fique entre os cinco melhores da competição.
O país se consolidou no top-10 das Paralimpíadas em Pequim 2008, quando terminou com 47 pódios – 16 ouros, 14 pratas e 17 bronzes –, na nona colocação.
Em Londres 2012, o número de pódios diminuiu, mas o de ouros aumentou, e o país ficou na sétima colocação no quadro de medalhas (21 ouros, 14 pratas e 8 bronzes). Nos jogos do Rio, em 2016, o número de pódios teve um salto – foram 72 –, mas uma pequena queda no número de ouros deixou o país em oitavo. Já em Tóquio 2020, o país voltou à sétima colocação, com o mesmo número de pódios do Rio, mas um número recorde de ouros: 22.
De acordo com Rafael Reis, pesquisador na área do esporte paralímpico, o sucesso brasileiro no esporte paralímpico tem diversas causas. Ele explica que um dos primeiros passos para o destaque do país nas Paralimpíadas foi a criação do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), em 1994.
Trinta anos depois da fundação do CPB, o protagonismo da entidade na organização e gestão do esporte paralímpico pode parecer óbvio, mas antes disso, cada esporte tinha sua própria organização, além de captação individual de recursos.
“Esse é um dos elementos. Quando a gente pensa em organização, gestão, quando o Brasil centraliza as ações, a coordenação, o rendimento, a gente começa a ter melhores resultados”, diz.
Reis explica ainda que há poucos estudos acadêmicos sobre a qualidade da gestão do CPB desde a sua fundação. Empiricamente, no entanto, ele classifica a atuação da entidade como “eficiente”. “Essa gestão atual [presidência de Mizael Conrado, ex-atleta do futebol de cegos] é boa, a anterior [presidência de Andrew Parsons] foi boa também. Vem sendo um bom trabalho, que está seguindo”, afirma.
Ele cita o Centro Paralímpico de São Paulo, equipamento de referência mundial para treinamento em 20 modalidades, como uma das boas políticas do CPB.
Recursos financeiros
Outro ponto fundamental para a evolução brasileira no paradesporto foi o financiamento. Os mesmos mecanismos que o Brasil desenvolveu para o esporte olímpico também valem para as modalidades paralímpicas.
As principais políticas em questão são a Lei Agnelo/Piva, que destina recursos das loterias para o esporte; a Lei de Incentivo ao Esporte, que permite renúncia fiscal por parte de empresas e pessoas físicas para beneficiar projetos esportivos; e o Bolsa Atleta, que garante remuneração direta a atletas em diferentes níveis da carreira.
A Lei Agnelo/Piva, aprovada em 2001, previa que 2% da arrecadação das loterias federais deveria ser destinada ao esporte. À época, a divisão era de 85% dos recursos para o Comitê Olímpico Brasileiro e 15% para o CPB (ou seja, 0,3% da arrecadação total das loterias). Em 2018 a divisão foi alterada, e o CPB passou a receber 0,87% de todos os recursos dos jogos, o que aumentou consideravelmente o orçamento disponível.
De acordo com levantamento do Instituto de Pesquisa Inteligência Esportiva da Universidade da Universidade Federal do Paraná (Ipie-UFPR), a Lei de Loterias já destinou R$ 1,64 bilhão para o CPB (em valores não atualizados). Em 2023, foram R$ 223 milhões para a entidade.
Os recursos do Bolsa Atleta também têm destaque. O atletismo paralímpico é, com folga, a modalidade que mais recebe recursos do programa: entre 2013 e 2024 foram R$ 146 milhões. Em seguida vem o atletismo olímpico, com R$ 90 milhões, e a natação paralímpica, com R$ 70 milhões.
Em 2023, o Bolsa Atleta destinou R$ 64 milhões para as modalidades paralímpicas. Mesmo antes do ano terminar, este valor já foi superado em 2024: até aqui foram R$ 77 milhões.
Determinantes sociais
Além de organização e orçamento, potências paralímpicas geralmente têm outro ponto em comum: características da sociedade que influenciam no número de pessoas com deficiência.
O primeiro deles é o tamanho das populações. Essa afirmação é basicamente estatística: quanto mais pessoas, maior a chance de haver talentos esportivos.
Em seguida vêm os determinantes sociais. Há países em que há mais pessoas com deficiência, seja pela participação em conflitos, seja por características internas. O Brasil, apesar de não estar em conflito externo, tem altos índices de violência armada. Além disso, há condições de saúde e saneamento que ainda favorecem o desenvolvimento de deficiências, sejam elas congênitas ou adquiridas.
“Infelizmente sim, a pobreza, falta de desenvolvimento básico e de saneamento e violência fazem com que haja muitas pessoas com deficiência”, explica Reis.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD): Pessoas com Deficiência 2022 mostra que 8,9% da população brasileira tem algum tipo de deficiência, o que corresponde a cerca de 19 milhões de pessoas de 2 anos ou mais.
Desenvolvimento de base
Para Reis, se há uma possível correção de rota possível dentro do esporte para pessoas com deficiência seria a atenção ao desenvolvimento do desporto desde a base, e de maneira descentralizada.
“Hoje eu trabalho com futebol para pessoas com baixa visão no Paraná. Se eu sair, talvez esse esporte acabe na região”, afirma. “Isso não pode ser assim, tinha que existir algo institucionalizado, que não dependesse tanto da vontade de pessoas específicas”.
Ele avalia que o desenvolvimento do paradesporto, inclusive de modalidades que não estão nas Paralimpíadas, deveria ser feito via políticas públicas que vão além do financiamento.
“Atualmente, boa parte do paradesporto acontece em ONGs, que fazem um trabalho importantíssimo, mas muitas vezes são fundadas na força da boa vontade de pessoas afetadas pela deficiência, mas que não têm recursos ou capacitação para manter o projeto a longo prazo”.
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