Termo criado para ilustrar o “vício em internet” está causando preocupação em pesquisadores e médicos, especialmente aqueles que tratam crianças e jovens que passam longas horas stalkeando as redes
Brainrot, termo que apareceu na internet em 2007 para ilustrar os efeitos do uso prolongado dos meios interativos, está causando preocupação em pesquisadores e médicos, especialmente aaqueles que tratam crianças e jovens que passam longas horas stalkeando as redes sociais.
A preocupação ocorre porque muitos dos “hard users” das redes sociais se simpatizam com o termo, que pode ser traduzido como “cérebro podre”.
Em longa reportagem, o jornal estadunidense The New York Times revela que muitas pessoas demonstram orgulho de sua “podridão” mental, causada pela exposição contínua a conteúdos fúteis nas redes.
Segundo o jornal, o debate online sobre a podridão cerebral tornou-se tão difundido que alguns utilizadores das redes sociais começaram a criar paródias de pessoas que parecem encarnar a “doença”, que foi traduzida no Tik Tok com frases como “ela tem energia de golden retriever”, uma gíria que descreve alguém que dá a impressão de ser legal, boba ou inofensiva.
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No entanto, o aumento da popularidade do “brainrot”, o cérebro podre, está ligado ao crescente reconhecimento de uma doença que os investigadores do Hospital Infantil de Boston apelidaram de “uso problemático de meios interativos”.
Michael Rich, pediatra que fundou o Laboratório de Bem-Estar Digital do hospital, disse que seus pacientes se referem à “podridão cerebral” como “uma forma de descrever o que acontece quando você passa muito tempo na Internet e transfere sua consciência para a Internet”.
Segundo ele, muitos de seus pacientes parecem considerar a podridão cerebral uma medalha de honra. Alguns até competem por mais tempo de tela, assim como competem por pontuações mais altas em videogames.
O Newport Institute, um centro de tratamento de saúde mental para jovens adultos, começou recentemente a recrutar pessoas que sofrem de podridão cerebral. No seu site, o instituto incentiva os pais cujos filhos sofrem de “vício digital” a considerarem planos de tratamento.
Para Rich e especialistas do Laboratório de Bem-Estar Digital do Hospital Infantil de Boston, a podridão cerebral não é tanto um vício em Internet, mas um mecanismo de enfrentamento para pessoas que podem ter outros distúrbios subjacentes que os levam a ficar entorpecidos com a navegação estúpida nas redes sociais ou com uma navegação excessivamente longa.
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“A Internet e os jogos são usados, por exemplo, por crianças com TDAH que passam o dia na escola sentindo que não conseguem acompanhar, que não conseguem acompanhar o que está acontecendo, não só na sala de aula, mas no playground”, diz Rich.
“Demonizar o telefone e as redes sociais simplesmente não é realista hoje em dia”, disse Leena Mathai, estudante do ensino médio em Basking Ridge, Nova Jersey, que também é conselheira estudantil do Laboratório de Bem-Estar Digital. “Dizer às crianças: ‘Oh, você está melhor sem seu telefone’, ou tentar fazê-las se sentirem mal por quererem usar o celular não é a melhor maneira de abordar a situação, porque isso só faz as pessoas quererem fazer mais”.
“Usamos nossos telefones para nos anestesiar”, acrescentou. “Eu sei que é muito errado e as pessoas sempre ficam surpresas com esse comentário, mas é verdade.”
Neurologista explica que a causa da enxaqueca não está no prato. A alimentação pode desencadear ou piorar as crises
Cerca de 30 milhões de pessoas sofrem de enxaqueca no Brasil (aproximadamente 15% da população total). Ao contrário do que muita gente pensa, a alimentação não é motivadora da doença; a enxaqueca tem causa hereditária. Porém, substâncias presentes em alguns alimentos podem desencadear ou piorar uma crise.
A neurologista Thaís Villa, especialista no diagnóstico e tratamento das dores de cabeça e da enxaqueca, lista 5 mitos e 5 verdades sobre a ligação entre os alimentos e a enxaqueca. Confira:
É mito! A enxaqueca pode ser causada pela alimentação. Nenhum alimento causa enxaqueca, essa é uma doença crônica do cérebro de causa hereditária. A enxaqueca não tem cura, o tratamento correto vai ajudar a controlar os sintomas, que podem ser muitos e variados;
Verdade: alimentos estimulantes podem piorar uma crise de enxaqueca. Alguns alimentos contêm substâncias que são estimulantes para o cérebro e podem tanto ser um gatilho para as crises de enxaqueca como também podem cronificar a doença, aumentando a frequência de crises, a intensidade e a duração delas. Exemplos: café, cacau (chocolate), cupuaçu, fruto do guaraná e a erva mate. A cafeína presente nesses alimentos possui efeito estimulante e analgésico, mascarando os sintomas e cronificando a doença;
Verdade: alimentos termogênicos, como pimentas mais fortes, gengibre, canela, cúrcuma devem ser evitados porque também são estimulantes;
Mito: refrigerantes estão liberados! A cola e o guaraná são estimulantes e devem ser evitados;
Verdade: cuidado em restaurantes de comida japonesa. O problema está no consumo do molho shoyu que contém glutamato monossódico, um estimulante cerebral;
Verdade: temperos prontos (em pó), biscoitos e salgadinhos com sal são inimigos da enxaqueca, porque contém glutamato monossódico. É importante verificar a existência de mais esse estimulante do cérebro na tabela nutricional do alimento;
Verdade: a cafeína está na maioria dos analgésicos utilizados para dor de cabeça, sintoma mais conhecido da enxaqueca (mas não o único!). O uso excessivo desses medicamentos pode desencadear sérias consequências para o estômago e o intestino, além de cronificar a enxaqueca e provocar mais crises de dor de cabeça;
É mito queo glúten presente no trigo e na cevada – e também a lactose do leite – causa enxaqueca. Nenhum alimento causa a doença, que é hereditária. Algumas pessoas possuem outras predisposições ou mesmo intolerância a alguns alimentos e o corpo pode reagir de maneira exacerbada, mas não são gatilhos para a doença;
Mito: a pessoa com enxaqueca não deve comer doces. O açúcar não precisa ser retirado da dieta do paciente, não é causa de enxaqueca. O período que antecede a doença, chamado de pródromo, vem associado à compulsão por produtos açucarados que são fonte de energia para o cérebro, mas não têm estimulante suficiente para cronificar o cérebro excitado durante uma crise;
Mito: cortar alimentos estimulantes é a única coisa a ser feita. Faz parte do processo de um plano de tratamento identificar na dieta do paciente a ingestão desses alimentos estimulantes e retirá-los, mas não adianta fazer isso sozinho porque a enxaqueca não é uma doença de causa alimentar, os gatilhos alimentares não são os únicos. A Nutrição está dentro de um contexto de tratamento.
Dra Thaís Villa – neurologista especialista em enxaqueca
“O problema não está no prato, porque as pessoas que não têm enxaqueca toleram muito melhor os alimentos estimulantes. Importante ressaltar: a enxaqueca não é doença de causa alimentar! A alimentação pode ser um gatilho ou ‘piorador’ das crises, porém, a enxaqueca não é só crise de dor de cabeça. É uma doença neurológica com dezenas de sintomas e a crise é o ápice dessa doença em que o paciente apresenta não somente a dor de cabeça severa, como também náuseas, vômitos, tonturas, auras visuais, zumbidos, pode ter também muito desânimo, alteração de humor ou mesmo alterações no funcionamento do intestino, entre outros sintomas”, explica Thaís Villa.
Tratamento
A neurologista orienta: “toda pessoa com enxaqueca deve procurar um neurologista, de preferência especialista em enxaqueca para o diagnóstico correto, e iniciar o tratamento da doença, que é complexa e tem muitas repercussões na vida do paciente. Inclusive complicações vasculares (como risco aumentado para AVC e infarto), além de perdas na qualidade de vida, como alterações do sono e de humor, tendência à ansiedade, a problemas cognitivos e outros. O tratamento integrado visa o controle dos sintomas e da doença”.
De acordo com a médica, o tratamento deve ser realizado de forma integrada e multidisciplinar, com foco no paciente como um todo. O tratamento individualizado deve combinar terapias com medicamentos de ponta e ajustes no estilo de vida, com o objetivo de proporcionar bem-estar ao paciente por meio do controle da dor.
Vinicius ainda enfrentou desafios em seguir o tratamento após perder o emprego
Vinicius, 47 anos, vive em São Caetano do Sul com sua esposa e o filho. Assim como muitos brasileiros, viveu uma realidade difícil em meados de 2023: foi demitido de seu trabalho. Porém, diferente do cenário mais comum que levam a desligamentos, ele acredita que sua condição de saúde, a Doença de Pompe, diagnosticada em julho de 2019, foi o principal motivo para a dispensa. A demissão teve um impacto significativo, especialmente porque durante o período de desemprego, ele encontrou dificuldades para manter o tratamento adequado, o que resultou em uma piora na fraqueza muscular, uma das sequelas de sua doença rara.
Mesmo diante dessa adversidade, Vinicius não se deixou abater. Com dificuldade para se reinserir no mercado de trabalho, ele decidiu abrir seu próprio negócio, determinado a buscar sucesso nessa nova empreitada. Hoje, ele realiza acompanhamento médico semestral e exames periódicos para monitorar o pulmão, já que a Doença de Pompe pode afetar os músculos respiratórios de forma progressiva. Ele também faz sessões semanais de fonoaudiologia e fisioterapia para manter sua qualidade de vida. Vinicius teve sua jornada com a Doença de Pompe retratada na segunda temporada da série “Viver é Raro”, e afirma: “Eu vou buscando o meu limite”. A série já está disponível no Globoplay, inclusive para não assinantes, e compartilha em sete episódios a história e a jornada de pessoas que foram diagnosticadas com condições raras.
História e diagnóstico
Nascido e criado em São Paulo, Vinicius teve uma infância ativa, sempre envolvido em esportes, jogando futebol com amigos nas ruas do bairro. No entanto, desde pequeno, seu pai notava uma leve dificuldade em correr, mas isso nunca foi investigado profundamente. Aos 32 anos, durante uma partida de futebol, ele percebeu que suas pernas não tinham a mesma agilidade de antes. Inicialmente, ele acreditava que isso era apenas uma consequência do envelhecimento. Decidido a manter-se ativo, ele migrou para o tênis, mas logo começou a notar outros sintomas incomuns, como a queda de sua pálpebra, conhecida como ptose.
Preocupado, Vinicius procurou a orientação de uma colega oftalmologista, que recomendou uma investigação mais profunda. A partir daí, ele iniciou uma longa jornada de consultas com neurologistas e diversos exames, mas sem um diagnóstico claro. Havia suspeitas de uma doença neuromuscular, mas a condição específica ainda precisava ser identificada. Após meses de incertezas, ele foi encaminhado ao Dr. André Macedo, Coordenador Neuromuscular da Academia Brasileira de Neurologia. Durante a consulta, Dr. André notou que a língua de Vinicius também estava comprometida, um sinal distintivo da Doença de Pompe. Embora a biópsia muscular fosse necessária para a confirmação, o médico já tinha fortes suspeitas sobre o diagnóstico.
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A biópsia confirmou a suspeita, e um teste genético reforçou o diagnóstico: ele tinha a Doença de Pompe, uma condição causada pela deficiência da enzima alfa-glicosidase ácida, que leva ao acúmulo de glicogênio nos músculos, provocando fraqueza muscular progressiva e comprometimento respiratório. O diagnóstico trouxe um misto de alívio e preocupação para Vinícius e sua família. Embora soubesse que a doença tinha tratamento, o custo elevado da terapia enzimática substitutiva apresentava um novo desafio.
Tratamento e Desafios Adicionais
Após obter acesso ao medicamento, ele começou a realizar infusões intravenosas regulares em um centro de tratamento especializado. Ele logo sentiu uma melhora na força muscular, embora soubesse que o que já havia sido perdido não poderia ser recuperado. O tratamento ajudou a estabilizar sua condição, e até recuperou parte de sua fala e da deglutição. No entanto, a chegada da pandemia de Covid-19 trouxe novos obstáculos quando ele contraiu o vírus e precisou ser internado por 32 dias na UTI, a maior parte do tempo entubado devido ao comprometimento dos pulmões.
Surpreendendo a todos, Vinicius superou a Covid-19 e iniciou um longo processo de reabilitação, que durou quase um ano, no qual ele teve que reaprender a respirar e a falar. Esse período foi extremamente desafiador, mas ele se mostrou resiliente e determinado a seguir em frente.
Sobre a Doença de Pompe
A Doença de Pompe, também conhecida como glicogenose tipo II, é uma doença hereditária rara que pode se manifestar em qualquer fase da vida. É um transtorno neurovascular causado por um defeito na enzima alfa-glicosidase ácida, que provoca o acúmulo de glicogênio nos músculos. Esse acúmulo leva a fraqueza muscular progressiva, comprometimento respiratório, dores de cabeça e outros sintomas debilitantes. A doença afeta um indivíduo a cada 50 mil nascidos, e no Brasil, estima-se que existam cerca de 2,5 mil pessoas nessa condição. O diagnóstico precoce é fundamental para o tratamento eficaz, que pode retardar a progressão da doença e melhorar a qualidade de vida do paciente.
Sobre a série “Viver é Raro”
“Viver é Raro” é uma série documental que estreou sua segunda temporada no Globoplay. Produzida pela Casa Hunter, em parceria com a Cinegroup e Vbrand, a série traz histórias inspiradoras de pessoas com doenças raras. Cada episódio destaca a luta e a coragem dessas pessoas e suas famílias, mostrando que, apesar dos desafios, elas continuam a sonhar e a perseguir seus objetivos. A série tem como missão desmistificar a jornada das doenças raras, gerar conscientização sobre a causa e contribuir para a construção de políticas públicas mais inclusivas e efetivas.
A jornada de trabalho que chegava a durar 16 horas por dia, o excesso de responsabilidades e o sentimento de viver em função do emprego foram cruciais para que Juliana Ramos de Castro, de 41 anos, desenvolvesse uma síndrome de burnout.
Os primeiros sinais apareceram, em 2020, quando a nutricionista trabalhava como autônoma.
“Na época, acreditava que o que estava sentido era crise de ansiedade e fui levando o consultório até conseguir um trabalho em uma empresa em meados de 2022”, conta Juliana.
Quando assumiu um cargo de gerente, com uma jornada de trabalho extenuante, os sintomas, que até então oscilavam, tornaram-se frequentes.
“Comecei a sentir um cansaço fora do normal, onde mesmo descansando o fim de semana todo, não me recuperava”, diz ela.
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“Ao mesmo tempo, eram constantes as dores no peito, tontura, crises de choro, confusão mental e isolamento social. Não havia um gatilho para acontecer, simplesmente vinha, em qualquer lugar e momento.”
Ao procurar ajuda médica, Juliana descobriu que o que acreditava ser ansiedade era, na verdade, burnout.
Essa síndrome ocupacional é causada por um estresse crônico na vida profissional e se caracteriza também, além da exaustão, por um sentimento de negatividade em relação ao trabalho e uma piora do desempenho.
“Fiquei surpresa, fui afastada pelo médico psiquiatra do trabalho por 60 dias. E quando voltei, resolvi pedir demissão e mudar de área”, conta Juliana, que hoje trabalha como analista de um escritório de advocacia, um ambiente de trabalho que ela considera “mais saudável”.
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Em 2023, 421 pessoas foram afastadas do trabalho por burnout — é o maior número dos últimos dez anos no Brasil, segundo dados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), do Ministério da Previdência Social.
O aumento ocorreu, principalmente, durante a pandemia do coronavírus. De 178 afastamentos por burnout, em 2019, o Brasil passou para 421, em 2023, um aumento de 136%.
Em uma década, o número de afastamentos por este motivo cresceu quase 1.000%, como mostra o gráfico abaixo.
Para especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, três fatores ajudam a explicar este crescimento de diagnósticos de burnout no país:
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Maior conhecimento da população sobre transtornos e síndromes relacionados ao trabalho, principalmente, a partir do reconhecimento da Organização Mundial da Saúde (OMS) do burnout como uma síndrome ocupacional;
Maior nível de cobrança sobre trabalhadores no ambiente organizacional, o que culmina em pressão e estresse, desencadeadores de transtornos e síndromes;
E confusão de especialistas na hora de identificar se o paciente tem burnout ou outros transtornos mentais relacionados ao trabalho.
Hoje, estima-se que 40% das pessoas economicamente ativas sofram de burnout, aponta Alexandrina Meleiro, médica psiquiatra e porta-voz da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT).
“Mas nem todos os casos são identificados”, diz a especialista.
No Brasil, as únicas estatísticas oficiais disponíveis em relação à síndrome de burnout são contabilizadas pelo Ministério da Previdência Social, que apenas afere os afastamentos do trabalho por mais de 15 dias.
Os afastamentos por burnout por menos tempo não são contabilizados nas estatísticas oficiais.
Além disso, segundo Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), atualmente, uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) estabelece que o médico é obrigado a provar que há uma relação entre o trabalho e o esgotamento profissional.
“Assim, pelo CFM, o médico psiquiatra somente pode afirmar que o paciente tem burnout se visitar pessoalmente o local de serviço e fizer nexo causal”, diz Silva.
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“Atendimentos apenas em consultórios não podem fazer tal diagnóstico.”
O que explica o aumento de diagnósticos?
Bruno Chapadeiro Ribeiro, pesquisador do Laboratório de Pesquisa em Psicologia, Organizações, Saúde, Trabalho e Educação (Laposte) da Universidade Federal Fluminense (UFF), diz que o Brasil enfrenta atualmente uma epidemia não apenas de burnout, mas também de transtornos mentais relacionados ao trabalho — o INSS contabiliza casos de burnout e de transtornos mentais e comportamentais separadamente.
“Nota-se essa maior incidência não só clinicamente, mas também nas pesquisas científicas que fazemos e nas perícias trabalhistas”, afirma Ribeiro.
“A judicialização sobre a questão, por exemplo, aumentou 72% na pandemia.”
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Dados do Ministério da Previdência Social apontam que, no ano passado, 27 trabalhadores foram afastados por dia devido a transtornos mentais e comportamentais relacionados ao trabalho.
Um total de 10.028 auxílios doenças foram concedidos por este motivo.
Para Ribeiro, o aumento de diagnósticos de burnout e de transtornos mentais relacionados ao trabalho ajuda a explicar um segundo fenômeno que ocorre no Brasil: o do crescimento de pedidos de demissão.
“Temos atravessado um momento histórico em que mais uma vez as relações e formas de trabalho têm sido questionadas, principalmente, por uma juventude de classe média insatisfeita com as formas com que o trabalho se organiza”, afirma Ribeiro.
“Nesse sentido, assistimos a fenômenos tais com o quiet quitting ou great resignation — termo utilizado para descrever a onda de demissões voluntárias do pós-pandemia — em que jovens altamente escolarizados pedem demissão de seus trabalhos por não verem mais sentido do trabalho e estarem à beira de um colapso por exaustão.”
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Meleiro avalia que isso ocorre devido a uma maior demanda por performance sobre os trabalhadores, em um curto espaço de tempo.
“A política econômica globalizada reduz custos com enxugamento de profissionais na empresa, assim, quem fica acaba trabalhando mais”, explica Meleiro.
“Além disso, com a expansão da informatização, sem o funcionário ter tempo de se atualizar, um duplo estresse emocional e físico é gerado no trabalhador. Isso acaba por gerar um aumento de diagnósticos de transtornos mentais relacionados ao trabalho.”
Descrito pela primeira vez em 1974, pelo médico psicanalista alemão-americano Herbert Freudenberger, o termo burnout é oriundo de “burn out”, que, em inglês, significa “queimar por completo” ou “esgotamento”.
Ficou mais conhecido entre os trabalhadores a partir de 2022, quando a síndrome foi incorporada à lista de classificação internacional de doenças da Organização Mundial da Saúde (OMS).
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Entrou na lista como um dos fatores que influenciam o estado de saúde de uma pessoa ou a leva a buscar os serviços de saúde — mas que não são classificados como doenças ou condições de saúde.
Agora, quem é diagnosticado com burnout tem as mesmas garantias trabalhistas e previdenciárias previstas para doenças do trabalho, como lesão por esforço repetitivo (LER) e transtornos de ansiedade.
“Assim, o que anteriormente era entendido com um quadro de ansiedade aguda ou crônica relacionado ao trabalho, hoje, muitas vezes com o reconhecimento oficial da OMS, médicos diagnosticam como burnout”, ressalta Meleiro.
“Isso faz com que tenhamos essa impressão de mais casos.”
Segundo Ana Maria Rossi, presidente da International Stress Management Association no Brasil (Isma-BR), organização dedicada à pesquisa, prevenção e tratamento do estresse, há um segundo fator: os diagnósticos equivocados de burnout.
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“É muito comum vermos situações em que o burnout é confundido com a depressão no trabalho. Isso faz com que esse aumento de burnout também seja reflexo desse número de diagnósticos equivocados”, afirma Rossi.
Sintomas e tratamento do ‘burnout’
Rossi explica que, para ser burnout, primeiro, os sintomas precisam estar relacionados ao trabalho.
“Dessa forma, um estudante ou gestante que não esteja no mercado de trabalho, por mais que estejam exaustos ou com sintomas similares aos da síndrome, não podem ter burnout, mas, sim, outros transtornos mentais, como a depressão.”
A especialista explica que, para o burnout ser diagnosticado, o paciente precisa ter ao menos uma das três dimensões que caracterizam a síndrome:
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Exaustão emocional: um cansaço profissional excessivo. Ocorre quando a pessoa percebe não tem mais a energia que seu trabalho requer.
Despersonalização: uma perda de sentimentos em relação a outras pessoas no trabalho, equipe ou clientes. É uma dimensão típica do burnout que o diferencia do estresse.
Reduzida realização profissional: sensação de insatisfação que a pessoa passa a ter com ela própria e com a execução de seu trabalho, gerando sentimentos de incompetência e baixa autoestima.
Elton Kanomata, médico psiquiatra do Hospital Israelita Albert Einstein, destaca que essas dimensões podem ser identificadas pelo próprio paciente a partir de sintomas físicos, cognitivos e emocionais.
“Dentre os sintomas físicos, é comum os pacientes com burnout terem fadiga persistente, insônia, tensão e dores musculares, cefaleia, sintomas gastrointestinais e aumento ou perda de apetite”, explica Kanomata.
Com relação aos problemas cognitivos, o psiquiatra ressalta a dificuldade de concentração e raciocínio, sensação de estafa mental e lapsos de memória.
“Já na esfera emocional, é comum o paciente ter esgotamento emocional, baixa autoestima com relação às competências e capacidades, sentimento de fracasso, desânimo, desmotivação, impaciência, irritabilidade, diminuição ou perda de interesses antes prazerosas, sintomas ansiosos e fóbicos em relação ao ambiente de trabalho ou a pessoas e elementos que remetam ao trabalho”, diz Kanomata.
O tratamento da síndrome de burnout é feito com o apoio de profissionais por meio de psicoterapia e medicamentos (antidepressivos e/ou ansiolíticos).
Segundo especialistas, os primeiros efeitos são sentidos pelo paciente, entre um e três meses após o início do tratamento.
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“Por isso, o tratamento deve ser individualizado e estruturado após uma avaliação detalhada da saúde física e mental de um profissional da saúde”, diz Elton Kanomata, do Albert Einstein.
Antônio Geraldo da Silva, da ABP, também ressalta quem tão importante quanto a terapia e o uso de medicamentos, é a mudança no estilo de vida do paciente.
“Praticar esportes, desenvolver estratégias para gerenciar o estresse, ter uma boa qualidade de sono, realizar atividades de lazer e ter tempo de qualidade com familiares e amigos é muito importante neste processo”, pontua Silva.
O especialista ressalta que, quando não tratado, o burnout pode levar ao desencadeamento de outros transtornos mentais.
‘Muitos achavam que era frescura’
Além dos sintomas físicos, cognitivos e emocionais, é comum que pessoas com burnout enfrentem durante o tratamento o preconceito contra síndromes e transtornos mentais — a chamada psicofobia.
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A pedagoga Kátia Aparecida Mantovani Corrêa, de 45 anos, diz que, quando sentiu os primeiros sintomas de burnout, foi comum enfrentar comentários de pessoas ao seu redor dizendo que ela queria chamar atenção.
“Era difícil para muita gente entender que a Kátia proativa, polivalente sempre pronta e disposta para agir em qualquer situação, de repente deu pane. Muitos achavam que era frescura e que eu queria chamar a atenção”, diz a pedagoga.
O diagnóstico veio em 2023. Acostumada a trabalhar sem parar, no início, ela achou que os sintomas que sentia há cerca de um ano eram devido ao cansaço e estresse diário. Mas, nas férias, percebeu que aquilo não era normal.
“Lembro que não conseguia desligar meus pensamentos, mesmo de férias. Minha cabeça estava a milhão. Foi quando resolvi procurar ajuda”, conta Kátia.
Trabalhando desde os 12 anos de idade, ela diz que, em um primeiro momento, não admitiu ter burnout.
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“Levei quase um ano para esse processo de autoconhecimento, aceitação e renovação. Hoje, levo a vida mais tranquila e mais concentrada. Digo que aprendi a importância de dizermos não.”
Outro problema comum são empresas que lidam negativamente com um diagnóstico de burnout, pontuam especialistas.
Isso faz com que muitos trabalhadores procurem ajuda especializada tardiamente, quando os sintomas estão mais graves ou desencadeando outros transtornos mentais, como a depressão.
O gerente de projetos Lucca Zanini, de 26 anos, diz que, quando foi afastado do trabalho pela primeira vez por não estar bem mentalmente, sua preocupação só aumentou.
“Sabia que a empresa não veria isso com bons olhos e meu maior medo era de ser demitido assim que eu voltasse”, diz Lucca.
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Temor que se confirmou. Ao voltar ao trabalho, ele conta que os colegas passaram a tratá-lo de forma diferente. “Não demorou para eu ser desligado.”
A demissão fez Lucca procurar ajuda especializada. Hoje, em um novo emprego, ele diz que a vida é outra.
Atualmente, além dos medicamentos e atividades físicas semanais, Lucca diz que separa um tempo somente para família e outro para o trabalho.
“Aprendi a falar não. Não aceito mais atividades que excedam minha capacidade de trabalho. Foco em minhas responsabilidades pessoais e dou a devida importância ao que vale a pena.”
Alexandrina Meleiro, da ANAMT, ressalta que, se for comprovado que a empresa ajudou a desencadear o burnout, pode ser responsabilizada judicialmente.
“O grande desafio é comprovar isso. Algumas empresas já são penalizadas por causarem burnout no funcionário, principalmente na Europa, mas ainda é muito difícil estabelecer o nexo causal”, ressalta Meleiro.
No Brasil, em 2022, uma operadora de turismo foi condenada pela Justiça do trabalho a pagar indenização de R$ 20 mil por danos morais a uma profissional que teve burnout.
De acordo com os autos, a profissional afirmou que se sentia sobrecarregada com o volume excessivo de atividades e pelas cobranças insistentes por parte dos chefes a qualquer momento, o que foi comprovado por meio de mensagens.
Para Bruno Ribeiro, da UFF, é necessário um maior engajamento das empresas brasileiras para prevenir o burnout.
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“A prevenção envolve mudanças na cultura da organização do trabalho, estabelecimento de restrições à exploração do desempenho individual, diminuição da intensidade de trabalho, diminuição da competitividade e busca de metas coletivas que incluam o bem-estar de cada um.”