Para um cobrador da empresa Urbi, a extinção do dinheiro em espécie ataca o direito de ir e vir. “De certa forma, fere o livre arbítrio do passageiro de escolher se quer pagar com dinheiro ou cartão”, declarou. “Além disso, os aplicativos do BRB apresentam muitos problemas. Diversos usuários reclamam que fazem a recarga via Pix e o valor não cai na hora. Já vi muita gente esperar por três dias para o pagamento constar”, relatou o funcionário, que preferiu não ser identificado.
O colaborador rechaça a hipótese de que a proibição de dinheiro em espécie reduziria os assaltos nos coletivos. “É balela. Bandido não rouba só dinheiro, também rouba celular, bolsa…”
Para Rômulo Targino, também da Urbi, o cobrador é essencial em uma viagem. “Não estamos ali só para cobrar dinheiro. Também ajudamos no embarque e no desembarque do passageiro, prestamos informações. Se o motorista tiver que fazer isso, ele irá trabalhar em dobro”, afirma o jovem, de 21 anos. “Muitos colegas estão preocupados. Ninguém sabe o que vai acontecer. Já ouvi boatos de que nos colocariam em outro setor. A maioria está com medo de ficar desempregado”, comentou.
Um funcionário da Piracicabana alerta que usuários de fora de Brasília podem encontrar dificuldades com a mudança. “Muita gente que vem do Entorno ou de outras regiões do país pode não ter cartão de crédito e débito, só dinheiro. Como eles farão para usar o transporte?”, indaga. O cobrador é mais um que tem receio de acabar perdendo o emprego a partir do momento em que não precisar mais trocar dinheiro.
“Depois de certa idade, a gente não consegue mais trabalho. Eu tenho 55 anos de idade e atuo como cobrador há 32.”
Um empregado da BSBus (antiga São José) disse que só soube do assunto por meio de notícias da imprensa. “Nós somos os últimos a saber das mudanças, a novidade vem de uma vez”, reclama o cobrador, que tem mais de 10 anos no cargo. “Não tivemos uma posição de quem quer que seja. Tudo que ouvimos é a ‘radiopatrulha’: um papo que rola aqui, um boato que corre ali. Até o momento, só isso”, completa um colega, que também atua na empresa há mais de uma década. “A sensação que dá é que nem mesmo o governo sabe o que vai fazer.”
Eles também criticam o sistema do BRB Mobilidade. “Tem gente que recarrega o cartão por aplicativo e fica esperando por 10 dias o crédito cair. Quando o dinheiro parar de circular, o passageiro vai usar o cartão, não vai constar saldo e vai ficar sem o que fazer”, fala um deles. “Sem contar que não há postos do BRB em todo lugar e nem todos funcionam o dia todo. Quem sai de casa às 4h30 vai recarregar cartão onde?!”, reforça.
Sindicato tenta defender
O presidente do Sindicato dos Rodoviários do Distrito Federal (Sittrater-DF), João Jesus, atesta que a maioria dos cobradores aguarda com preocupação os próximos dias. “O nosso trabalho é de campo, convivemos diariamente com eles. E, todo dia, dezenas de colegas nos procuram pedindo que a gente olhe por eles, dizendo que dependem do emprego, que estão com medo”, revela.
O Sittrater-DF estima que o DF tem hoje cerca de 6 mil cobradores. João Jesus afirma que o sindicato não é contrário à modernização proposta pela medida do Governo do Distrito Federal (GDF), mas alega que impedir o uso de dinheiro em espécie seria inconstitucional.
“Tem muito passageiro que não possui cartões e nem acesso à tecnologia para pagar com Pix via QR Code. A essas pessoas, só restam o dinheiro vivo”, reflete Jesus.
Quanto à postura do Sittrater-DF, o presidente declara que não permitirá que os cobradores sejam remanejados para outros cargos. “O cobrador continua sendo essencial nos coletivos. Se um passageiro mal-intencionado quiser passar a roleta, por exemplo, o motorista não poderá fazer nada, porque estará dirigindo”, exemplifica.
João Jesus cita, ainda, outras utilidades do cobrador. “Ele auxilia no embarque de pessoas com necessidades especiais, ajuda a manter a ordem no coletivo, presta informações aos passageiros, auxilia o motorista de maneira geral. Ele tem uma utilidade inquestionável, que vai além de passar troco.”
Semob nega mudanças
O presidente do Sittrater-DF revela que a Semob tem sido solícita aos pedidos da categoria e assegurado que não fará mudanças na carreira dos cobradores. “Pedimos a eles que não mudem ninguém de função e, claro, não demitam ninguém. Eles nos deram a palavra de que manterão isso”, diz Jesus. Ainda assim, o órgão sente falta de uma garantia mais concreta, como um decreto.
Jesus afirma que não pensa, no momento, em medidas como paralisação de rodoviários. Mas alerta: se os cobradores sofrerem mudanças em seus cargos, haverá resistência.
Em maio, o secretário da Semob, Zeno Gonçalves, participou de Comissão Geral na Câmara Legislativa do DF (CLDF) que a pasta tem “zero viés de perspectiva, neste instante, de retirada de cobrador”. “Não é um assunto que está na nossa pauta. Tranquilizem o coração de vocês”, declarou.
“É óbvio que o cobrador fica preocupado. Pensa: ‘Vou fazer o quê?’. Mas o trabalho do cobrador é tão importante quanto o do motorista para o sistema. Nós entendemos transporte de qualidade com a presença do cobrador dentro de cada veículo. Nossa visão é muito clara a esse respeito”, disse Zeno na ocasião.
Órgãos se manifestam contra
Na semana passada, a Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Distrito Federal (OAB-DF) entrou com pedido de liminar para suspender a portaria que determinava o fim do pagamento em dinheiro nos ônibus. Para a OAB-DF, a medida “é inconstitucional, pois viola o direito fundamental de locomoção da população”. “Não se pode fazer algo desse tamanho por meio de uma portaria, sem diálogo, sem debate prévio e sem a população estar preparada. E isso ainda poderá gerar o desemprego de cobradores, ter impacto no sistema de transporte como um todo”, argumenta a entidade.
Presidente da Comissão de Transporte e Mobilidade Urbana (CMTU) da CLDF, o deputado distrital Max Maciel (Psol-DF) fez pedidos à Semob por mais pontos de venda e recarga de valores no cartão de acesso a ônibus e metrô. Max pede que a pasta “elabore iniciativas para incentivar o uso do Sistema de Transporte Público Coletivo, em especial o metroviário, a exemplo de descontos na compra de bilhetes mensais, quinzenais e semanais”.
Respostas
Em contato com a reportagem, a Semob afirmou que os cobradores “serão mantidos nos postos de trabalho”. A pasta destacou, ainda, que os funcionários serão “fundamentais” na transição da medida que extinguirá o uso do dinheiro “para tirar dúvidas e auxiliar os passageiros sobre as formas de pagamento eletrônico”.
A Secretaria alega ainda que “determinou às operadoras o treinamento dos cobradores e demais colaboradores do sistema”, sem informar se essa capacitação também abrangeria a realização de outras funções futuramente.
Quanto à mudança gradativa, as primeiras linhas a aderirem a suspensão do pagamento em dinheiro serão aquelas em que a grande maioria dos passageiros já usa cartões. A pasta ainda divulgará quais serão esses itinerários.
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