O efeito da propaganda

Tanto Rodrigo Machado quanto o Instituto Alana destacam que as crianças são mais vulneráveis também à propaganda — e o fato do jogo ilegal estar sendo promovido por outras crianças agrava esse fator.

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“Existe um espelhamento. Para uma criança e especialmente para um adolescente, ver alguém como ele aumenta muito a chance de querer reproduzir aquele comportamento”, diz o pesquisador da USP.

“Isso é da natureza humana, é parte de uma necessidade de sentir parte de um grupo, e é especialmente forte nesses estágios da vida.”

É por isso que existem recomendações contrárias ao uso de crianças e adolescentes para veiculação de propaganda em uma série de órgãos de fiscalização.

A resolução 163 do Conanda (Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente), por exemplo, explicita que o uso de “apresentadores infantis” em peças publicitárias é um dos elementos com potencial de seduzir crianças para o consumo de forma abusiva.

Tanto o Conanda quanto o Conar vedam o emprego de elementos lúdicos — como personagens animados, a exemplo do tigrinho — e de manipulação do universo infantil na comunicação publicitária.

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No documento entregue ao Ministério Público, o Alana cita o artigo 227 da Constituição Federal, que fala sobre proteção integral e a responsabilidade compartilhada na garantia de direitos de crianças e adolescentes.

“Estado, famílias e sociedade, incluindo as empresas, devem atuar em conjunto para assegurar a proteção das crianças, adolescentes e jovens e a promoção dos seus direitos”, reforça a instituição.

Maria Mello, do Alana, aponta que houve avanços importantes ao longo dos últimos anos em relação à regulação de propaganda direcionada às crianças nos meios de comunicação tradicionais, como televisão, mídia impressa.

“Agora é preciso que isso seja transferido e fiscalizado na internet”, diz Mello.

No documento entregue ao Ministério Público, o Alana pede a investigação das casas de aposta que fazem a promoção dos jogos ilegais, mas seu pedido principal é para que o MP peça à Justiça que a Meta seja intimada a tomar atitudes para combater a divulgação dos cassinos online para crianças.

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“O mais fundamental aqui é a gente perceber o tamanho da ilegalidade da conduta do Instagram, porque a plataforma não só permite, ela viabiliza essas publicações”, diz Maria Mello.

“Essas propagandas jamais conseguiriam atingir o mesmo público se não fosse a plataforma.”

Além disso, ao intimar o Instagram, a Justiça conseguiria a retirada do ar de diversas propagandas ao mesmo tempo, diz ela.

Sendo que o combate às casas de apostas em si é mais pulverizado — e muitas delas são baseadas no exterior.

A BBC News Brasil procurou a Meta, que afirmou que suas políticas “não permitem conteúdos potencialmente voltados a menores de 18 anos que tentem promover jogos online envolvendo valores monetários”.

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A empresa disse que removeu “os posts dessa natureza das contas apontadas pela reportagem” e que usa “uma combinação de tecnologia e revisores humanos para identificar conteúdos e contas que violem” suas políticas.

“Estamos sempre trabalhando para aprimorar a nossa abordagem em prol de um ambiente seguro para todos”, disse a Meta.

A empresa, no entanto, não respondeu por que não tem uma categoria de denúncia para postagens que incentivem jogos de azar ilegais nem por que o Instagram não proíbe em absoluto postagens de usuários com publicidade de jogos de azar, que continuam ilegais no Brasil.

A Meta também não respondeu por que o Instagram não tem regras específicas para resguardar os direitos dos influenciadores digitais mirins.

A empresa também não divulgou o alcance que tiveram as publicidades de cassinos voltadas para crianças feitas pelos 8 perfis analisados.

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Os influenciadores mirins

O instituto Alana aponta ainda a irregularidade e os potenciais danos às crianças e adolescentes que fazem a veiculação das propagandas de jogos de azar.

As crianças e adolescentes dos oito perfis analisados pelo Alana são do Ceará, Paraíba, Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro.

O conteúdo que elas postam variam entre compartilhamento da sua rotina, postagens de humor, dancinhas e música.

E, longe de ser algo esporádico, o incentivo para a inscrição, o depósito de dinheiro e o uso dos jogos de azar é uma prática constante nos canais.

“O Instagram tem permitido a atuação dos influenciadores mirins muito provavelmente sem a observação das normas legais em relação ao que a gente chama de trabalho infantil artístico”, afirma Maria Mello.

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Segundo ela, embora muitos dos influenciadores sejam acompanhados por familiares na divulgação das propagandas, isso não impede que o trabalho das crianças seja explorado de forma abusiva.

“As crianças e adolescentes muito provavelmente não têm um acompanhamento adequado desse tipo de atuação”, diz Mello.

“Para que crianças façam esse trabalho artístico, é necessário um alvará judicial e uma análise para garantir que elas não estejam sendo exploradas e tenham seus direitos garantidos.”