Solange dos Santos, cinco filhos, e Fabiana Leal, duas filhas. Além da maternidade, as duas mães compartilham um mesmo diagnóstico, a depressão.
A doença silenciosa tem se apresentado cada vez mais presente na vida dos brasileiros. O transtorno acomete cerca de 11,7 milhões de pessoas, dados apontados pela OMS.
Além disso, existe outro tipo de depressão, a pós-parto (DPP) que acomete mais de 25% das mães no Brasil, de acordo com estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Transtorno
De acordo com a psicóloga Aleida de Oliveira, a depressão é um transtorno emocional que está relacionado a uma baixa de prazer, de interesse pela vida e uma sensação de vazio.
Muitas vezes aparece como agressividade, preocupação, mas o mais comum é a perda do prazer e pode acometer qualquer pessoa.
A depressão pós-parto é um fenômeno que surge a partir do momento da gestação e que está muito relacionado com a maternidade.
“É um período em que a mãe se questiona como mulher no momento, a relação de como ser mãe com a chegada desse bebê”.
Tudo começou a partir de um gatilho, para Solange foi um acidente, enquanto para Fabiana, um furto.
Mãe de cinco, Solange, de 50 anos, desenvolveu transtorno depressivo grave a partir do momento em que seu filho Felipe Eduardo, aos 7 meses, caiu do berço e sofreu um derrame cerebral.
Isso levou a uma deficiência física e mental que aumentou o nível de dependência dele.
“Tinha de sair para trabalhar, tendo um filho com necessidades especiais. Precisava deixar ele em casa totalmente dependente para tudo: sair; comer; tomar banho e se vestir. Então eu ficava no trabalho preocupada com ele. Foi muito complicado porque eu tive que fazer papel de mãe e pai enquanto era provedora do lar.”
Estresse
Diferente de Solange, Fabiana passou por diversas situações de estresse próximo ao nascimento da segunda filha.
Uma delas foi um episódio de furto na própria escola em que trabalhava.
O ambiente profissional exaustivo e o comportamento de um colega de trabalho com uma abordagem agressiva foram os gatilhos para a professora desenvolver sentimentos conflituosos durante o puerpério.
A psicóloga Aleida de Oliveira comenta que a depressão apresenta muitos sinais que deixam as mulheres advertidas, uma relação não saudável em casa ou no trabalho, uma falta de rede de apoio, um evento traumático ou até mesmo a situação financeira pode ser uma influência, que acabou aumentando com a pandemia.
“Nasce uma mãe, nasce uma culpa”
De acordo com a psicóloga Aleida de Oliveira, a maioria das pacientes questionam a maternidade romantizada.
Existe um sentimento de culpa e comparação porque a mãe não dá conta enquanto as outras dão. Ela explica que, ao mesmo tempo, a maternidade surge de uma construção social que gera culpa.
“Chegou um momento em que as mães eram as responsáveis pelo cuidado das crianças, então elas começaram a ter um local social, a serem valorizadas socialmente por esse papel materno que exerciam. com a medida em que a sociedade foi vendo que essas mães eram úteis para esse cuidado e para sobrevida dessas crianças. Começou-se a exigir mais delas. Logo, passou a existir uma associação muito grande de que a mãe é vital para a criança, é ela que garante tudo. Então, quando qualquer coisa dá errado, a culpa é dela, consequentemente, veio daí esse mecanismo.”
Pressões
Fabiana, durante o período de amamentação, se questionava muito sobre si mesma, se estava estável.
Diante das situações com o bebê, a mãe não encontrava um equilíbrio emocional. Às vezes a gravidez é tranquila, mas o processo depois é uma evolução de sentimentos.
“Ao mesmo tempo que você está muito feliz, tá muito triste, com raiva, irritada, às vezes é um pouco incontrolável.”
No caso de Fabiana, a culpa gerava um sentimento de comparação devido a frustração de não entender os sentimentos, que pareciam uma montanha russa.
“A gente se sente impotente, um fracasso, inútil, incapaz de qualquer coisa. Me perguntava por que outras mães conseguem amamentar, dar comida e passear com os filhos, e eu não. Começa como uma comparação e se torna uma cobrança.”
Cobranças
Para Solange, a cobrança não vinha dela, mas sim dos outros.
Apesar do apoio financeiro, a dificuldade de criar uma criança com deficiência, além dos dois filhos mais velhos, tornavam as reclamações frequentes, desmerecendo a importância da saúde mental dela, em função da criação de seus filhos.
“Meus irmãos nunca me ajudavam a levar o menino pro hospital, ou se preocupavam se eu precisava de ajuda. Se eu estava deprimida ou ansiosa, só se importavam se eu fazia o tratamento dos meninos, era cobrança. A família não conseguia entender, me cobrava demais e eu entrava em crise. Para eles, eu tinha que me tratar para conseguir cuidar dos meus filhos.”
A rede de apoio é de extrema importância para a mulher, que precisa de apoio e espaço para poder se recuperar.
Enquanto isso, alguém precisa cuidar das necessidades do recém-nascido.
Aleida afirma que a criança tem necessidades inquestionáveis que precisam ser atendidas.”
As pessoas próximas têm um papel tão fundamental que, em alguns casos, determina ou contribui com o tempo em que a mãe vai ficar nesse estágio de sofrimento. E assim ela fica mais livre para lidar com essas emoções e questões.”
Diferentemente do primeiro casamento, no qual Solange precisou se tornar a única responsável pelos principais cuidados dos filhos, o segundo marido demonstrou ser essencial.
Ele, além de cuidar dos filhos do casal, ajuda com os cuidados específicos de Felipe e acompanha os tratamentos de Solange, tanto para depressão, quanto para outras doenças.
Fabiana diz que a depressão eleva a dor de toda a família. “Quando a gente está assim, todo mundo sofre dentro de casa, o marido, os filhos sofrem. Eu estava muito irritada, chorava e brigava muito, não tinha paciência para dar conta, aguentar uma birra. Eu tinha vontade de sumir, de largar tudo e ir embora. Na minha falta, agonia e desespero ele supria as coisas com elas”.
A mãe acredita que a rede de apoio foi absolutamente importante para conseguir lidar com a situação.
“Fui vivenciando o que tinha que vivenciar, fazendo o que tinha que fazer”
Para Solange, que era a principal cuidadora dos filhos, não foi fácil conciliar trabalho, maternidade e o cuidado consigo mesma.
Ela afirma que vivia no automático. “Queria fugir, mas tinha que cuidar. Isso me adoeceu, mas eu teria chegado aonde eu cheguei se não tivesse feito o que fiz? Eu pensava apenas nas crianças e, quando eu tive as mais novas, renasci.”
Fabiana apresentava o mesmo desafio de Solange, a conciliação de papeis.
“Fui vivenciando o que tinha que vivenciar, fazendo o que tinha que fazer, dizia para mim: calma, respira e vai”.
Após muitas conversas com o marido, e com auxílio profissional, percebeu depois de muitos anos que não era culpa dela. Não fazia por querer.
Fabiana, após a segunda gestação, tentava fazer o melhor diante das circunstâncias, dedicando-se às filhas.
Há 22 anos, a mãe procurou ajuda, mas não teve sucesso com os profissionais que achou.
Ela acredita que, se os especialistas tivessem ido a fundo, ou estudado um pouco mais, teria sido diagnosticada com DPP. Ela não os culpa, até porque na época não se tinha as informações que existem hoje em dia.
“Na época, psicólogo era considerado coisa de louco, terapia era caro e a rede pública era lotada. Quando eu fui buscar ajuda, o terapeuta só podia me ver uma vez por mês. Então, o tratamento era enorme e não atendia na frequência que eu precisava. Isso desanima, você acaba deixando de lado. É difícil de achar e quando acha tem essas dificuldades.”
Anos depois, a mãe foi diagnosticada com Síndrome de Burnout. Foi buscar tratamento através de remédios e terapia. Durante o período de cuidado descobriu a depressão, que aponta uma possível ligação entre a não tratada DPP e a atual depressão crônica.
“A depressão mal tratada pode desencadear uma depressão crônica ou outros tipos de transtornos”, Solange desenvolveu também Síndrome do Pânico e Fibromialgia.
Começou a utilizar medicação para dormir e controlar a ansiedade para não transparecer para os filhos.
Apesar de certos efeitos colaterais causados pelas medicações, Solange, hoje, 29 anos após o incidente que marcou o início da depressão, se sente mais preparada para lidar com as doenças que a acometem.
A especialista em maternidade Aleida Oliveira afirma que se não tratada a DPP.
As mães acabam criando um fator de risco para o surgimento de novas doenças. “A depressão pós-parto mal resolvida pode desencadear uma depressão crônica ou outros tipos de transtornos.”
A DPP deve ser tratada com cuidado multiprofissional integral. É muito importante que essa mãe tenha apoio de diversas áreas da saúde, como a psicologia, psiquiatria e a psicanálise.
Um espaço de escuta onde ela possa se ver, se instruir nesse novo momento em relação a essas questões emocionais. A medicação, para grande maioria, é precisa nesse momento, junto a atividade física.
“Tem muitos grupos de acolhimentos de acordo com as expertise dos profissionais. A ideia é que o tratamento seja multifuncional até porque a depressão é multifatorial. A família também é muito importante para esse processo.”
Tratamento
No Distrito Federal, as pessoas em depressão devem procurar a Unidade Básica de Saúde (UBS) mais próxima de sua casa para serem avaliadas. Os casos mais graves serão encaminhados para os centros de atenção psicossociais, os Caps.
Siga nossas redes sociais: Facebook e Instagram.
Fato Novo com informações e imagens: Jornal de Brasília