Na manhã seguinte à vitória do Real Madrid sobre o Bayern de Munique, pelas semifinais desta Champions League, o ex-técnico Arrigo Sacchi e Carlo Ancelotti conversaram.
Sacchi, ainda sob os efeitos do estresse do jogo, disse: “Carlo, me diverti muito assistindo a este jogo!” Ancelotti, com ironia, respondeu: “É uma tática, fingimos que estamos mortos e, no final, ressurgimos e vencemos!”
Ancelotti brincava, mas alguns o criticam como um técnico sem táticas, que apenas improvisa. Comparado a um “Harry Redknapp italiano (uma espécie talvez de Joel Santana inglês)”, seus críticos acreditam que ele sobrevive em clubes de elite apenas com o potencial de grandes jogadores.
Essa visão, no entanto, é injusta. Ancelotti merece ser considerado um dos maiores técnicos de sua geração. E o seu quinto título de Champions League, conquistado novamente com o Real Madrid contra o Borussia Dortmund, só deixa isso em maior evidência.
Guerra pela alma do futebol
Pessoas como Fabio Capello e Jorge Valdano têm debatido por muito tempo a respeito da influência de Pep Guardiola no mundo dos treinadores. O espanhol superou José Mourinho na visão do futebol, já que seu Barcelona enfrentou o pragmatismo do Real Madrid há mais de uma década.
Como resultado, os “seguidores” de Guardiola estão em toda parte. O Arsenal contratou Mikel Arteta, ex- pupilo de Pep, para competir com ele. Após a perda de Jürgen Klopp, o Liverpool escolheu Arne Slot, um admirador declarado de Guardiola. Recentemente, o Bayern de Munique nomeou Vincent Kompany, que jogou sob o comando de Guardiola. O Chelsea terá Enzo Maresca, outro ex-assistente do catalão.
‘Futebol para mim não é complexo’
Ancelotti é uma exceção na era dos treinadores filósofos e estrategistas obsessivos. Ele não está fixado em uma única abordagem. No passado, no Parma, ele reverenciava o 4-4-2 de Sacchi, mas ao recusar a chance de contratar Roberto Baggio, percebeu a limitação de seus métodos.
Ao contrário de outros, Ancelotti não cultiva uma ideologia específica, como “Guardiolismo” ou “Sarrismo”. Ele não se deixa consumir por obsessões, estresse e outros “ismos”.
“Para mim, o futebol é simples”, disse recentemente a Valdano. “Atacar requer criatividade; defender, organização. Posso ensinar mais sobre o último, mas a criatividade não se ensina.”
Apenas ‘dois tipos de jogadores’
Consequentemente, Ancelotti oferece aos seus jogadores ofensivos uma liberdade que contrasta com o automatismo comum no jogo moderno. Mas ele não se preocupa com isso.
“Seria tolo não focar no contra-ataque com um jogador como Vinícius (Júnior), tão ágil”, explicou em uma entrevista ao Corriere dello Sport. “Com Modric e Kroos, não posso pressionar alto.”
“E mais um exemplo: se tenho Cristiano Ronaldo, estudo como servi-lo, assim como fazia com Ibrahimovic. Há dois tipos de jogadores: os que fazem a diferença e os que correm.”
‘Rei dos reis’
Esse pensamento pode parecer antiquado no cenário atual, até mesmo simplista demais. Mas funciona. Ancelotti é amado por quase todos os jogadores que já estiveram sob seu comando. Talvez seja porque ele próprio, quando jogava, era um talento de classe mundial, um membro chave do Milan que definiu uma era e mudou o futebol com Sacchi.
Além das experiências compartilhadas em alto nível, Ancelotti é conhecido por sua humildade, humor e personalidade calorosa, algo destacado por Vinícius Jr. e Toni Kroos, que gostam de conversar com ele até mesmo sobre assuntos não relacionados ao futebol. Cristiano Ronaldo o comparou a um grande urso fofinho, elogiando sua sensibilidade e personalidade.
Seu registro como treinador é notável. Ele é o único a ter vencido todas as cinco principais ligas europeias (Inglaterra, Espanha, França, Itália e Alemanha) e conquistou um recorde de cinco Champions League. Quando se trata de títulos importantes, ninguém se compara.
“Embora Pep e Sir Alex façam parte da história, precisamos ver o que Ancelotti realizou”, disse Ruud Gullit recentemente. “Ele é o rei dos reis, o melhor de todos.”
Gênio tático ‘despercebido’
Certamente, existe um argumento válido de que Ancelotti deveria ser visto como o “técnico perfeito de um grande clube”, como disse Clarence Seedorf, em vez de ser considerado o maior de todos os tempos, já que ele não realizou algo semelhante ao feito de Ferguson em Aberdeen, ou reconstruiu um clube como o escocês fez com o Manchester United.
Também é verdade que, embora tenha desafiado repetidamente Guardiola, Ancelotti não exerceu a mesma influência sobre seus colegas que o técnico do Manchester City. No entanto, a ideia de que ele não é um treinador excepcional é totalmente absurda.
Ancelotti viu imediatamente o potencial de Jude Bellingham, destacando suas qualidades. O jogador credita sua recente atuação em Madri à liberdade dada por Ancelotti.
Além disso, Ancelotti moldou Andrea Pirlo em um dos melhores armadores e transformou Cristiano Ronaldo em um titã ainda maior, ajustando a equipe para liberá-lo de tarefas defensivas.
Ele também é meticuloso, superando influentes técnicos com estratégias surpreendentes e substituições precisas, como apontou Kroos: “Ele tem um plano tático para cada oponente, um aspecto muitas vezes subestimado”.
Categoria própria
No final das contas, Ancelotti não busca aplausos ou tenta mudar o futebol. Ele simplesmente busca o sucesso.
“Vitórias e títulos são a medida do trabalho do treinador”, afirmou ao Corriere. “Gosto de ganhar, mesmo que jogar bem facilite os resultados. Mas não me encaixo em nenhuma subcategoria.”
E ele está correto. Embora seja humilde demais para afirmar, ele está em uma categoria própria – e sabe disso.
Ao brincar com Sacchi, seu antigo mentor, sobre um hipotético confronto entre suas equipes, Ancelotti fez uma pausa antes de responder: “Depende se estou jogando pelo Milan ou treinando o Real…”