Em janeiro de 2025, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) publicou um vídeo em suas redes sociais com fundo preto e tom alarmista, acusando o governo de criar um “imposto do Pix”. O conteúdo, baseado em uma distorção da realidade, ganhou enorme alcance e ajudou a derrubar a Instrução Normativa (IN) nº 2.219/2024, da Receita Federal — uma medida técnica de combate à lavagem de dinheiro que agora, oito meses depois, é vista como crucial para conter o avanço do crime organizado no sistema financeiro.
A IN não previa nenhum imposto. Seu objetivo era fortalecer o compliance fiscal ao exigir que bancos e fintechs informassem à Receita Federal, mensalmente, operações acima de R$ 5 mil (pessoas físicas) e R$ 15 mil (jurídicas). A medida buscava identificar padrões suspeitos de movimentação financeira, não rastrear cada Pix em tempo real.
Norma revogada por onda de fake news
Apesar do caráter técnico, a norma foi engolfada por uma campanha de desinformação, impulsionada por vídeos como o de Nikolas Ferreira, que associaram a medida a uma suposta cobrança sobre transações digitais. Diante da pressão, o governo revogou a instrução em 2025, contrariando a área econômica e a própria Receita Federal.
“O crime organizado se aproveita justamente da não obrigatoriedade de prestação de informações à Receita sobre operações financeiras dos clientes”, admitiu o órgão em comunicado recente.
A revogação ocorreu mesmo após a Receita ter atualizado as regras para incluir fintechs no sistema e-Financeira, colocando-as no mesmo nível de exigência dos bancos tradicionais.
Operação Carbono Oculto expõe o prejuízo do recuo
A gravidade do erro ficou clara com a deflagração da Operação Carbono Oculto, realizada pela Polícia Federal e Receita Federal, que revelou uma infiltração massiva do PCC em estruturas sofisticadas da Faria Lima, o centro financeiro de São Paulo.
A investigação identificou:
- Mais de 40 fundos de investimento sob influência do crime organizado;
- Patrimônio movimentado estimado em mais de R$ 30 bilhões;
- Um “banco paralelo” que teria compensado R$ 46 bilhões em operações extrabancárias;
- Uso de fintechs e arranjos de pagamento para lavar dinheiro do setor de combustíveis.
No mesmo dia, a Operação Tank reforçou o eixo de investigação, mostrando como o PCC se vale de empresas de fachada, contas em nome de laranjas e estruturas complexas para ocultar a origem ilícita de recursos.
Ministro da Justiça alertava para brechas regulatórias
Na véspera da operação, o ministro da Justiça já havia alertado: a falta de fiscalização em fintechs compromete instituições sérias e abre espaço para o crime.
“Você começa a comprometer o nome das fintechs com gente séria. Mas como você não fiscaliza, o crime organizado entra na brecha e compromete todo o arranjo que o Banco Central fez.”
Congresso paralisa projetos de combate ao crime financeiro
Enquanto isso, o Congresso Nacional mantém parados três projetos de lei que definem o conceito de devedor contumaz e estabelecem punições para quem usa estruturas legais para sonegar impostos — exatamente o modelo usado pelo PCC. As propostas têm apoio de grandes empresas que sofrem concorrência desleal.
Um erro de comunicação com consequências reais
O caso mostra como a dificuldade do governo em explicar mudanças técnicas pode ter consequências dramáticas. O que foi tratado como “imposto do Pix” era, na verdade, um escudo contra a lavagem de dinheiro. O recuo político, alimentado por narrativas falsas, deixou o sistema financeiro mais vulnerável.
Agora, com o PCC atuando nas entranhas da Faria Lima, a pergunta é: quantas outras brechas foram abertas por desinformação?
Com informações: ICL Notícias