Saúde
OMS atualiza lista de vírus e bactérias que podem causar nova pandemia
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Lista de patógenos agora conta com famílias inteiras de vírus e bactérias. OMS espera que ciência e governos atuem para evitar pandemias
A Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou, na última semana, um documento que atualiza os patógenos que devem ser priorizados em pesquisas científicas. A ideia é dar preferência aos vírus e bactérias que representam risco de uma nova pandemia.
A entidade recrutou 200 cientistas de 50 países para analisar 1.652 patógenos. Os que foram definidos como de “potencial pandêmico” são altamente transmissíveis e virulentos, capazes de causar doenças graves em humanos, ou não têm vacinas ou tratamentos até o momento.
“A abordagem utilizada defende um quadro científico para melhorar a preparação para futuros surtos, Emergências de Saúde Pública de Preocupação Internacional (PHEICs), e pandemias, concentrando-se na pesquisa de vírus e famílias bacterianas, em vez de patógenos isolados, que são considerados riscos globais. Ela também enfatiza a necessidade crítica de investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação em escala internacional”, diz o documento.
Foram incluídos muitos patógenos na lista, incluindo o coronavírus, vírus mpox, varíola comum (apesar de ter sido erradicada em 1980, a população não é mais vacinada contra a doença) e vários tipos de influenza A (como o H5, que se espalha nos rebanhos americanos). Entre as bactérias, estão as da disenteria, diarreia, pneumonia, cólera e a que causa as pestes bubônica, septicêmica e pneumônica.
Os vírus da dengue, zika, chikungunya estão na lista específica para a região das Américas. O texto aponta que os patógenos que devem ser prioridade são o Orthohantavirus sinnombrense e Alphavirus venezuelan (conhecidos anteriormente como hantavírus e vírus da encefalomielite equina venezuelana). Outras duas ameaças de baixo risco são o Mammarenavirus juninense (febre hemorrágica argentina) e Orthobunyavirus oropoucheense (vírus oropouche).
“A história nos ensina que a próxima pandemia é uma questão de quando, não de se. Também nos ensina a importância da ciência e da determinação política para atenuar o seu impacto. Precisamos que elas se unam enquanto nos preparamos para a próxima pandemia. Avançar o nosso conhecimento sobre os muitos agentes patogênicos que nos rodeiam é um projeto global que requer a participação de cientistas de todos os países”, afirmou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, durante o encontro global sobre a preparação para pandemias que aconteceu no Rio de Janeiro.
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Fato Novo com informações e imagens: Metrópoles
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Ciência
O que são os “químicos eternos”, e por que eles estão em todo lugar – até no sangue
Publicado
1 semana atrásno
26 de outubro de 2024Por
Fato novo
Os compostos PFAS são muito usados pela indústria em embalagens, produtos impermeáveis e anti-aderentes. Mas podem causar danos graves à saúde. Entenda as marcas dessa contaminação invisível
Algo estranho aconteceu com o gado do americano Wilbur Tennant depois que a indústria química DuPont construiu um aterro próximo à sua fazenda na Virgínia Ocidental, no fim dos anos 1990. Sem motivo aparente, o rebanho desenvolveu feridas no corpo e começou a se comportar de maneira agressiva. Quase metade dos animais morreu. Após gravar vídeos mostrando a presença de sujeira e espuma no riacho (antes cristalino) que corria pela fazenda, Tennant procurou veterinários, políticos, jornalistas e até a polícia. Ninguém deu bola. Decidiu, então, pedir ajuda para o neto de uma vizinha que, supostamente, era um importante advogado ambiental de Ohio.
Mesmo não sendo o tipo de advogado que Tennant buscava – na verdade, ele trabalhava em um escritório focado em defender a indústria química –, Robert Bilott aceitou representar o fazendeiro. A ação foi o início de uma longa batalha contra a DuPont. O advogado descobriu que a empresa vinha enchendo o aterro com uma substância da qual nunca tinha ouvido falar: PFOA. Sigla para ácido perfluoro-octanoico, a combinação de carbono e flúor era usada na fabricação do teflon de panelas antiaderentes – e é altamente tóxica.
O PFOA faz parte de uma categoria de substâncias chamada PFAS – ou “químicos eternos”. Elas são compostos orgânicos sintéticos (isto é, produzidos em laboratório) cuja principal característica são as ligações entre carbono e flúor. Enquanto a maioria das ligações químicas em compostos orgânicos envolve átomos de carbono e hidrogênio, nos PFAS o hidrogênio dá lugar ao flúor.
No caso dos perfluoralquilados, todos os átomos que seriam de hidrogênio são substituídos pelo flúor; já nos “poli”, nem todos. Se a ligação entre carbono e hidrogênio é considerada fraca, a combinação com flúor é forte, e permite que os compostos tenham cadeias mais longas. E ter cadeias de átomos mais compridas torna as substâncias mais resistentes à biodegradação. O apelido “químicos eternos”, portanto, não é exagero.
“São ligações muito difíceis de serem rompidas e degradadas no ambiente”, diz a professora do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Cassiana Carolina Montagner, especialista em química ambiental e segurança hídrica.
Essa união é o que proporciona características físico-químicas que tornam as substâncias tão especiais para a indústria: alta resistência e capacidade de repelir gordura e água ao mesmo tempo, e a temperaturas elevadas. Presentes em panelas antiaderentes e embalagens de papel para fast food, itens de higiene como fio dental, roupas impermeáveis, tintas, cosméticos diversos, ceras, revestimentos e até mesmo espumas para combate a incêndios, as PFAS se tornaram onipresentes.
Só que quase ninguém sabe disso. “Você não vai encontrá-las identificadas em rótulos ou na lista de ingredientes de um produto. Mas você pode procurar por palavras-chave como ‘à prova de água ou gordura’, ‘antiaderente’, ‘resistente a manchas’”, aponta Bilott, em entrevista exclusiva a GALILEU.
A onipresença em produtos comuns da vida moderna, no entanto, representa um empecilho. “A princípio, acreditava-se que eram uma solução barata e prática para problemas do dia a dia. E, cada vez mais, fomos nos acostumando com essa modernidade. Mas, na verdade, são soluções preparadas ou pensadas a partir desses compostos”, explica Montagner. Para completar, os PFAS são invisíveis, ao contrário da poluição plástica, por exemplo, que conseguimos enxergar. “A população não vê os PFAS, não sabe onde estão. Então, é muito difícil pedir que evitem usá-los”, opina.
Linha do tempo
- 1934
Precursor dos PFAS, o policlorotrifluoroetileno (PCTFE) é descoberto pela química alemã IG Farben. O termoplástico só chegou ao mercado em 1950, com o nome de Kel-F. Hoje, é conhecido como Neofl on PCTFE, e usado em componentes eletrônicos. - 1938
Na DuPont, cientistas criavam novos gases refrigerantes a base de fluorocarbono. Descobriram o politetrafluoretileno (PTFE) por acidente, quando uma amostra de fluorocarbono tetrafluoretileno formou uma cera branca. - 1945
A DuPont registra o “teflon”. Um dos primeiros usos do material foi no Projeto Manhattan, que criou a bomba atômica: o PTFE era usado para revestir válvulas e juntas dos canos que transportavam urânio na fábrica de Oak Ridge. - ANOS 1950
Produtos fluorocarbonados começam a ser produzidos em massa nos EUA. A DuPont monta uma fábrica de Teflon na Virgínia Ocidental e a 3M, que havia adquirido a patente para fabricar outros tipos de PFAS, inaugura duas plantas em Minnesota. - 1953
Uma amostra de ácido perfluoro-octanossulfônico (PFOS) produzida pela 3M cai no sapato de um químico, e cria um revestimento que repele óleo e água. Nascia o impermeabilizador Scotchgard, um dos produtos de maior sucesso da empresa. - 1954
O engenheiro francês Marc Grégoire decide revestir as panelas de sua esposa, Colette, com a substância PFTE, que usava para evitar o emaranhamento de sua linha de pesca. Nascia a primeira frigideira antiaderente do mundo, a “Tefal” (teflon e alumínio). - 1963
A Marinha americana começa a trabalhar com cientistas da química 3M no desenvolvimento de uma espuma sintética feita de PFAS para combater incêndios. O produto foi patenteado em 1967, com o nome AFFF (sigla em inglês para espuma aquosa formadora de filme). - 1998
O advogado Robert Billot, de Ohio, aceita representar o fazendeiro Wilbur Tennant, da Virgínia Ocidental, em um processo contra a DuPont pelo envenenamento do rebanho com produtos despejados da fábrica de sua cidade. - 2000
A 3M anuncia o fim da produção de PFOS e derivados, reconhecendo os riscos da substância para humanos e o meio ambiente. - 2012
Ação conjunta de 70 mil pessoas é movida contra a DuPont. Para embasar o processo, cientistas conduzem uma pesquisa na população americana. O resultado mostrou relação entre PFOA e o desenvolvimento de doenças como câncer e colesterol alto. - 2017
A DuPont faz um acordo coletivo de US$ 671 milhões para encerrar os cerca de 3500 processos individuais movidos por pessoas que tiveram contato com PFOA. - 2019
Documentos descobertos pela jornalista Sharon Lerner, revelam que a 3M já sabia, desde os anos 1970, que os PFAS se acumulavam no sangue humano e poderiam ser tóxicos para a saúde. - 2024
A agência ambiental americana determina que as companhias de saneamento providenciem a remoção de PFAS no tratamento de água no país.
As marcas visíveis dos PFAs
Desde os anos 1960, cerca de uma década depois da criação do PFOA, documentos da própria DuPont diziam que ela não deveria ser despejada na água, e apontavam relação entre o contato com o composto e o desenvolvimento de doenças como câncer de testículo, pâncreas e fígado, além do aumento da chance de problemas congênitos. Ainda assim, a empresa chegou a despejar mais de 7 mil toneladas de dejetos em tanques abertos, com contato direto com o solo.
Após quase dois anos de disputa, a multinacional americana chegou a um acordo com o fazendeiro no ano 2000. Mas Bilott não ficou satisfeito. Além de elaborar uma ação pública que resultou em uma multa de US$ 16,5 milhões à DuPont – o equivalente a 1,65% do lucro anual da empresa com a produção de PFOA, estimado em US$ 1 bilhão –, o advogado representou uma ação conjunta que motivou uma das maiores pesquisas epidemiológicas da história dos EUA. Cerca de 70 mil pessoas tiveram o sangue analisado para a presença de PFOA e os riscos associados à substância. Em 2012, o estudo determinou que havia um vínculo provável entre o contato com PFOA e o desenvolvimento de câncer de testículo e rim, doença da tireoide, colite ulcerativa, colesterol alto e pré-eclâmpsia (hipertensão arterial na gravidez).
Em 2017, a DuPont fez um acordo coletivo de US$ 671 milhões para encerrar os cerca de 3.500 processos individuais movidos por pessoas afetadas pela PFOA. Em abril de 2024, a história – que virou o filme O Preço da Verdade, de 2019, recém-incluído no catálogo brasileiro da Netflix – ganhou um novo capítulo. A agência ambiental americana determinou que os PFAS devem ser removidos da água nos Estados Unidos. Estima-se que indústrias dos EUA que se destacaram pela produção de PFAS, como DuPont, 3M e Chemours (uma subsidiária da DuPont), podem pagar até US$ 15 bilhões para ajudar a financiar melhorias em sistemas municipais para limpeza da água no país.
“É praticamente um consenso global que essas são ameaças para a saúde e o meio ambiente. E a rota mais direta para essas substâncias entrarem em nossos corpos é pela água”, afirma Bilott. “Mas demorou quase 25 anos para começarmos a regular substâncias como PFOA, e há pouco estamos falando sobre as outras. A batalha definitivamente não acabou.”
Se há sintomas, pode ser tarde demais
Uma vez que são difíceis de quebrar e estão em produtos que usamos todos os dias, é natural que tais moléculas deixem marcas em nossos corpos: em 2007, um estudo publicado na revista Environmental Health Perspectives analisou amostras da população americana com mais de 12 anos e identificou a presença dessas substâncias em mais de 98% delas.
“Acho que nunca vimos uma ameaça ambiental com a abrangência e escala como a que estamos lidando com PFAS. Esses compostos nunca estiveram no planeta e, agora, por causa do ser humano, contaminam, potencialmente, todos os setores”, diz Bilott.
Em um estudo feito em 2020, cientistas do Environmental Working Group estimaram a presença de PFAS na água de mais de 200 milhões de americanos. E, em 2024, pesquisadores da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, revelaram que os compostos fluorados podem ser absorvidos pela pele. Eles usaram tecidos humanos artificiais para analisar o comportamento de 17 tipos de PFAS. 11 deles penetraram a pele em até 36 horas.
A lista de problemas para a saúde humana é longa. Começa com a batizada “gripe do Teflon”: nos anos 1950, trabalhadores das fábricas da DuPont que inalavam gases provenientes do aquecimento do PFTE (politetrafluoretileno, comercialmente conhecido como Teflon) eram acometidos por sintomas semelhantes ao de uma gripe: febre, dor de cabeça, calafrios, tosse seca, aperto no peito e, ocasionalmente, lesões pulmonares severas. Em 2016, um estudo da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC) associou o PFOA como um possível cancerígeno, com base em evidências de câncer de testículo e rins. E, a cada ano, o corpo de pesquisas sobre os efeitos da exposição a PFAS aumenta.
Em 2018, pesquisadores da Universidade Harvard e da Universidade do Sul da Dinamarca examinaram o sangue de mulheres americanas e identificaram a relação entre a concentração de PFAS no sangue e o surgimento de diabetes tipo 2. Em 2020, uma pesquisa do Instituto Nacional do Câncer, nos EUA, concluiu que há uma correlação entre a exposição ao PFOA e o risco de tumores em células renais. No mesmo ano, a Universidade de Indiana, nos EUA, encontrou evidências de que múltiplos compostos PFAS podem induzir estresse oxidativo (bagunçando a atuação dos sistemas de defesa antioxidante), são imunossupressores (“barram” a ação do sistema imune), podem induzir alterações epigenéticas (mudanças em vida no DNA) e influenciar a proliferação de células. Todas essas características aparecem em substâncias carcinogênicas.
Uma análise de 2022 que considerou estudos com roedores e pesquisas epidemiológicas da população dos EUA apontou evidências da relação entre PFAS e doenças no fígado. Outra pesquisa, publicada em 2023, associou a exposição a PFAS ao aumento de risco de câncer de tireoide. Em setembro do mesmo ano, um estudo feito com meninas de Ohio e da Califórnia mostrou que PFAS podem afetar hormônios reprodutivos e retardar o início da puberdade. Outro estudo com adolescentes, de março deste ano, identificou que a exposição a PFOS pode gerar problemas ósseos, como a osteoporose. E as vias pelas quais esses químicos chegam ao corpo humano vão além da água que bebemos. Também em 2024, uma pesquisa da Escola de Medicina de Dartmouth, nos EUA, identificou a presença de PFAS no plasma e no leite materno de mulheres grávidas do estado de New Hampshire que incluíram frutos do mar, ovos, café e arroz na dieta.
A grande quantidade de evidências científicas sobre PFAS reunidas nos EUA motivou uma abordagem mais restritiva no país. O estado de Minnesota, onde a gigante química 3M tem sua sede, passou a proibir o uso em embalagens de comida – algo que a Dinamarca faz desde 2019 –, e vai banir o uso de PFAS em 11 produtos, incluindo panelas, tapetes, fio dental, cosméticos e roupas de cama, já a partir do ano que vem. A ideia é vetar compostos do tipo por completo no estado até 2032. Em Massachusetts e Connecticut, o banimento total virá antes, em 2027 e 2028, respectivamente.
O movimento anti-PFAS nos EUA vem na esteira da “Lei Amara”, batizada em referência a Amara Strande. A jovem de 20 anos vivia no subúrbio de Oakdale, em Minnesota, e morreu em 2023 após 5 anos lutando contra um câncer raro no fígado. Ela defendia que a causa para sua doença tinha sido a exposição a PFAS.
Esses compostos nunca estiveram no planeta e, agora, por causa do ser humano, contaminaram potencialmente todos os setores — Robert Bilott, advogado americano especialista em causas ambientais
Brasil ainda engatinha
Em contraste com os EUA, o cenário no Brasil é marcado pela falta de informação. Embora seja signatário da Convenção de Estocolmo – tratado que busca regular os chamados Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs), assinado por 186 países e em vigor desde 2004 –, o país enfrenta desafios no monitoramento e controle de químicos nocivos.
Um deles envolve o uso da sulfluramida. Desde 1993, o Brasil usa o agrotóxico como formicida. A degradação desse composto, no entanto, gera PFOS (ácido perfluorooctanoico sulfônico), que também está no guarda-chuva das PFAS. Entre 2004 e 2013, a média anual de produção de sulfluramida foi algo em torno de 30 toneladas – de 2003 a 2008, chegamos a ser um dos cinco maiores produtores de compostos precursores de PFOS e o terceiro em uso, atrás apenas da China e Bulgária.
Além da sulfluramida, outra fonte de PFAS no Brasil são misturas que contêm surfactantes, como o PFOA, usadas para extinguir incêndios que envolvem líquidos altamente inflamáveis – comuns em aeroportos, refinarias e portos. Publicada em 2022, uma análise detectou a presença de PFOA em sete das oito marcas de espuma extintora utilizadas para combater um incêndio no Porto de Santos. Apesar de a PFOA aparecer como um dos 30 POPs a serem banidos, informações sobre o uso no Brasil são praticamente inexistentes.
Durante os estudos para atualizar o Plano Nacional de Implementação da Convenção de Estocolmo (NIP, na sigla em inglês), publicado em 2023, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) enviou ofícios a 1.368 empresas e associações questionando o uso da substância, mas não obteve resposta de nenhuma delas. Na base de dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), não há informações sobre importação ou exportação.
“Falta uma regulação no Brasil para a gestão de substâncias químicas. A gente não consegue ter a noção exata do que está sendo importado, exportado e muito menos produzido”, explica a coordenadora da atualização do NIP brasileiro, Thaianne Resende Henriques Fábio. Ela espera que parte dessa dificuldade seja resolvida com o Projeto de Lei 6.120/2019, aprovado no último dia 11 de setembro na Comissão de Meio Ambiente (CMA) do Senado. O texto cria o Inventário Nacional de Substâncias Químicas, para padronizar a nomenclatura dos mais de 16 mil compostos nas diversas bases de dados do país. “O [fato de o] Brasil ainda não ter uma regulação fere muito o setor frente aos outros países”, completa.
Mais grave ainda é a falta de estudos sobre o tema. “O Brasil está bem atrasado nos dados, e o motivo é financeiro. Temos poucos pontos de monitoramento e não temos programas nacionais [para pesquisa sobre PFAS]”, destaca a oceanóloga Juliana Leonel, professora da UFSC que assina um estudo de 2023 sobre a ameaça de compostos perfluorados ao oceano.
A ausência de informações sobre a ocorrência de PFAS em produtos no Brasil é notável — Trecho da conclusão de estudo publicado em 2022 por pesquisadores da UFRJ
Do pouco que se sabe, destaca-se o monitoramento do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente feito entre 2017 e 2018 na América Latina e no Caribe para determinar a eficácia da Convenção de Estocolmo na proteção da saúde humana e do meio ambiente. Publicado em 2021, o relatório identificou níveis altos de PFOS e PFOA em amostras coletadas no canal de São Vicente, no litoral paulista (a segunda maior concentração das substâncias dentre os 6 pontos analisados no continente), e em quantidades menores no Rio Amazonas.
Em 2022, uma revisão de 6 mil estudos globais feita por cientistas da UFRJ encontrou apenas dez pesquisas que investigaram a ocorrência de PFAS no Brasil. Destas, sete identificaram a substância em amostras biológicas (humanos, animais marinhos e eucaliptos) e três em amostras de água (em torneiras do Rio de Janeiro e Porto Alegre e na água superficial da Baía de Todos os Santos, na Bahia). Em 2023, cientistas da Unicamp identificaram, pela primeira vez, a presença de sete tipos de PFAS também nas bacias dos rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí, que se estende por 76 municípios e atende mais de 5,8 milhões de pessoas no estado de São Paulo.
Presentes em panelas antia- derentes e embalagens de papel para fast food, itens de higiene como fio dental, roupas impermeáveis, tintas, cosméticos diver- sos, ceras, revestimentos e até mesmo espumas para combate a incêndios, as PFAS se tornaram onipresentes — Foto: Davi Augusto
Presentes em panelas antia- derentes e embalagens de papel para fast food, itens de higiene como fio dental, roupas impermeáveis, tintas, cosméticos diver- sos, ceras, revestimentos e até mesmo espumas para combate a incêndios, as PFAS se tornaram onipresentes — Foto: Davi Augusto
“A ausência de informações sobre a ocorrência de PFAS em produtos no Brasil é notável. Além da falta de engajamento do setor industrial em fornecer informações sobre os usos listados de PFAS além da sulfluramida para a produção de formicidas, essa lacuna de informações é crítica para a conformidade nacional com a Convenção de Estocolmo”, escreveram os pesquisadores da UFRJ.
Se não sabemos ao certo onde os perfluorados estão, fica difícil tentar retirá-los da natureza. Leonel, da UFSC, explica que até existem técnicas para remover PFAS da água, mas somente em modo experimental. Além disso, custam caro: a estimativa da agência ambiental americana é que será necessário cerca de US$1,5 bilhão ao ano para as empresas de saneamento cumprirem a norma que obriga retirar PFAS da água. A soma ganha proporções ainda maiores em um país onde quase metade da população não tem acesso a saneamento básico. “Nossos tratamentos de água já não degradam compostos menos fortes. Não vão degradar os PFAs”, opina Montagner, da Unicamp.
Na visão da gerente da Divisão de Acordos Multilaterais da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), Lady Virginia Traldi Meneses, a questão não é apenas o monitoramento ambiental, mas a prevenção. “Temos que encontrar alternativas tecnológicas e de produtos, e promover o consumo sustentável”, diz a gerente, que também coordena o Centro Regional da Convenção de Estocolmo para Assistência Técnica e Transferência de Tecnologia para a Região da América Latina e Caribe. O centro funciona dentro da Cetesb, uma das principais referências do Brasil em pesquisas sobre POPs. Em 2021, a instituição iniciou um estudo de coleta, análise, metodologia e monitoramento de PFAS em amostras de solo e água em 10 pontos do Estado, com previsão de publicação em 2025. O objetivo é obter um diagnóstico para embasar ações no estado de São Paulo.
Desafio global
O número de substâncias no grupo das PFAS é grande: são mais de 10 mil compostos, dos quais mil são efetivamente usados em larga escala e 300 em maiores quantidades, segundo estima Leonel. Em 2021, uma pesquisa analisou 4.730 PFAS listados em um relatório de 2018, feito pela OCDE e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). A conclusão foi que, do total, somente 256 (menos de 6%) têm relevância comercial a nível mundial. Cabe ressaltar, no entanto, que os pesquisadores que assinam o levantamento eram empregados de companhias que manufaturam compostos perfluorados.
“Quando finalmente chegamos ao ponto de regular algumas das substâncias, as empresas começaram a criar químicos parecidos, que continuam parte da família de PFAS. E, agora que a gente sabe que existem compostos com seis, quatro ou mesmo dez carbonos, os produtores dos compostos dizem ‘toda as pesquisas focam em cadeias de oito carbonos’”, explica o advogado Bilott. “Então, parte do que estamos vendo é uma briga em torno da definição de quais químicos devem ser incluídos nessa família, que deve ser regulada.”
O advogado destaca que a população precisa ser informada sobre o que esses químicos são, como reduzir a exposição e como identificar as possíveis fontes de PFAS no meio ambiente. Isso passa, primeiro, por uma comunicação mais clara, que informe sobre a presença das substâncias e ajude a orientar a escolha de quem usa.
Na visão de especialistas, muitos dos riscos ainda são desconhecidos. “Os efeitos afetam gerações. Pequenas concentrações dessas substâncias permanecem no nosso corpo por longos períodos”, explica Montagner, da Unicamp. “Começar a perceber os problemas que os PFAs trazem para a saúde é só a ponta do iceberg. Se já está afetando a saúde humana, também está afetando muitos outros organismos que nem sabemos ainda.”
Apesar dos desafios — tanto no controle quanto na eliminação de PFAS —, um vislumbre de otimismo vem de quem luta contra as substâncias há quase três décadas. Para Robert Bilott, é possível imaginar um mundo sem PFAS. “Vale lembrar que esses químicos não existiam antes de 1940. O mundo e a sociedade moderna, sim. E em lugares que estão exigindo que essas substâncias sejam eliminadas, as empresas estão encontrando alternativas”, destaca.
“Nossos tratamentos de água já não degradam compostos [químicos] menos fortes. Não vão degradar os PFAS” — Cassiana Carolina Montagner , professora de Química da Unicamp
A coordenadora do NIP brasileiro compartilha do otimismo, ao menos em relação aos POPs. Ela cita avanços no cenário brasileiro desde a assinatura da Convenção de Estocolmo: a eliminação do uso de DDT (um inseticida de baixo custo) e outros agrotóxicos; a campanha de destinação de agrotóxicos obsoletos; o Projeto PCB Responsável, que busca eliminar o bifenilpolicloradol (usado como isolante em transformadores de energia); e a refundação da Comissão Nacional de Segurança Química, extinta durante o governo Bolsonaro.
Embora reconheça que pensar sobre a abrangência e a escala disso tudo possa ser devastador, o advogado considera que sua própria batalha — que começou com a ação do fazendeiro da Virgínia Ocidental e resultou em uma norma de uma agência federal dos EUA — demonstra o impacto da pressão popular. “Nós podemos consertar isso, e estamos vendo mudanças incríveis. Então, é também uma história de muita esperança de que as coisas podem mudar”, conclui Bilott.
Fonte: Revista Galileu
Saúde
Implante injeta remédio automaticamente quando detecta overdose de drogas
Publicado
1 semana atrásno
26 de outubro de 2024Por
Fato novo
Tecnologia não depende da ação do usuário, e pode auxiliar pessoas com dependência química em processo de recuperação. Entenda como ele funciona
Pesquisadores desenvolveram um implante capaz de injetar o remédio naloxona de forma automática quando detecta uma overdose. O uso de naloxona é a maneira mais eficaz de prevenir a morte durante uma overdose de opioides, já medicamento se liga aos receptores de opioides e pode restaurar a respiração do paciente em minutos.
No entanto, muitas pessoas não têm acesso a ele a tempo, especialmente quando estão sozinhas, no momento da overdose. Em testes realizados com animais, o dispositivo conseguiu reverter a overdose em 96% dos casos.
Uma das principais vantagens do implante, em comparação com sensores vestíveis, é que ele não depende da ação do usuário, tornando-o mais eficaz para populações de alto risco.
A equipe de pesquisadores programou um algoritmo que analisa esses sinais e determina o momento exato para liberar o medicamento em caso de overdose.
A equipe pretende iniciar testes em humanos dentro de três a cinco anos e está trabalhando para reduzir ainda mais o tamanho do dispositivo e melhorar a duração da bateria, que atualmente funciona por até duas semanas.
“O aspecto mais desafiador do desenvolvimento de uma solução de engenharia para evitar a mortalidade por overdose é abordar simultaneamente a adesão do paciente e a disposição de adotar novas tecnologias, combatendo o estigma, minimizando as detecções de falsos positivos e garantindo a entrega rápida de antídotos”, afirmou Hen-Wei Huang, professor assistente na Universidade Tecnológica de Nanyang, em Cingapura, em comunicado.
Saúde
Saiba mais sobre a neuromielite óptica, doença autoimune que afeta principalmente mulheres negras
Publicado
1 semana atrásno
26 de outubro de 2024Por
Fato novo
A neuromielite óptica, também conhecida pela sigla NMO, é uma doença neurológica, autoimune e rara, que danifica o nervo óptico, a medula espinhal e o cérebro
Estima-se que a NMO afete aproximadamente 200 mil pessoas em todo o mundo, e 4 mil só no Brasil. A cada 10 casos da doença, 9 acometem mulheres, sendo a maioria delas pretas e amarelas. A NMO costuma se manifestar com maior frequência em pessoas em idade economicamente ativa, na faixa dos 30 aos 40 anos de idade. Sem o diagnóstico e tratamento adequados, pode causar sintomas e consequências graves para os pacientes.
A seguir, o médico Herval Ribeiro Soares Neto, neurologista especializado em neuroimunologia verifica algumas das principais afirmações sobre a NMO, ainda pouco conhecida pela população brasileira.
“Neuromielite óptica e esclerose múltipla são a mesma coisa”
Mito. Os sintomas iniciais da NMO, que incluem fraqueza muscular, fadiga e dor, podem ser confundidos com os de outras doenças autoimunes, como lúpus e esclerose múltipla. O desconhecimento de parte da comunidade médica, sobretudo da atenção primária, acerca da NMO também é uma barreira significativa para o diagnóstico.
Muitos pacientes são encaminhados para outras especialidades antes da neurologia, e mesmo quando são, há dificuldades: uma pesquisa realizada pela associação Crônicos do Dia a Dia, com apoio Roche, revelou que aproximadamente 23% dos neurologistas entrevistados não possuem acesso ao teste anti-aquaporina, capaz de diagnosticar com precisão a NMO, na instituição em que trabalham.
É importante ressaltar que a detecção dos anticorpos AQP4-IgG não só confirma o diagnóstico, mas também pode guiar as opções terapêuticas. Cerca de 75% dos pacientes com NMO são positivos para esses anticorpos, o que faz desse teste sanguíneo uma ferramenta diagnóstica crucial.
“A NMO pode ser letal”
Verdade. A neuromielite óptica danifica principalmente o nervo óptico, a medula espinhal e o cérebro dos pacientes, podendo causar cegueira permanente, fraqueza muscular e paralisia. Os sintomas da NMO são incapacitantes e podem evoluir e agravar o quadro a partir dos surtos (ou ataques) sofridos pelos pacientes. Um ataque pode levar à perda visual, falta de mobilidade, dor crônica, fadiga severa e incontinência na bexiga ou intestino, podendo resultar, inclusive, em morte.
Após 5 anos de diagnóstico, cerca de 50% dos pacientes necessitam de cadeira de rodas para mobilidade. Nesse mesmo período, 62% dos pacientes desenvolvem cegueira. Devido a essas sequelas e todas as complicações enfrentadas, a taxa de mortalidade entre os pacientes com NMO varia de 6% a 32%.
“Não existem cuidados para NMO ”
Mito. Até muito recentemente, há cerca de 5 anos, não existiam terapias medicamentosas específicas para a jornada das pessoas que viviam com a NMO. Hoje em dia, no Brasil, temos diferentes inovações, que podem mudar a história natural da doença. Atuando na prevenção de surtos, reduzindo a gravidade das recaídas e prevenindo o acúmulo de incapacidade neurológica.
O problema é que os pacientes no Brasil ainda não possuem acesso a nenhuma dessas inovações. Essa lacuna deixa muitos pacientes dependentes de cuidados alternativos, comprometendo a jornada de cuidado e qualidade de vida deste paciente.
“A cor de pele da pessoa diagnosticada com NMO impacta na jornada com a doença”
Verdade. Apesar de não haver diferenças clínicas nos sintomas da doença em pessoas dos sexos masculino ou feminino, brancas, pardas ou negras, é possível notar diferenças estatísticas importantes, que podem ser explicadas por desigualdades no acesso ao diagnóstico e tratamento da doença. A taxa de mortalidade entre pessoas com NMO no Brasil pode ser superior a 34% na população preta, enquanto entre pessoas brancas esse índice é de 8%.
De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mais de 37% da população adulta preta ou parda avaliam sua saúde como regular, ruim ou muito ruim. Esse cenário sugere que essas populações frequentemente enfrentam barreiras adicionais no sistema de saúde, incluindo acesso limitado a especialistas e terapias inovadoras.
Vale ainda ressaltar que, de acordo com a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, do Ministério da Saúde, a população preta e parda representa 79% do público total atendido exclusivamente pelo SUS, o que mostra a dependência dessas pessoas ao sistema público de saúde.
“A NMO prejudica a renda dos pacientes e de suas famílias”
Verdade. De acordo com a pesquisa “Vamos falar de NMO”, apoiada pela Roche, cerca de 65% dos pacientes entrevistados relataram uma mudança na sua renda após o diagnóstico. As principais razões das mudanças são os custos com exames, tratamentos e reabilitação, troca de emprego, e dificuldade de conseguir novo trabalho pelo preconceito sofrido por pessoas com diagnósticos neurológicos.
Para agravar ainda mais esse cenário, de acordo com relatório “Construir caminhos, pactuando novos horizontes”, divulgado em 2024 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), em mais de 27% das famílias brasileiras as mulheres negras são as principais responsáveis pela renda da casa. Considerando que a NMO afeta principalmente essa população, é possível afirmar que o diagnóstico da doença tem um forte impacto na renda de muitas famílias brasileiras.
Fonte: jessie.costa@inpresspni.com.br
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