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Periferias brasileiras resistem à desinformação nas redes, mostra estudo

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Pesquisa do Território do Bem desconstroi discurso de que o centro da desinformação se dá em áreas periféricas e mostra que plataformas são responsáveis por alcance massivo de informações falsas

Morar na periferia não significa ser o mais suscetível à desinformação. Uma pesquisa inédita realizada pelo Território do Bem, em Vitória (ES), mostra que a maioria dos moradores tentam se proteger de informações falsas, desconstruindo o estigma de que as classes populares seriam as principais responsáveis e reprodutoras de fake news.

Mais de 50% usam mecanismos de busca, buscam portais confiáveis e reconhecem boatos que circulam nas redes. As desinformações propagadas nos territórios variam, segundo os pesquisadores. Quando o conteúdo falso é local, centrado no Território do Bem, os temas mais frequentes são criminalidade (13,37%) e segurança pública (12,12%). Já quando a desinformação é externa, os principais assuntos passam a ser saúde — com destaque para vacinas e COVID-19 (42,5%) — e política (39,3%).

A pesquisa foi conduzida entre fevereiro e abril de 2024 por 14 moradores do Território do Bem, treinados como pesquisadores comunitários pelo CalangoLab — um laboratório sociotecnológico criado em colaboração com o jornal Calango Notícias, a organização Ateliê de Ideias e os pesquisadores David Nemer (Universidade da Virgínia) e Mirella Bravo (FAESA Centro Universitário).

Os questionários foram aplicados diretamente nas residências dos participantes, com 404 pessoas entrevistadas em nove bairros e comunidades da região, incluindo São Benedito, Bairro da Penha, Itararé, Bonfim, Consolação, Gurigica, Jaburu, Floresta e Engenharia.

O estudo revela que a desinformação já atingiu mais de três em cada quatro moradores — e, em um quarto dos casos, causando reações imediatas, como não levar uma criança à aula, faltar ao trabalho ou uma família ficar sem atendimento de saúde. Situações que, em contextos mais favorecidos, poderiam ser facilmente resolvidas, nas periferias se transformam em emergências sociais.

O pesquisador responsável pelo estudo, destaca que os dados apontam para a urgência de políticas públicas mais direcionadas às áreas vulneráveis. Segundo ele, a desinformação não é apenas um problema pontual, mas estrutural, que busca afetar os moradores de periferias. “As políticas públicas precisam ser desenvolvidas levando em consideração essas consequências da desinformação, que hoje faz parte do dia a dia das pessoas”, afirma.

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A grande maioria dos entrevistados (acima de 90%) identifica as redes sociais como os principais canais de disseminação de desinformação, o que, conforme o relatório, evidencia uma percepção crítica ampla sobre o impacto dessas plataformas na propagação de notícias falsas.

Confira os dados obtidos pelo estudo em Vitória (ES):

1. Uso da Internet e Tecnologia

  • Predominância do smartphone: 92,8% dos entrevistados possuem smartphones com acesso à internet, demonstrando sua centralidade na vida cotidiana.
  • Intensa conectividade: 89,85% usam a internet 4 a 5 dias por semana, e 36,3% passam mais de 15 horas diárias online.
  • Gastos com internet: A maioria paga entre R$ 81 e R$ 110 pelo serviços com 63% utilizando planos de celular e 45,5% internet residencial.

2. Consumo de Mídia e Redes Sociais

  • Domínio dos aplicativos da Meta: WhatsApp é o mais utilizado (79,7%), seguido por Instagram (72%) e Facebook (47,5%).
  • Fontes de notícias: A TV ainda lidera (77,99%), mas o Instagram (51,98%) e o WhatsApp (39,9%) mostram o peso das redes sociais no acesso à informação.

3. Desinformação

  • WhatsApp como vetor: O principal meio de disseminação de desinformação é o WhatsApp (20,54%), seguido do Instagram (8,17%).
  • Alcance da desinformação: 77,6% dos entrevistados já receberam alguma desinformação sobre temas diversos, especialmente política, saúde, e segurança pública.

A localidade influencia a categoria da desinformação: Quando a desinformação é local, focada no Território do Bem, ela está majoritariamente relacionada à Criminalidade e Violência (13,37%) e à Segurança Pública (12,12%). Por outro lado, quando a desinformação vem de fora do Território do Bem, as categorias predominantes são Saúde, incluindo COVID-19 e vacinas (42,5%), e Política (39,3%).

  • Impacto: Devido ao teor da desinformação, muitas pessoas deixaram de sair de casa. Trabalhadores não foram ao emprego, estudantes faltaram à escola e até mesmo consultas médicas foram evitadas. Embora esse impacto possa parecer pequeno ou pontual, ele tem consequências severas para uma população vulnerável e marginalizada. Para muitos, faltar ao trabalho significa perder a renda do dia ou até mesmo correr o risco de perder o emprego, independentemente do motivo. Do mesmo modo, crianças que dependem da merenda escolar para garantir uma refeição diária podem ficar sem acesso à alimentação adequada.

4. Percepção e Impacto da Desinformação

  • Influência das desinformações: 77,98% acreditam que afetam a opinião pública, enquanto 25% já mudaram comportamentos devido a informações falsas.
  • Confiança nas fontes: 61,04% confiam mais em portais de notícias tradicionais do que em informações de amigos ou familiares.
  • Responsabilidade compartilhada: 58,42% acham que tanto usuários quanto redes sociais são responsáveis pela disseminação de desinformação.

A pesquisa também aponta outros pontos:

  • Alta exposição, mas pouca verificação: Apesar do uso intenso da internet, 23,77% nunca verificam a veracidade das informações antes de compartilhá-las.
  • Ambivalência sobre a polarização: Embora 41,9% estejam preocupados com a polarização política, 35,1% afirmam não serem afetados por ela. Este panorama revela como o Território do Bem está profundamente conectado, mas vulnerável à desinformação, especialmente via redes sociais. A confiança em fontes tradicionais coexiste com a influência de redes pessoais, criando um ambiente complexo para o combate às desinformações.

Embora a TV ainda seja a principal fonte de informação para 77,9% da população, plataformas como Instagram (51,9%) e WhatsApp (39,9%) têm se destacado, muitas vezes substituindo os meios tradicionais de comunicação, como portais de notícias e jornais impressos.

Cerca de 25% dos participantes da pesquisa afirmam nunca confirmar a veracidade de uma notícia antes de compartilhá-la. Segundo David Nemer, esse quadro revela duas camadas de desigualdade no acesso à informação. A primeira envolve o conceito de “zero rating”, um benefício oferecido por operadoras de telefonia, permitindo o uso de apps como WhatsApp e Facebook sem consumo de dados. Essa prática, apresentada como inclusão digital, na realidade restringe o acesso à internet e aumenta a vulnerabilidade a informações falsas.

“Usuários consomem apenas os títulos e subtítulos das notícias que circulam nas redes, sem capacidade de verificar as informações. Isso se torna perigoso, pois eles podem ser impactados por desinformação sem ter os meios para checar a veracidade dos dados”, alertou Nemer ao portal Desinformante.

No entanto, as fake news que circulam não nascem no morro. Muitas vezes, chegam de fora, vindas de estruturas sofisticadas, redes articuladas e bem financiadas, com aparência de credibilidade e alcance massivo. A desinformação, nesses casos, não é acidente: é estratégia. Como mostrou uma reportagem da Fórum este ano, há relações assimétricas dos algoritmos nas redes sociais com relação aos países e regiões do Sul Global.

A pesquisa revela o que já se vive na prática, mas que raramente ganha destaque: as favelas não são apenas alvo de notícias — são também criadoras de sentidos, produtoras de conhecimento e espaços coletivos. Confira o estudo completo abaixo.


Fonte: Revista Fórum

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