O professor Ignacio Cano, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e membro do Laboratório de Análise da Violência, classificou a Operação Contenção, realizada na terça-feira (28 de outubro de 2025) na zona norte do Rio de Janeiro, como “um dos maiores massacres policiais da América Latina”. Até a manhã de quarta-feira (29), o balanço oficial apontava 121 mortos: 117 civis e 4 policiais.
Em entrevista ao Conexão BdF, da Rádio Brasil de Fato, Cano afirmou que a operação seguiu uma “lógica bélica”, com o objetivo explícito de “maximizar o número de mortes”, em vez de prender suspeitos ou desarticular redes criminosas de forma sustentável.
“Na visão do governador, que infelizmente não é só dele, é uma visão bélica. Eles estão tentando causar o máximo número de baixas no exército inimigo. O ‘placar’ agora está 120 a quatro, mais ou menos. E, para eles, é francamente favorável”, disse.
Discurso político e alinhamento com a extrema direita
Cano criticou duramente o governador Cláudio Castro (PL), que em coletiva classificou a operação como um “sucesso” e reconheceu apenas os policiais como vítimas. Para o pesquisador, essa postura revela uma desumanização explícita dos civis mortos.
“A vida dessas pessoas não só não vale nada para o governador, ele considera um triunfo ter matado, como ele fala, ‘neutralizado’ essas pessoas.”
O professor também destacou que a operação ocorre em um contexto pré-eleitoral e se insere em uma disputa simbólica entre governadores bolsonaristas, que usam a violência policial como ferramenta de visibilidade política. Ele comparou o discurso de Castro ao de Donald Trump e de governos de extrema direita na América Latina, especialmente no uso do termo “narcoterrorismo”.
“Isso é extremamente preocupante porque tenta apagar a distinção entre guerra e segurança pública”, alertou.
Operação planejada para impedir fugas
Diferentemente de operações anteriores, em que parte dos suspeitos conseguia escapar, Cano observou que a Operação Contenção foi estrategicamente desenhada para cercar completamente as comunidades, impedindo qualquer possibilidade de fuga.
“Historicamente, a polícia entra, mata dois ou três, e o resto foge. Mas, dessa vez, a operação foi planejada para impedir que fugissem e para que não tivessem forma de escapar.”
O fato de haver muito mais mortos do que presos — 117 contra 81, segundo dados iniciais — é, para o pesquisador, um indicador claro da intencionalidade letal da ação.
Risco de execuções sumárias e necessidade de investigação federal
Diante da escala da violência, Cano afirmou ser “inevitável que haja várias execuções sumárias” e defendeu a entrada imediata de peritos federais para apurar as circunstâncias de cada morte.
“A vinda de autoridades federais deveria vir acompanhada de peritos legistas para ver quais dessas mortes foram realmente de confronto e quais foram execuções sumárias.”
Ele citou a Chacina do Pan (2007) como exemplo de investigação eficaz conduzida pela Polícia Federal, e lamentou que o governo do Rio dificilmente aceitará esse tipo de intervenção externa.
Histórico de impunidade e risco de novo marco trágico
Cano lembrou que o Brasil tem um histórico de impunidade em casos de violência policial e criticou o Ministério Público do Rio de Janeiro por não cumprir seu papel constitucional de controle externo da atividade policial.
“É muito difícil conseguir uma condenação contra um policial por execução sumária.”
Ao comparar o episódio com tragédias como o massacre do Carandiru (1992) e os Crimes de Maio (2006) em São Paulo, o pesquisador projetou que a Operação Contenção pode se tornar o maior massacre da história do Brasil em um único dia.
“Vai ser um marco no futuro. Infelizmente, não descarto que algum deputado queira se eleger com esse número total de mortes, como já aconteceu em São Paulo”, lamentou.
Com informações: Brasil de Fato