Segundo dados do IPEDF, há mais de 500 pontos de cultivo identificados na área urbana da capital federal; desses, cerca de 130 são atendidos anualmente pelo GDF
Deparar-se com uma horta em meio a área urbana do Distrito Federal é cada dia mais comum. Segundo dados coletados pelo Instituto de Pesquisa e Estatística do Distrito Federal (IPEDF) no estudo Agricultura Urbana e Periurbana no Distrito Federal, há mais de 500 pontos de cultivos identificados. Desses, cerca de 130 são acompanhados e atendidos anualmente pelo GDF, por meio da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do DF (Emater) e da Secretaria de Agricultura, Abastecimento e Desenvolvimento Rural do DF (Seagri).
Cabe ao governo atender escolas, creches, unidades básicas de saúde (UBSs) e unidades de internação socioeducativas na criação e cultivo de hortas agroecológicas, e a comunidade geral nas hortas comunitárias em áreas públicas. Só no ano passado, a Emater recebeu a solicitação do serviço em 21 unidades ligadas à Secretaria de Saúde do DF (SES) e mais 17 unidades ligadas ao socioassistencial, da Secretaria de Desenvolvimento Social do DF (Sedes) e ao sistema socioeducativo, vinculado à Secretaria de Justiça e Cidadania do DF (Sejus).
“Na Emater, a Gerência de Agricultura Urbana dá assistência às hortas de todos os órgãos do GDF”, explica a extensionista rural da Gerência de Agricultura Urbana da Emater, Sônia Lemos. “Fornecemos o material e as ferramentas, como adubo, calcário, fertilizantes e sementes. Também temos um agrônomo que faz a orientação.” As hortaliças, detalha ela, são os cultivos mais demandados, com ênfase em alface, couve, coentro, cebolinha e abóbora. “As folhosas são os pedidos que mais recebemos, porque elas enfeitam os canteiros e crescem mais rápido”, aponta.
Cultivo como ressocialização
A Unidade de Internação de Brazlândia (Uibra) é uma das beneficiadas pelo programa da Emater. Desde 2021, o espaço, que atende 41 adolescentes em conflito com a lei, conta com uma horta cuidada pelos socioeducandos e utilizada entre as atividades de ressocialização dos internos. A iniciativa nasceu de um hobby da agente socioeducativa Sandra Midori Sato.
“Temos vários casos de internos que chegam à unidade com problemas de comportamento e psicológicos e têm a horta como válvula de escape”, afirma Sandra Midori Sato, agente socioeducativa
“Quando chegamos aqui, em 2021, tinha esse espaço vazio”, lembra Sandra. “Primeiro, começamos a arborizar a unidade, depois veio a ideia de plantar a horta. Com a horta, uni o útil ao agradável. Era uma paixão minha e uma vontade de ajudar os meninos, para que pelo menos durante o tempo em que eles estão aqui, possam ter uma visão diferente.”
Estar junto à terra, aprender técnicas de horticultura e interagir com outros internos tem dado resultado. “Temos percebido a diferença deles”, relata a agente. “Muitos falam da vontade de mexer com agricultura após sair daqui. Outros falam de fazer uma horta para as mães, para as avós. Temos também vários casos de internos que chegam à unidade com problemas de comportamento e psicológicos e têm a horta como válvula de escape”.
É o caso de João (nome fictício), 16 anos, interno que, há um ano e meio, atua na horta da Uibra: “Acho muito bom poder mexer na terra. Me sinto melhor. É uma oportunidade que tenho de tomar um ar, pegar um sol, conversar com outros colegas e estar trabalhando. Também penso que, quando eu sair, posso conseguir um emprego numa chácara, porque já sei plantar”.
Prática de vida
O diretor adjunto da Uibra, Thiago Meneses, ressalta que a horta auxilia os jovens e os servidores na concepção do plano individual de atendimento, uma das diretrizes da internação. “O trabalho na horta é um trabalho temporal, que precisa ser plantado e regado para ser colhido, então é um reforço para a equipe técnica trabalhar e materializar com o adolescente que o trabalho na horta é como a prática na vida, que é o mesmo processo”, afirma.
Por sua vez, o diretor da Uibra, Isaac Pessoa, reafirma que a horta tem sido uma oportunidade a mais para os jovens, além de importante para os servidores do local. “Os meninos gostam muito de trabalhar na horta e aprendem um ofício para ter uma possível profissão fora; nós ganhamos também, porque a unidade fica mais bonita, um ambiente melhor para se trabalhar”, diz. A ideia é expandir o projeto com a instalação de uma estufa.
As hortaliças produzidas ali são levadas para feiras e para as edições do projeto GDF Mais Perto do Cidadão, da Sejus. Além disso, servidores, internos e familiares dos socioeducandos também têm acesso à produção.
Importância das hortas
Nas unidades de internação, a horta tem o papel primordial da ressocialização, mas o cultivo na área urbana apresenta ainda uma série de benefícios. Segurança alimentar, saúde mental, educação ecológica e convívio social são alguns dos pontos levantados pelo coordenador de Políticas de Agricultura Urbana e Periurbana da Seagri, Fernando Cleser.
“Não é obrigatório o cadastramento das hortas, mas em algumas iniciativas é interessante, porque o cadastro dá a autorização ao cultivo – é o caso de hortas em áreas públicas e comunitárias”, destaca Fernando Cleser, coordenador de Políticas de Agricultura Urbana e Periurbana da Seagri
“São vários fatores, desde segurança alimentar, dependendo de qual comunidade estamos falando, até a própria organização da comunidade”, sinaliza o gestor. “Temos hortas em UBSs em que a colheita é fornecida para famílias em situação de vulnerabilidade da região e que, inclusive, são convidadas a participar do projeto. Também temos hortas onde há um viés terapêutico para idosos e pessoas com deficiência.”
Assim como a Emater, a Seagri atua apoiando as hortas com equipamentos e insumos. Além disso, é responsabilidade da pasta cadastrar as hortas comunitárias, em cumprimento ao decreto nº 39.314, que dispõe sobre as diretrizes para as políticas de apoio à agricultura urbana e periurbana no Distrito Federal.