O Brasil é o país da América Latina com a maior parcela da população vivendo sob as regras de organizações criminosas, segundo o estudo “Governança Criminal na América Latina: Prevalência e Correlatos”, publicado pela Cambridge University Press e elaborado por pesquisadores de universidades dos Estados Unidos.
O levantamento estima que entre 50,6 milhões e 61,6 milhões de brasileiros — o equivalente a 26% a 32% da população — estejam submetidos à chamada governança criminal, ou seja, vivem em territórios onde facções como PCC, Comando Vermelho e Terceiro Comando impõem normas, controlam o tráfico e exercem influência sobre serviços, comércio e até eleições.
Líder isolado na região
Na América Latina, cerca de 14% da população (entre 77 e 101 milhões de pessoas) vive sob esse tipo de domínio. O Brasil concentra mais da metade desses indivíduos, destacando-se com folga em relação aos demais países:
- Costa Rica: 13%
- Honduras: 11%
- Equador: 11%
- Colômbia: 9%
- El Salvador: 9%
- Panamá: 9%
- México: 9%
Controle que afeta toda a vida comunitária
A governança criminal não se limita ao tráfico de drogas. As facções regulam comportamentos sociais, como toque de recolher, uso de roupas, acesso a escolas e transporte, e até interferem em eleições locais. Em muitos territórios, a autoridade real é a facção, não o Estado.
Paradoxo: facções reduzem violência em alguns contextos
Curiosamente, o estudo aponta que a presença de facções pode, em certos casos, reduzir a criminalidade. Um exemplo é o declínio nos homicídios em São Paulo nos anos 2000, associado à ascensão do Primeiro Comando da Capital (PCC), que impôs ordem interna nas comunidades.
Situações semelhantes ocorreram em El Salvador, com acordos entre maras e o Estado, e em Medellín (Colômbia), onde pactos com grupos armados levaram à queda nos assassinatos.
Estado forte, não ausente
Contrariando a ideia de que o crime se instala apenas onde o Estado é fraco, o estudo destaca que as facções mais poderosas surgiram em regiões com Estado forte e presença policial intensa.
“O PCC nasceu em São Paulo, o estado mais rico e com um dos sistemas prisionais mais robustos do país. O Rio de Janeiro também tem um Estado atuante. A repressão estatal, paradoxalmente, pode fortalecer a governança criminal”, afirma Benjamin Lessing, professor de Ciência Política da Universidade de Chicago e um dos autores da pesquisa.
Segundo ele, altos índices de encarceramento e operações policiais constantes criam um ambiente em que as facções precisam se organizar, controlar territórios e impor regras para sobreviver — o que leva à consolidação de seu poder paralelo.
“Quanto maior a ameaça da polícia de entrar e apreender drogas, mais a facção tem incentivo para governar. A repressão é, muitas vezes, o motor da governança criminal.”
Com informações: Cambridge University Press / Revista Fórum