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Religiosidade

Quem foi São João, o profeta que teria batizado Jesus

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Este santo é festejado tanto por seu nascimento, em 24 de junho, quanto por sua morte, 29 de agosto

É um caso peculiar dentro do cristianismo: um santo festejado tanto por seu nascimento, em 24 de junho, quanto por sua morte, 29 de agosto. Normalmente, os católicos celebram a morte do santo como aquele dia em que eles “nascem” para a Deus.

João Batista foi o homem que, de certa forma, abriu as portas para a missão de Jesus. Pregador itinerante nascido na Judeia, ele se tornou líder religioso de um grupo de judeus da época, exaltando a importância de valores como retidão e da prática da virtude. No intuito de purificar as almas, lançava mão do batismo — realizado em cursos d’água, em cerimônias epifânicas.

O batismo não foi uma invenção de João, pois já era praticado na época. A novidade trazida por ele foi o fato de que ele não restringia a participação aos judeus, permitindo também que o ritual servisse para a conversão dos considerados pagãos — e isso motivou polêmicas em seu meio.

De acordo com os textos bíblicos, João era parente de Jesus. Ele era filho de Zacarias, um sacerdote, e de Isabel, uma prima de Maria, a mãe de Jesus. Segundo a literatura sagrada, Jesus iniciou sua missão evangelizadora somente após ter sido ele próprio batizado pelo primo nas águas do Rio Jordão.

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Para muitos, João é exaltado como o maior dos profetas.

Como costumava acontecer em grupos religiosos daquela época — a exemplo do próprio Jesus —, as pregações de João passaram a incomodar o poder estabelecido. Preso por dez meses, provavelmente em algum momento entre o ano 26 e o ano 28 da era cristã, João acabou condenado à morte pelo governante Herodes Antipas (20 a.C – cerca de 39 d.C). Não se sabe exatamente a idade que João tinha quando foi morto, mas é certo que era mais velho do que seu primo Jesus.

Por muito tempo, pairavam controvérsias sobre a historicidade de João Batista. O principal documento, contudo, que atesta a sua existência é o livro Antiguidades Judaicas, escrito pelo historiador romano Flávio Josefo (37-100) provavelmente no ano de 94.


“João Batista é um personagem bíblico, mas para além dessa referência também há um historiador muito importante, Flávio Josefo, que se refere a ele em suas obras. É um historiador que tem uma visão muito isenta, porque não é ligado à tradição cristã”, pondera o estudioso de hagiografias Thiago Maerki, pesquisador da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e associado da Hagiography Society, dos Estados Unidos.


“Por muito tempo houve a controvérsia se João Batista existiu de fato ou se seria uma construção lendária, literária. Tudo indica que existiu de fato, por conta de testemunhos externos à Igreja. E talvez este [o livro de Josefo] seja o mais importante”, acrescenta Maerki.

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O pesquisador ressalta que Josefo “se refere a João Batista” como alguém “que costumava reunir uma multidão em torno dele para ouvir sua pregação”. “Havia, portanto, muitos seguidores. E isso teria incomodado Herodes”, narra Maerki. “Temia-se que João pudesse iniciar uma rebelião. Suas pregações incomodavam o poder. Por isso acaba sendo preso e morto em seguida.”

De acordo com as narrativas antigas, foi morto por decapitação. E teve sua cabeça apresentada em uma bandeja.

“Ele viveu na Galileia no reinado de Herodes e possuiu muitos seguidores, pregava aos judeus e fazia do batismo símbolo de purificação da alma. Ele era filho de Zacarias, sacerdote, e de Isabel, prima de Maria Santíssima. Além de primo de Jesus. Sua mãe, Isabel, era prima de Maria, João ainda no ventre da mãe celebrou Jesus também no ventre de Maria como vemos em Lucas. Foi também ele o precursor de Jesus e sua mensagem salvífica”, acrescenta o hagiólogo José Luís Lira, fundador da Academia Brasileira de Hagiologia e professor da Universidade Estadual Vale do Aracaú, do Ceará.

“Não bastasse tudo isso, ele batizou Jesus. Então, não só o cristianismo, mas, diversas religiões o celebram. De um modo geral, João Batista é mártir. Morreu em defesa da fé. E já os discípulos de Jesus o tratavam com reverência. No martirológio romano encontramos duas celebrações a ele, no nascimento e no martírio”, diz ainda o hagiólogo.

Simbolismos de João

Embora existisse essa reverência ao personagem desde os primeiros cristãos, Maerki lembra que oficialmente o cristianismo só oficializou uma solenidade à natividade de São João no século 4, “conforme indícios”. “Depois essa celebração foi se difundindo nos séculos seguintes e, já no século 6, houve um aprimoramento da festividade, precedida de um jejum solene, com missa de vigília e tal. Na Idade Média, há o histórico de celebrações com três missas para a data”, contextualiza.

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“Era uma festa das mais importantes, das mais cultivadas e das mais populares da época. E isso é importante porque ainda hoje a gente sabe que João Batista é dos santos mais populares, mais venerados, de tradição muito forte que remonta ao período medieval.”

Claro que há simbolismos, e a escolha de datas assim, provavelmente definidas a posteriori, não foi à toa. “João Batista teria sido concebido no equinócio de outono e teria nascido no solstício do verão europeu. Isso é importante. Santo Agostinho, depois, vê nisso uma espécie de confirmação cósmica do versículo bíblico que diz que é necessário ‘que ele cresça e eu diminua’. Agostinho interpretou esse versículo como uma referência indireta ao nascimento de João Batista”, afirma Maerki.

“Alguns teólogos ainda apontam para um certo paralelismo com o Natal de Jesus, que acontece no inverno europeu, quando analisam o natal de João, verão europeu”, complementa o pesquisador.

“Isso teria dado origem a manifestações folclóricas, inclusive os fogos de São João que representam e simbolizam o nascimento do santo. É o nascimento mas também é em referência ao início do verão. São relações curiosas que, certamente surgiram por meios populares e foram se enraizando. Depois acabaram aceitas e cultivadas inclusive pela Igreja”, diz o pesquisador.

De qualquer forma, os próprios textos bíblicos concedem a João uma posição especial. “João é apresentado como o precursor do messias e essa imagem é muito forte, é daquele que prepara o caminho da salvação”, pontua Maerki.

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“Há todo um caráter messiânico. Ele vai ser apontado como o profeta que indicou em Cristo o ‘cordeiro enviado para expiar os pecados do mundo’, aquele que primeiramente teria visto em Jesus o caráter daquele que teria sido enviado por Deus. E a partir daí teria iniciado um novo momento na pregação de João, não só de anunciar que o messias estava próximo mas que esse messias seria o próprio Jesus, uma tradição bíblica que depois a igreja aprofunda, desenvolve e festeja.”

O Evangelho de Mateus, por exemplo, apresenta João Batista como alguém muito maior do que um profeta, como o profeta dos profetas.

“Porque, diferentemente dos profetas que falavam do futuro, ele indicou o messias no presente. Isso é muito forte na tradição religiosa. Ele é alguém que não anuncia um futuro distante, ele anuncia um messias que está presente, que se faz presente no momento em que ele fala”, comenta o hagiólogo. Essa primazia é uma interpretação comum a muitos teólogos e estudiosos de textos sagrados.

Rivalidade fraterna

Por outro lado, enquanto a Igreja consolidou essa visão de João Batista como precursor de Jesus, pesquisas contemporâneas identificam, sobretudo em evangelhos apócrifos — aqueles que não são considerados no cânon oficial do cristianismo — mas também em análise dos textos que constam da Bíblia, uma certa rivalidade entre os dois líderes da mesma época e da mesma região.


“Havia uma grande polêmica entre os discípulos de João Batista e de Jesus, e essa polêmica emerge dos próprios evangelhos. Parece que o próprio Batista não estava muito convencido do carisma profético de Jesus, da messianidade de Jesus”, aponta Maerki. “Tanto que quando ele estava preso, ele enviou alguns de seus seguidores, os que mais confiava, para perguntarem em seu nome se Jesus era aquele que havia de vir de fato ou se ele devia esperar outro.”

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“Isso revela, indiretamente, uma dúvida de João Batista, ou seja, a Igreja sempre aceitou João Batista como esse grande profeta mas talvez nem o próprio João Batista acreditasse nisso”, analisa o pesquisador.

Para Maerki, outro fato que corrobora essa tese é que mesmo que o relato bíblico aponte que, no episódio do batismo de Jesus, João e os demais presentes souberam, por uma voz, que estavam diante do filho de Deus, “o eleito”, ele não decidiu dissolver seu grupo, sua escola de pregação, tampouco se unir aos seguidores de Jesus. “Ele continuava sua caminhada, paralelamente à caminhada de Jesus. Isso é muito significativo”, comenta.

Nesse sentido, há o entendimento de que os seguidores de João Batista poderiam respeitar e considerar Jesus um grande mestre, mas não um messias. E que, em última análise, essa posição poderia ser a mesma de João, uma vez que ele manteve suas pregações.

“Depois que Batista foi executado, formou-se um grupo de seguidores que inclusive passaram a defendê-lo como o verdadeiro messias”, conta Maerki. “Ele se transformou em uma espécie de rival de Jesus. Isso não é comentado na bíblia canônica, mas aparece em texto apócrifos.”

No texto apócrifo conhecido como Evangelho de Tomé, Jesus teria dito que “ninguém é tão maior do que João Batista”. “Isso é parecido com o Evangelho de Lucas, em que aparece algo assim, de que ‘entre os nascidos de mulher, não há profeta maior do que João Batista, mas o menor no Reino de Deus é maior do que ele’”, diz o pesquisador.

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“Isso talvez seja o pano de fundo, e essa fala de Jesus seja justamente em torno dessa polêmica, dessa rivalidade existente entre os dois”, explica.

Festas juninas

Polêmicas à parte, fato é que João Batista se tornou das figuras mais importantes para o cristianismo, e um santo muito popular. Como personagem, transcende o catolicismo — tornou-se figura folclórica, celebrada, ao lado de Santo Antônio e São Pedro, nas famosas festas juninas tão tradicionais nesta época do ano no Brasil.

Algumas lendas ajudam a explicar os elementos típicos da comemoração. “Uma antiga tradição diz que João nasceu no alto de uma montanha e que uma fogueira foi acesa quando sua mãe, Isabel, entrou em trabalho de parto para avisar aos parentes que moravam na planície. Pode ser daí o início das festas de junho, juninas”, diz Lira.

“Primeiro se celebra Santo Antonio, jovem na história do cristianismo, depois João e Pedro contemporâneos de Jesus. As festas brasileiras vieram com o colonizador português e aqui no Nordeste brasileiro têm características bem próprias e animam as noites do sertão e da cidade, incluindo a tradição de se tomar afilhados, padrinhos, compadres de fogueira, com a intercessão do santo.”

“Nos locais nos quais João é padroeiro o novenário é de nove dias, sendo o dia 24 o principal da festa. Catolicamente é esse o rito, mas, o folclore o celebra com fogueira na véspera e outras tradições. A Igreja celebra do seu modo a festa, mas, não há qualquer tipo de proibição formal aos outros festejos aos santos. E viva São João”, enaltece o hagiólogo.

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Arcebispo do Rio de Janeiro, o cardeal Orani João Tempesta — que tem João como segundo nome justamente porque nasceu na véspera da festa de João Batista, em 1950 — também vê com bons olhos as festividades populares.

“O mês de junho traz para nós, brasileiros, a oportunidade de confraternização, participação e, ao mesmo tempo, alegria”, comenta ele. “É tempo de comemorar os santos Antônio, João e Pedro e, também, confraternizar com as pessoas juntos, sentir essa proximidade, celebrar a presença na região, na cidade.”

“Vemos São João sendo celebrado em todo lugar, com tradições, alimentos, bebidas, fogueira, fogos, bandeirinhas… Enfim, cada lugar tem um pouco suas características. Como nasci na véspera de São João, nunca faltou, em minha infância a comemoração folclórica da festa de São João, com os doces próprios e as comidas típicas”, ressalta o cardeal. “Isso faz bem para o povo. Nosso povo necessita desses momentos de folguedo, de podermos estar um pouco mais tranquilos e celebrando uns com os outros em meio a tantas dificuldades.”

Tempesta acredita que tais eventos servem para que todos possam “festejar a nossa esperança e a confiança de poder ver dias melhores de paz e fraternidade”.


Fato Novo com informações: BBC / Correio Braziliense

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Religiosidade

A Bíblia manda a mulher ser submissa ao homem?

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Teólogos e especialistas contemporâneos dizem que, para ler os textos sagrados, é preciso compreender o contexto em que tais materiais foram escritos — ao contrário, segundo eles, o fundamentalismo carrega as contaminações de um anacronismo

“Mulheres, sede submissas aos vossos maridos, como ao Senhor. Pois o marido é a cabeça da mulher, assim como Cristo é a cabeça da Igreja.”

“Esposas, sede submissas a vossos maridos, como convém ao Senhor.”

“[…] ensinem as jovens a amar seus maridos e filhos, a serem modestas, castas, dedicadas aos afazeres domésticos, boas, submissas a seus maridos, a fim de não ser blasfemada a palavra de Deus”.

Estas três frases, que podem soar absurdas aos ouvidos da sociedade atual, são de trechos de cartas escritas por Paulo Apóstolo às primeiras comunidades cristãs e fazem parte da Bíblia.

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Teólogos e especialistas contemporâneos, contudo, explicam que são estes claros exemplos de que, para ler os textos sagrados, é preciso compreender o contexto em que tais materiais foram escritos — do contrário, o fundamentalismo carrega as contaminações de um anacronismo.

Submissão, segundo um dicionário de língua portuguesa, é a “condição em que se é obrigado a obedecer”, “sujeição”, “subordinação”. Também pode ser entendida como “disposição para obedecer, para aceitar uma situação de subordinação”.

“A ideia de que a mulher deve ser submissa ao homem deve ser entendida em seu contexto social e também literal do texto bíblico”, diz à BBC News Brasil a teóloga e pedagoga Andreia Cristina de Morais, freira da Congregação das Pequenas Missionárias de Maria Imaculada e professora na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).

“A maioria das sociedades no mundo antigo era patriarcal. Seus registros geralmente refletem uma perspectiva masculina, ou seja, enfatizam os interesses e as preocupações dos homens que os escreveram”, acrescenta ela.

“O mundo bíblico não era diferente. Assim, os textos da Bíblia geralmente revelam uma forma masculina e patriarcal de enxergar as situações.”

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Contexto histórico

Morais aponta que as interpretações contemporâneas buscam “compreender as representações das mulheres como uma imagem bíblica que simplesmente reflete as suposições e expectativas culturais de uma antiga sociedade patriarcal”.

Por isso, ela defende que essa ideia de mulher submissa ao homem seja sempre interpretada dentro do contexto original.

A ideia de que as mulheres precisam ser submissas aos maridos, embora citada três vezes nas epístolas de Paulo e uma na de Pedro, não aparece nenhuma vez nos evangelhos — os quatro textos que narram a vida e os ensinamentos de Jesus.

Com isso em mente, a religiosa sugere um olhar mais atento para as motivações de quem escreveu o texto.

Ela recorda que Paulo não necessariamente estava criando uma norma de submissão, mas sim que poderia estar refletindo o que já era praxe para criar uma analogia com a relação entre Jesus Cristo e a Igreja que começava a se formar.

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Esta interpretação pode ser tomada, por exemplo, do trecho aos Efésios, que continua com o apóstolo dizendo que, se Jesus é “a cabeça” e a Igreja “é o corpo”, os maridos devem amar suas mulheres assim como Cristo amou a Igreja.

“Observando esse contexto mais amplo, Paulo não deseja explicar como a mulher deve se comportar em relação ao marido, mas usa essa analogia para explicar a relação entre Cristo e a Igreja, uma relação de submissão, obediência e amor.”

A teóloga Morais argumenta ainda que, buscando a referência do texto original em grego, é possível entender que Paulo pretendia “destacar que a submissão é de uns aos outros no temor do Senhor” e que, para passar essa mensagem, ele “exemplifica com a mulher em relação ao marido”. Ou seja: essa relação de submissão aparece como uma verdade dada, algo já próprio daquele contexto.

“A ideia básica é sempre uma analogia com o marido, com a casa, com o ambiente doméstico. O ideal de submissão vem desse modelo familiar”, contextualiza à BBC News Brasil o teólogo e historiador Gerson Leite de Moraes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

“O apóstolo Paulo faz uma analogia entre o papel da mulher dentro de casa, sendo submissa à vontade do marido, e o papel da Igreja, sendo submissa à vontade de Jesus”.

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Ele ressalta que é preciso compreender aquele contexto histórico. “A Bíblia nasce num ambiente machista. Ou seja, ela reflete um tipo de comportamento que era comum em toda a antiguidade, não só entre os judeus, mas entre outros povos da antiguidade”, diz. “Na construção de sociedades patriarcais, as mulheres acabam tendo papéis definidos no espaço do oikos, que em grego significa casa.”

Em paralelo, diz o professor, o homem fica com o “espaço da ágora”, ou seja, da praça, do público.

“De maneira geral, o mundo antigo era um mundo patriarcal. As mulheres ficavam relegadas ao ambiente doméstico e, portanto, quando grupos religiosos falam sobre o papel da mulher, eles acabam refletindo essa realidade”, diz.

Ele vê um Paulo muito enfático sobre a divisão de papéis entre homem e mulher na carta a Timóteo. Ali, o apóstolo faz um paralelo: enquanto homens são incitados a orarem “em toda parte, erguendo para o céu mãos santas”, as mulheres precisam se resignar a “guardar silêncio, com toda submissão”.

“Não permito à mulher que ensine, nem que domine o homem”, prossegue o texto bíblico. “Mantenha-se, portanto, em silêncio.”

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Autor do livro Igrejas que Calam Mulheres, o pastor batista e teólogo Yago Martins tem uma visão mais conservadora sobre esses trechos bíblicos. “Não há como fugir, o Novo Testamento fala em submissão”, diz, em conversa com a BBC News Brasil.

“Algumas pessoas querem evitar o termo porque acham que é muito pesado. Mas é um termo bíblico. A escritura estabelece que o papel da mulher no casamento é de submissão”, afirma.

“Mas a escritura diz que a submissão da mulher é a seu próprio marido e não a todo e qualquer homem. O que se diz é a submissão da esposa ao seu próprio marido.”

Ele adverte, contudo, que essa submissão não deve ser entendida “como apagamento, como se fosse para impedir as mulheres de terem vozes, dignidade”.

“Todo mundo é submisso a patrão, a autoridade pública. Dentro do contexto de famílias cristãs, a gente entende que há uma ordem complementar em que dois iguais possuem papéis diferentes”, diz Martins.

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“[A Bíblia] fala de homens tendo um papel de pastoreiro sobre o seu lar e mulheres que seguem esse pastoreiro. Estabelece que é essa a ordem.”

Gênesis

Professora aposentada na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), a teóloga Tereza Maria Pompeia Cavalcanti afirma à BBC News Brasil que a origem dessa visão de sociedade presente nas cartas de Paulo remete ao Antigo Testamento, mais especificamente na narrativa da criação do mundo presente no livro do Gênesis.

Pela história, Deus teria feito o homem e, depois, retirado uma de suas costelas para, com este material, fazer a mulher. “Em outro texto [na primeira carta enviada aos Coríntios], Paulo chega a dizer que ‘o homem não foi tirado da mulher, mas a mulher foi tirada do homem. E o homem não foi criado para a mulher, mas a mulher foi criada para o homem’”, conta a teóloga.

Na justificativa de Paulo, isto é porque “Adão é que foi formado primeiro. Depois Eva”. E enquanto o primeiro “não foi seduzido”, a mulher foi e “caiu na transgressão”, conforme explica o teólogo Moraes.

“Nesta passagem, Paulo revela de onde ele tirou essa ideia de submissão da mulher. Para ele, a culpa de toda essa visão de uma sociedade machista e patriarcal foi de Eva. Eva errou. Eva foi enganada. Eva caiu em transgressão e, consequentemente, levou seu marido ao erro e trouxe o pecado para toda a humanidade”, analisa ele.

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“Por isso, caberia à mulher não exercer a autoridade dentro de casa e o seu papel, a sua missão, seria a maternidade”, complementa.

Para Moraes, o problema é “quando esse tipo de passagem acaba sendo lida sem a devida contextualização”. “Isso gera a perpetuação dessa visão machista na sociedade”, adverte o professor.

Autora de, entre outros livros, As Incômodas Filhas de Eva na Igreja da América Latina, a filósofa e teóloga feminista Ivone Gebara, freira agostiniana, lembra ainda que o machismo foi erguido a partir de camadas de interpretação dos textos bíblicos.

“Uma observação geral importante é que não necessariamente o que está escrito na Bíblia segue as interpretações misóginas que foram feitas ao longo dos tempos”, afirma.

“Isto nos permite uma abordagem diferente da Bíblia como um livro que foi considerado sagrado, mas, originalmente, todos os livros que o compõem não eram considerados sagrados, e sim crônicas, textos de sabedorias diversas.”

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Do Antigo Testamento, ela também busca no Gênesis um dos “vários textos que dão essa interpretação de submissão”. Quando se dá a queda e expulsão do paraíso, o trecho narra que Deus disse o seguinte à Eva: “Teu desejo te impelirá para o teu homem, e este te dominará”.

“Usa-se este e muitos outros textos para afirmar a natural submissão da mulher”, acrescenta Gebara

Auxiliadora?

É ainda do livro do Gênesis que vem outra questão muito presente quando se recorre à Bíblia para a definição do que seriam os papéis de gênero.

Mais precisamente, o segundo capítulo do livro, no trecho em que há a narração de como teriam sido criados Adão e Eva. É quando a mulher é apresentada como uma “auxiliadora”.

Este é o termo que aparece na versão Almeida Revista e Atualizada (ARA), por exemplo: “Disse mais o Senhor Deus: Não é bom que o homem esteja só; far-lhe-ei uma auxiliadora que lhe seja idônea”.

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Mas há uma questão de tradução, esclarecem os especialistas.

Na tradução Almeida Corrigida Fiel (ACF), o termo é “ajudadora idônea”. Na Tradução Ecumênica da Bíblia (TEB), o mesmo trecho diz “uma ajuda que lhe seja adequada”.

Muitos fundamentalistas se apegam a essa passagem para reduzir o papel da mulher, como se ela tivesse nascido para nunca protagonizar, para sempre ser uma auxiliar.

O pastor Martins diz que “essa tradução não tem sido tão reproduzida mais”. Ele cita uma atualização da Nova Versão Internacional (NVI). “Traduziu agora como ‘aliada semelhante’. ‘Auxiliadora’ virou ‘aliada’”, comenta.

Segundo Martins, o verbo hebraico utilizado originalmente, ozer, “não possui sentido de autoridade sobre”. “É um termo genérico que fala sobre aliado, que pode ser superior, inferior ou igual”, explica.

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“Entendeu-se que auxiliadora, no contexto brasileiro, poderia ter um sentido de inferioridade. Então o termo foi alterado para aliada. Uma outra tradução possível seria aliada complementar”, diz.

“Depende da interpretação”, afirma à BBC News Brasil a teóloga, filósofa e biblista Zuleica Aparecida Silvano, freira da Congregação das Filhas de São Paulo, professora na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia e membro da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica.

“Na criação, em Gênesis, Deus cria a mulher do lado do homem, a palavra hebraica é tsela, para indicar que são iguais. O texto não diz uma auxiliar, mas sim uma ajudante, no sentido de alguém que socorre”, explica ela. “Esse termo geralmente ocorre para expressar uma ação divina”.

Ela acrescenta que em outras passagens bíblicas, o mesmo termo é utilizado no significado de “salvar”. “Nesse caso, é para salvar Adão de permanecer em si mesmo”, interpreta.

Silvano vai além. A frase seguinte diz que Deus “colocou a mulher diante do homem”. Este “diante de”, em hebraico, é neged.

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“Na literatura rabínica, neged é interpretado nos dois sentidos, ou seja, a mulher será uma ajuda para o homem, se ele a merecer. Ou será contra o homem, se ele não a merecer. Deste modo, a mulher é vista como aquela que estabelece um limite para o homem. Ou seja: ele não é o todo-poderoso. Existe um ser que também pode mandar”, argumenta a biblista.

Mulher na sociedade

Interpretações religiosas à parte, pensadoras feministas entendem que essa questão de fundo bíblico acabou consolidando, ao longo dos séculos, uma sociedade desigual — em que as mulheres ficaram relegadas a papéis inferiores, na maior parte das vezes. E, em alguns meios religiosos fundamentalistas, o princípio segue sendo perpetuado.

“Quando a visão religiosa é muito conservadora com relação aos papéis de gênero, inevitavelmente existe o impacto negativo para a equidade entre homens e mulheres nos âmbitos familiar, profissional e, consequentemente, político-social”, diz à BBC News Brasil a economista Regina Madalozzo, autora do livro Iguais e Diferentes – Uma Jornada Pela Economia Feminista.

“Ao fomentar a diferença de importância no poder decisório, dentro de uma ideia da necessidade de submissão das mulheres a seus maridos, por exemplo, acaba-se por implicar em uma menor possibilidade de autonomia das mulheres sem quebrar os preceitos religiosos que seguem”, acrescenta ela.

A economista argumenta ainda que o desincentivo a que mulheres estudem ou participem ativamente de questões políticas e profissionais, faz do “mecanismo que fundamenta a diferença entre homens e mulheres” também o que “sustenta e permite a discriminação entre os gêneros”.

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Pesquisadora na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a historiadora Giovanna Trevelin avalia que a religião “a partir de uma perspectiva histórica” afeta, com suas ideias, “diretamente as relações sociais”.

“Quando olhamos para isso por uma perspectiva não só histórica, mas também feminista, encontramos aspectos que supõem uma hierarquia bem definida, principalmente a partir da ideia fundante de um deus que é homem e todo-poderoso, e de uma mulher pecadora”, comenta ela, à BBC News Brasil.

“É comum, na nossa história, encontrarmos uma perspectiva de sociedade que está fundada nestes princípios de diferenças hierárquicas atribuídas aos papéis sexuais. Temos, então, uma estrutura patriarcal determinante que é consequência dos ideais cristãos”, explica a historiadora.

“Neste tipo de sociedade, o homem é o centro: ele toma as decisões, conquista o espaço público e tem seus desejos atendidos pelas mulheres à sua volta.”

Por outro lado, compara Trevelin, “as mulheres ficam associadas a um papel subalterno”.

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“E a gente precisa compreender que essa história nos acompanha estruturalmente, de diferentes maneiras, até os dias atuais”, analisa.

“Os valores sociais que nos são dados desde o nosso nascimento têm bases cristãs, então nós, mulheres, somos guiadas por uma ideia de restrição de existência que pretende nos excluir das interações ativas da sociedade, afinal os ideais religiosos determinam nossa passividade como um valor positivo, principalmente para perpetuar a existência dos homens enquanto agentes públicos, ativos na sociedade e donos da narrativa histórica.”

Trevelin considera importante que a leitura da Bíblia seja feita de forma crítica, porque isso “pode propor outros caminhos”, que não apenas o de aceitação.

“Relacionar a religião à histórica aspiração de poder e manutenção de privilégios aos homens é um primeiro passo nessa direção de análise crítica e questionamentos fundamentais”, diz ela.


*BBC

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Justiça

Maioria do STF vota por manter símbolos religiosos em órgãos públicos

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Prevalece posição do relator de que itens fazem parte da cultura

O Supremo Tribunal Federal (STF) formou nesta segunda-feira (25) maioria de votos para permitir a continuidade do uso de símbolos religiosos em órgãos públicos de todo o país.

Até o momento, a Corte tem seis dos 11 votos do plenário para rejeitar um recurso do Ministério Público Federal (MPF) que pede a proibição da utilização de crucifixos, imagens de santos e outros objetos nos prédios públicos.

Para o MPF, a permissão dos símbolos viola os princípios constitucionais da liberdade de crença religiosa e da laicidade do Estado.

Prevalece no julgamento virtual o voto do relator, ministro Cristiano Zanin. O ministro ressaltou que o cristianismo faz parte da formação da sociedade brasileira e que os feriados alusivos à religião, os nomes de cidades, estados e locais públicos fazem parte da cultura do Brasil. Dessa forma, segundo o ministro, a manutenção dos símbolos nas repartições não é inconstitucional.

“A presença de símbolos religiosos em prédios públicos, desde que tenha o objetivo de manifestar a tradição cultural da sociedade brasileira, não viola os princípios da não discriminação, da laicidade estatal e da impessoalidade”, escreveu Zanin.

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O voto do relator foi seguido pelos ministros Flávio Dino, André Mendonça, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Edson Fachin.

O julgamento virtual será finalizado nesta terça-feira (26).


*Agência Brasil

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Religiosidade

Carlo Acutis, conhecido como padroeiro da internet, será canonizado em abril

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A canonização foi aprovada em 23 de maio deste ano, por meio de um decreto. Carlo Acutis morreu aos 15 anos em 2006, vítima de uma leucemia

O Papa Francisco anunciou que irá canonizar Carlo Acutis, jovem conhecido como um “influencer da santidade”, em abril de 2025. A notícia foi dada nesta quarta-feira (20/11), durante um evento sobre o direito das crianças.

A canonização foi aprovada em 23 de maio deste ano, por meio de um decreto. Em 1º de julho, o Papa anunciou que o evento ocorreria em uma data a ser determinada. O bispo de Assis, Domenico Sorrentino, havia antecipado nos últimos meses que o Papa queria que a canonização ocorresse “no ano jubilar que começará dentro de alguns meses”.

Acutis morreu aos 15 anos em 2006, vítima de uma leucemia. Ele era conhecido como “padroeiro da internet”, pelo seu trabalho de evangelização digital. Ele teve dois milagres reconhecidos pelo Vaticano, o que abriu caminho para facilitar a canonização.

Nascido em Londres, na Inglaterra, passou a infância e a adolescência em Milão, na Itália. O garoto gostava muito de jogar videogames e de ciência da computação, o que o fez aprender sobre o tema por conta própria, e tornou-se devoto da Virgem Maria durante a infância.

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Ele decidiu criar um site para registrar todos os milagres reconhecidos pela Igreja Católica e usou o espaço para evangelizar novos fiéis. O trabalho com tecnologia, que ajudou a ampliar o conhecimento da religião, rendeu o apelido de “padroeiro da internet”.

O corpo de Carlo foi exumado e atualmente está exibido no Santuário do Despojamento da cidade de Assis, na Itália, vestindo roupas comuns para um adolescente.

Além de Carlo, outro jovem também será canonizado: Frassati, um estudante de Turim, na Itália. Ele é um dos beatos mais conhecidos entre as novas gerações de católicos, considerado um dos santos “sociais” da Itália.

A canonização de Acutis está marcada para ocorrer no Jubileu dos Adolescentes, que será realizado de 25 a 27 de abril do próximo ano; e a de Frassati no Jubileu dos Jovens, de 28 de julho a 3 de agosto.


*Correio Braziliense

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