Comportamento
‘Sou psicopata e quero que a sociedade entenda e acolha meu transtorno’
Publicado
2 meses atrásno
Por
Fato novo
Um comercial de TV dos anos 1990 trouxe um dos primeiros sinais de que a advogada americana Jamie L. — que usa o pseudônimo M. E. Thomas — poderia ter algum transtorno de personalidade.
“Na infância, aos 8 ou 9 anos, estava assistindo televisão com meu pai quando vi uma propaganda sobre uma campanha de arrecadação de fundos contra a fome na África. As imagens mostravam uma criança muito magra. Na cena seguinte, uma mosca pousava nos olhos dessa criança, que não esboçava nenhuma reação”, descreve ela.
“Eu comentei: ‘Nossa, mas que criança burra… Ela não consegue nem afastar uma mosca dos próprios olhos?’”
O pai de Thomas, claro, estranhou a reação da filha e questionou se ela não tinha empatia.
“Eu não sabia o que essa palavra significava. Ao entender o que era empatia, percebi que talvez não tivesse mesmo esse sentimento”, relata ela.
Thomas compartilhou essa história durante uma roda de conversa promovida no dia 12 de agosto pela Psycopathy Is (“Psicopatia É”, em tradução livre), uma associação criada por pesquisadores nos Estados Unidos para fomentar estudos sobre esse transtorno psiquiátrico.
O grupo — o primeiro e único no mundo focado neste tema — também oferece suporte a famílias com casos de psicopatia e realiza campanhas de conscientização sobre o transtorno.
Dias depois da palestra, Thomas aceitou o convite para conversar com a BBC News Brasil, onde compartilhou alguns outros episódios que vivenciou nas últimas décadas e sua trajetória antes e depois do diagnóstico.
Violência despercebida
Atualmente, os manuais de psiquiatria não usam mais os termos sociopatia ou psicopatia — algo que gera muita controvérsia e intermináveis debates entre especialistas da área.
Essas duas condições, psicopatia e sociopatia, estão de alguma maneira englobadas no chamado “transtorno de personalidade antissocial” — embora existam testes que avaliem especificamente traços de psicopatia.
A Associação Americana de Psiquiatria classifica a condição como “uma das doenças mentais mais incompreendidas, com pouco diagnóstico e tratamento”.
Ela faz parte de um grupo maior de enfermidades que afetam a personalidade, que também inclui condições como o borderline, o narcisismo, o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), a paranoia, entre outros.
Como é possível notar em vários trechos da entrevista, Thomas mesmo utiliza todos os termos — sociopatia, psicopatia e transtorno de personalidade antissocial — para descrever sua condição.
Ela começa contando sobre um episódio que viveu na transição entre a infância e a adolescência.
“Quando tinha uns 12 anos, o pai de uma amiga veio falar comigo. Ele me disse que a filha dele me adorava e prezava pela nossa amizade, mas gostaria que eu parasse de bater nela”, relata Thomas.
“Eu fiquei muito surpresa, porque nunca havia percebido que fazia aquilo.”
A advogada também lembra de alguns episódios da infância e da adolescência em que ela invadiu a casa de pessoas próximas.
“A ideia era apenas fazer uma brincadeira, como mudar algumas coisas de lugar para deixar os moradores confusos. Eu acreditava que isso seria engraçado, mas hoje percebo que se tratava de uma enorme invasão de privacidade.”
Nos tempos de escola, Thomas também passou por episódios de agitação — como quando arremessava livros ou dicionários em colegas durante uma aula particularmente tediosa.
“Também brincávamos de um futebol americano sem nenhuma regra. Eu pegava alguns colegas e dava socos e mais socos neles.”
Ainda na adolescência, Thomas diz ter feito apostas com uma amiga para ver quem conseguiria beijar um garoto que ambas gostavam. O problema é que ela já sabia de antemão que o menino estava afim dela.
“Eu não levei em consideração os sentimentos da minha amiga, fui apenas oportunista. Na hora, só pensava nos vinte dólares que iria ganhar”, diz.
“Por outro lado, sempre fui muito bem nas aulas e tirava boas notas. Então os professores não sabiam muito bem como lidar comigo.”
Thomas entende que sempre sentiu uma certa “insensibilidade, uma falta de consciência sobre o que acontecia” ao seu redor.
No entanto, isso não era algo que chamava sua atenção durante a infância e a adolescência.
“Eu não me considerava diferente dos demais. Talvez suspeitasse que apenas fosse mais esperta”, afirma.
“Além disso, minha família é numerosa, somos mórmons e todos temos aptidões musicais. Então, de certa maneira, já éramos uma família um tanto esquisita”, observa ela.
Será que você é sociopata?
Thomas confessa que sempre notou uma “dificuldade em ser colocada em determinadas situações”, quando precisava fazer uma espécie de atuação para mascarar aquilo que realmente sentia.
“Também sempre foi muito difícil me engajar em qualquer coisa, a menos que aquilo me trouxesse um benefício direto.”
Uma das atividades que se encaixou nesse requisito da recompensa foi a faculdade de Direito, onde Thomas formou-se advogada.
Foi nos tempos de universidade que ela ouviu a primeira sugestão de que poderia sofrer com algum transtorno de personalidade.
No segundo ano de curso, em meados de 2004, ela fez um estágio num órgão governamental e dividiu o escritório com outra mulher.
“Não havia muito o que fazer, então conversávamos bastante. E comecei a notar que essa colega tinha várias vulnerabilidades, que eu poderia usar para manipulá-la”, lembra.
“Ela falava abertamente comigo e contou que foi abandonada pelos pais e adotada por outra família, era homossexual e ao mesmo tempo super religiosa.”
Com o passar do tempo, Thomas ficou muito interessada pela colega — e ela própria começou a se abrir mais e a contar detalhes pessoais.
“Senti que essa colega de estágio não representava qualquer tipo de ameaça para mim. Ela era praticamente um passarinho ferido”, compara.
“Hoje, sei que na verdade ela não era assim, e essa avaliação vinha de meu preconceito psicopata”, pondera a advogada.
Depois de algumas semanas de bate-papo, essa colega de trabalho fez uma pergunta decisiva para a vida de Thomas: “Ela me disse: ‘Você já considerou a possibilidade de ser uma sociopata?’”
“Como sou mórmon, não havia visto nenhum dos filmes mais famosos e violentos que abordam esses transtornos, como Psicopata Americano“, relata ela.
Thomas resolveu então buscar na internet o significado do termo e encontrou algumas informações — entre elas, uma lista de 20 sintomas elaborada pelo psicólogo canadense Robert D. Hare, que até hoje é considerada uma das principais ferramentas para fazer o diagnóstico da psicopatia.
Entre os sinais listados pelo especialista, estão charme, senso grandioso de autoestima, necessidade de estímulos constantes, propensão ao tédio, mentiras frequentes, facilidade de manipular os demais, falta de remorso, ausência de empatia, impulsividade…
“Cheguei à conclusão que essas características me descreviam muito bem”, conta Thomas.
“Mas à época não dei muito valor a isso. Achei que essas informações eram apenas uma curiosidade qualquer, como descobrir que você tem algum grau de parentesco com uma antiga rainha da França”, brinca ela.
Ao redor de 2008, já formada e com a experiência de trabalhar num escritório de advocacia prestigiado, Thomas começou a ver que sua vida colapsava.
“A empresa passou a insinuar que não havia futuro para mim ali. Uma amiga muito próxima descobriu que o pai estava com câncer e eu decidi que precisava me afastar, porque ela estava com muitas demandas emocionais.”
“Também enfrentei uma série de problemas em relacionamentos amorosos e com a minha família.”
Nessa época, Thomas notou que a vida dela era marcada por ciclos de cerca de três anos. Depois desse tempo, tudo o que ela construía — em termos de relacionamentos pessoais, amorosos e profissionais — virava ruína.
“Era como se eu apertasse um botão ‘dane-se’ e não conseguisse mais cumprir um papel”, raciocina ela.
“Eu não me sentia bem com isso, mas sempre chegava nesse ponto de não gostar mais do trabalho, de cansar de fingir que era uma boa amiga… Eu precisava parar tudo, porque não me sentia mais interessada, como se aquelas coisas não valessem mais a pena.”
Nesses momentos de baixa, Thomas se sentia desgastada por precisar manter uma certa “máscara de normalidade” diante dos outros, quando sentia justamente o contrário.
“Foi aí que pensei: será que isso acontece comigo porque sou sociopata?”
Entre o blog e o livro, um diagnóstico
Nesse mar de incertezas, Thomas decidiu resgatar um hábito da infância e da adolescência: escrever em um diário.
Só que dessa vez, ela resolveu fazer isso no mundo digital. Para isso, criou o blog Sociopath World (“Mundo Sociopata”, em tradução livre).
“Como usava pseudônimo e nunca me identifiquei, muita gente sempre achou que eu fosse um homem. Ninguém pensava que uma mulher estava por trás do blog”, observa.
Após compartilhar textos na internet por cerca de um ano e meio, a advogada recebeu uma mensagem de uma agente literária, que a convidou para escrever um livro sobre o tema.
A ideia foi materializada em 2013, com a publicação de Confessions of a Sociopath: A Life Spent Hiding in Plain Sight (“Confissões de uma sociopata: Uma vida escondida à vista de todos”, em tradução livre).
No entanto, antes de iniciar esse projeto, Thomas sentiu a necessidade de confirmar que de fato era acometida por um transtorno — até então, ela tinha fortes suspeitas, mas nunca havia passado pela avaliação de um profissional de saúde.
“Nesse momento, em meados de 2010, já havia me recuperado e trabalhava como professora de Direito. Se há algo bom de ser psicopata, é essa capacidade de voltar ao auge rapidamente.”
Um psicólogo pediu que ela fizesse uma série de testes cognitivos. Após a consulta, a conclusão estava clara: Thomas tinha mesmo um transtorno de personalidade.
Ela avalia que receber o diagnóstico “oficial” não representou nenhum significado especial na vida dela.
“Sabe quando você já suspeita de algo? Para mim, o diagnóstico foi parecido ao caso das mulheres que de certa maneira sentem que estão grávidas e só fazem um teste para confirmar aquilo que já tinham conhecimento”, compara ela.
“Mas, por outro lado, eu até tinha esperanças de que poderia ser diagnosticada com qualquer outra doença, porque assim as coisas seriam muito mais fáceis para mim.”
“Se os profissionais de saúde tivessem detectado um câncer no meu cérebro, por exemplo, seria responsabilidade deles cortar o tumor dali.”
“Agora, o transtorno de personalidade é um trabalho com o qual eu mesma precisarei lidar pelo resto da minha vida”, complementa ela.
No entanto, mesmo com o diagnóstico em mãos, Thomas não iniciou o tratamento logo de cara.
“Aqui nos Estados Unidos, os seguros de saúde só aceitam pagar por terapias que são consideradas efetivas pelas associações da área. E, estranhamente, não existem tratamentos que se encaixam nesse critério para o transtorno de personalidade antissocial.”
“Muitos especialistas também não se sentem à vontade para lidar com pacientes que tenham sociopatia ou psicopatia”, acrescenta.
Os preços de assumir abertamente a psicopatia
Após o lançamento do livro em 2013, Thomas participou de algumas entrevistas na televisão — e algumas pessoas a reconheceram.
“Um dos alunos do curso de Direito escreveu à administração da faculdade para dizer que se sentia ameaçado pelo fato de ter uma professora sociopata”, diz.
“A equipe de segurança da universidade me mandou um e-mail para informar que eu não poderia mais ir ao campus.”
“Eu respondi que aquilo era um ato grosseiro de discriminação e que me solidarizava com o fato de o aluno se sentir ameaçado, mas nunca fiz nada diretamente contra ele”, afirma.
“Além disso, eu não tinha, e não tenho, nenhum histórico criminal ou de violência depois de adulta. Achei absurdo alguém manifestar um incômodo pela minha simples existência.”
Segundo Thomas, a direção dobrou a aposta. “Eles me informaram que, além de ser demitida e banida, eu estava proibida de transitar num raio de um quilômetro do campus ou de qualquer pessoa relacionada com a faculdade.”
“Sofri muito preconceito e ninguém parecia ligar”, lamenta ela.
“As pessoas me trataram muito mal e desenvolvi uma espécie de transtorno pós-traumático. Durante a noite, eu acordava de súbito, com crises de ansiedade“, conta.
Nessa mesma época, um irmão da advogada que sempre teve problemas de saúde mental começou a fazer sessões com um psicoterapeuta.
“Ele fez o tratamento por cerca de dez meses e parecia uma outra pessoa. Ele tinha uma série de problemas e rapidamente se tornou um adulto funcional e competente.”
A advogada resolveu seguir o exemplo do familiar e começou a fazer sessões com o mesmo terapeuta.
“Por questões relacionadas ao plano de saúde, ele definiu logo de cara que iria tratar o meu transtorno de personalidade, mas não chegou a especificar o tipo.”
Uma das primeiras metas traçadas nas consultas foi lidar com o “vício” em manipular as pessoas.
“Eu não sabia como manter um relacionamento com alguém sem fazer isso”, admite Thomas.
“O terapeuta me chamava a atenção para determinadas situações e me sugeria maneiras de fazer pequenos ajustes na forma como interagia com os outros”, detalha ela.
A advogada admite que passou a sentir-se bem melhor conforme o tratamento evoluiu.
“Não foram apenas os relacionamentos que melhoraram, mas a minha própria experiência neles evoluiu. Esse contato com os outros se tornou mais relevante, mais real, e comecei a me importar mais com as pessoas”, diz ela.
“Antes, eu via as interações sociais como algo semelhante a ir para academia. Era algo que eu precisava fazer, mas não necessariamente gostava. Hoje em dia, os relacionamentos são super recompensadores para mim.”
Em 2017, Thomas iniciou um novo projeto: conhecer e conversar com outros indivíduos com suspeita ou diagnóstico de transtorno de personalidade antissocial.
“A primeira pessoa que visitei foi na Tasmânia, na Austrália. A mais recente foi em Amsterdã, na Holanda, em abril deste ano”, informa ela.
Segundo a advogada, geralmente esses contatos têm dois propósitos principais.
“Primeiro, há um grupo de pessoas que suspeitam ter sociopatia ou psicopatia. Elas me descobrem pelo blog ou pelo livro e se identificam com o que conto.”
“A segunda categoria engloba os indivíduos que precisam de ajuda. Eles estão num período de dificuldade e não sabem o que fazer para mudar.”
Um futuro sem estigmas e preconceitos
Apesar de entender a importância de falar abertamente sobre a psicopatia e o transtorno de personalidade antissocial, Thomas se ressente do preconceito que precisa enfrentar.
“Muitas pessoas me tratam mal em nome de uma pretensa intenção de se proteger de mim”, destaca ela.
Talvez o estigma mais forte seja aquele que relaciona psicopatia com violência e atos criminosos.
A associação Psycopathy Is admite que “a psicopatia aumenta o risco de comportamentos agressivos e antissociais”.
“No entanto, muitas pessoas com psicopatia não são violentas. E muitas pessoas que são violentas não são psicopatas.”
“Cada indivíduo com psicopatia possui diferentes atributos e desafios — e a forma como crianças ou adultos com psicopatia se saem na escola, no trabalho ou em ambientes sociais varia bastante”, pontua a entidade.
Para Thomas, que segue trabalhando com advocacia, esses estigmas relacionados à psicopatia vêm em parte da própria ciência, “por meio de pesquisas que fazem extrapolações e estão longe de representar a diversidade de pacientes com o transtorno”.
“Existem muitos fatores que podem causar a violência, e a psicopatia é apenas uma delas. O mesmo vale para outros transtornos”, defende a advogada.
Mas ela suspeita que muitos preconceitos e temores relacionados à psicopatia têm uma origem ainda mais profunda.
“De onde vem essa estranha necessidade das pessoas se preocuparem com a forma como os outros manifestam seus sentimentos?”, questiona ela.
A advogada cita o exemplo hipotético de um funeral. Geralmente, é esperado que todos demonstrem tristeza, chorem ou ao menos se compadeçam dos familiares e amigos que estão num momento de sofrimento.
No entanto, pessoas com transtorno de personalidade antissocial podem não ter esses sentimentos num momento desses — e muitas vezes precisam fingir e atuar para não serem julgados e criticados.
“Me parece que a sociedade está sempre policiando os sentimentos — e todos aqueles que possuem um universo emotivo diferente, que experimentam a empatia de formas diversas, são discriminados.”
Thomas cita o movimento de humanização do autismo: até pouco tempo atrás, indivíduos com esse transtorno eram excluídos e não existiam estruturas para acolhê-los na sociedade.
Felizmente, esse cenário está mudando — nos últimos anos, campanhas de conscientização e políticas públicas criaram espaços adaptados, para que pessoas com autismo fossem incluídas e pudessem participar de diversas atividades.
“Espero que isso seja ampliado para públicos com outras condições além do autismo. Como psicopata, quero que a sociedade entenda e acolha o meu transtorno”, diz ela.
“Sonho com um futuro em que a psicopatia não seja apenas acolhida, mas que pessoas com diferentes diagnósticos psiquiátricos possam expressar suas reações emocionais sem serem julgadas.”
Thomas pondera que “psicopatas que cometeram crimes precisam ser punidos por suas ações”.
“Se eles fizeram algo errado, devem ir à prisão como qualquer um”, reforça ela.
“Mas não me parece correto que pessoas com o transtorno que nunca se envolveram em qualquer problema legal sejam constantemente julgadas, perseguidas e obrigadas a mascarar seus sentimentos.”
“Isso requer muita energia nossa. Seria muito melhor para os psicopatas e para a própria sociedade se pudéssemos ser nós mesmos.”
“Se não tivéssemos que usar tanta força de vontade para mascarar quem somos, talvez sobrasse mais energia para fazer coisas boas pela sociedade, como nutrir relacionamentos ou propor soluções”, defende.
Questionada se há uma única coisa que o público em geral poderia aprender sobre a psicopatia, Thomas responde que é preciso acabar com generalizações que transformam todo um grupo em algo negativo.
“Certamente existem muitas coisas consideradas ruins entre psicopatas. Mas talvez a primeira delas seja o fato de sermos diferentes”, conclui ela.
Comportamento
Proibição de celular: escolas focam na formação e no apoio familiar
Publicado
1 semana atrásno
27 de outubro de 2024Por
Fato novo
Do exercício da autonomia ao desenvolvimento de habilidades para o uso consciente da tecnologia digital, instituições de ensino em SP compartilham como têm atuado diante do dilema do uso de celular
A proibição de celular na escola foi defendida por 83% dos brasileiros (de um total de 10 mil pessoas) que participaram de uma consulta pública realizada pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Já 6% foram contra e 11% parcialmente favoráveis.
Essa consulta destaca que há uma crescente preocupação com o impacto das telas no aprendizado e na saúde mental de crianças e adolescentes. Tanto que diferentes escolas têm adotado abordagens que vão além de regras rígidas, investindo na construção de uma cultura de uso consciente e na formação de estudantes mais autônomos e saudáveis.
Uso consciente
No Colégio Nossa Senhora das Graças (Gracinha), na cidade de SP, a restrição ao uso de celulares entre os estudantes do fundamental 2 foi acompanhada pelo lançamento do movimento Gracinha Offline, em agosto, promovido pela Organização das Famílias do Gracinha (OFAG).
“Queremos resgatar atividades que envolvam as crianças e afastem a atenção das telas”, explica Claudia Taddei, mãe e integrante da OFAG.
Segundo Claudia, a parceria entre escola e famílias tem sido essencial, com a realização de uma pesquisa comunitária e a organização de vivências práticas voltadas ao desenvolvimento da consciência sobre o uso equilibrado de dispositivos.
Sandra Cirillo, orientadora educacional da escola, destaca que a dependência dos dispositivos aumentou significativamente após a pandemia, exigindo mudanças profundas. “Identificamos situações em que alunos apresentavam sofrimento emocional quando seus celulares eram retirados, o que evidenciou a gravidade do problema e a necessidade de intervenções estratégicas.”
A escola proibiu o uso dos aparelhos durante as aulas e uniu forças com as famílias para promover diálogos e encontros com especialistas, buscando fomentar um uso mais consciente da tecnologia. “Nosso objetivo é que as soluções sejam construídas em conjunto, respeitando a realidade de cada família”, enfatiza Sandra.
Desafios e medidas para enfrentá-los
No Colégio Magno, também localizado na cidade de São Paulo, a diretora Claudia Tricate relata os desafios em encontrar um equilíbrio entre tecnologia digital e ambiente escolar.
“Acreditávamos que permitir o uso consciente dos celulares para fins pedagógicos seria o caminho ideal, mas percebemos que os adolescentes ainda enfrentam dificuldades em se autorregular. O apoio das famílias foi fundamental para estabelecer um controle mais eficaz, sem recorrer a medidas drásticas, como o confisco”, conta a diretora Claudia Tricate.
A escola limitou o acesso ao Wi-Fi para redes sociais durante as aulas, preservando espaços para que os estudantes desenvolvam autonomia no gerenciamento do próprio tempo, preparando-os para a vida adulta.
Já a paulistana Escola Tarsila do Amaral adota uma abordagem focada nas interações offline, especialmente com as crianças mais novas. De acordo com Patrícia Bignardi, coordenadora pedagógica, a proposta da escola valoriza as experiências lúdicas e as conexões sociais sem o uso de dispositivos.
“Procuramos estimular brincadeiras e atividades sem tecnologia desde cedo, promovendo uma introdução gradual ao mundo digital.” Patrícia alerta para os riscos de iniciar o uso excessivo de telas na infância, quando vídeos são frequentemente utilizados para entreter as crianças em situações como refeições fora de casa ou viagens, substituindo interações mais ricas, como conversas ou brincadeiras.
Ela também reconhece que, com adolescentes, o desafio de regular o uso dos dispositivos se intensifica conforme aumentam sua autonomia e acesso à tecnologia.
A Escola Vera Cruz, em SP, por sua vez, decidiu implementar uma medida experimental: dias inteiros sem celulares e smartwatches, tanto para alunos quanto para profissionais. Daniel Helene, coordenador pedagógico do fundamental 2, explica que a proposta foi desenvolvida em conjunto com os estudantes, envolvendo-os ativamente nas decisões.
“Com essa iniciativa, queremos que os alunos percebam os benefícios de um tempo desconectado e aprimorem habilidades sociais e emocionais que vão além do universo digital.” Daniel ressalta que a participação das famílias tem sido essencial para que essa experiência se consolide, abrindo espaço para discussões sobre como equilibrar o uso da tecnologia na rotina escolar e familiar.
Essas experiências mostram que, como indicado no início desta matéria, a questão do celular vai muito além de proibições e regras rígidas. Como observa Sandra, do Gracinha, o desafio envolve também a saúde mental e o desenvolvimento socioemocional dos alunos: “a formação de vínculos sociais e a capacidade de lidar com frustrações e conflitos são essenciais para o crescimento. A escola precisa ir além do ensino de conteúdos, ajudando os alunos a desenvolverem habilidades para interagir com o mundo, o que inclui a adoção de um uso responsável da tecnologia.”
Fonte: Revista Educação
Comportamento
Oito em cada 10 brasileiros de nove a 17 anos que usam internet têm celular próprio
Publicado
1 semana atrásno
27 de outubro de 2024Por
Fato novo
Número é da pesquisa TIC Kids Online Brasil 2024, que mapeia hábitos e riscos da presença de crianças e adolescentes no ambiente virtual; dados também mostram que, em geral, quanto maior a faixa etária, maior assiduidade no uso de redes sociais
O uso frequente de celular por crianças e adolescentes tem levantado uma série de debates — incluindo a discussão sobre a proibição da utilização dos dispositivos em sala de aula. Números da pesquisa TIC Kids Online Brasil 2024, que mapeia hábitos e riscos dessa população no ambiente virtual, demonstram que essa presença digital tem sido, de fato, ampla: hoje, 93% das crianças e jovens de nove a 17 anos são usuários de internet no país, e 81% deles possuem celular próprio.
A desigualdade entre classes socioeconômicas, porém, continua: enquanto nas classes AB quase a totalidade da população dessa faixa etária possui aparelho celular (97%), o número cai para 80% na classe C e 77% nas D e E. A pesquisa TIC Kids Online foi divulgada ontem, 23, no 9º Simpósio Crianças e Adolescentes na Internet, realizado em São Paulo. O levantamento é realizado desde 2012.
A edição deste ano também mostrou que, entre os usuários de internet de nove a 17 anos, 86% utilizam a rede para fazer trabalhos escolares e 76% usam redes sociais. Os números aumentam de acordo com a faixa etária: entre adolescentes de 15 a 17 anos, 90% declaram usar redes sociais; já no caso de crianças de nove e 10 anos, esse número cai para 47%.
Uso excessivo e desafios da mediação
A pesquisa indica uma tendência dos adultos responsáveis em dar mais autonomia na utilização do dispositivo de acordo com o avançar da idade. Ainda assim, a posse do aparelho celular alerta para um maior desafio de mediação. Foi o que afirmou a professora Inês Vitorino, que integra o Grupo de Pesquisa da Relação Infância, Adolescência e Mídia (Grim) da Universidade Federal do Ceará (UFC), durante o painel de exposição dos dados no simpósio em São Paulo.
“Isso significa que essa criança pode estar sozinha no contato também com estranhos; que pode acessar conteúdos inadequados. Claro que podem estar com restrições técnicas feitas pelos pais, mas a gente sabe que essas restrições não são, muitas vezes, nem do conhecimento hegemônico e nem do uso da maioria”, afirmou.
Segundo o estudo, 34% dos responsáveis relatam usar recursos para bloquear ou filtrar alguns tipos de sites. Nesse caso, também há diferenças significativas de acordo com a idade: para crianças de nove e 10 anos, o número é de 45%; 11 e 12 anos, 48%; já para os mais velhos, o número cai, sendo 24% para aqueles de 15 a 17 anos e 26% para aqueles que têm 13 e 14 anos.
Ao longo do painel, a professora Inês Vitorino também alertou para o desafio da curadoria de conteúdos. Isso porque, de acordo com o estudo, além da utilização da internet para fazer trabalhos escolares, crianças e adolescentes também usam a rede amplamente para ouvir música (86%) e assistir a vídeos, programas, filmes ou séries (84%), além de jogar online (78%).
Segundo a professora, em muitos casos, o conteúdo que chega para a criança ou adolescente não é adequado à idade, não tem filtros etários e nem uma política de recomendação colaborativa.
“A política de recomendação que essas crianças recebem é uma curadoria feita de forma empresarial, conforme os interesses que prevalecem em cada uma dessas companhias e dessas plataformas”, afirmou Inês Vitorino.
Sobre o uso excessivo, o estudo mostrou que 24% dos usuários de internet entre 11 e 17 anos declararam ter tentado passar menos tempo na rede, mas que não conseguiram. Além disso, 22% afirmaram que se pegaram navegando sem estar realmente interessados no que viam, e 15% relataram que deixaram de comer ou dormir por causa da internet.
Situações ofensivas
A pesquisa também mapeou a experiência de situações desagradáveis por crianças e adolescentes no ambiente virtual. Segundo o estudo, 29% relataram ter vivenciado situações do tipo (ofensivas, que não gostaram ou chatearam). Em contrapartida, apenas 8% dos responsáveis relataram que acreditam que a criança ou adolescente viveu uma situação incômoda na internet.
Entre os usuários de 11 e 17 anos que relataram ter vivido alguma situação ofensiva, 31% afirmaram que contaram o ocorrido para o pai ou responsável; 29% disseram que o fizeram para amigo ou amiga da mesma idade; já 13% não contaram para ninguém.
Sobre a pesquisa
A TIC Kids Online Brasil 2024 ouviu 2.424 crianças e adolescentes de nove a 17 anos e o mesmo número de responsáveis. Os dados foram coletados entre março e agosto de 2024.
Os resultados foram expostos no 9º Simpósio Crianças e Adolescentes na Internet no dia 23 de outubro, em São Paulo. O evento foi promovido pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) e o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), e correalizado pelo Instituto Alana, pelo Centro de Ensino e Pesquisa em Inovação da FGV Direito SP (CEPI FGV Direito SP) e pela SaferNet Brasil.
Fonte: Revista Educação
Comportamento
Portal LATINFOODS: uma nova ferramenta para políticas nutricionais e saúde pública na América Latina
Publicado
2 semanas atrásno
25 de outubro de 2024Por
Fato novo
Objetivo é disponibilizar informações sobre a composição química de alimentos (ingredientes, alimentos processados e preparações), considerando os hábitos alimentares e a biodiversidade/bioma de cada país da América Latina
O Centro de Pesquisa em Alimentos (FoRC – Food Research Center), da Universidade de São Paulo (USP), acaba de lançar (16/10) o Portal LATINFOODS, uma plataforma inovadora que reúne dados sobre a composição de alimentos de diversos países da América Latina. Com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), o Portal tem como objetivo compartilhar informações padronizadas e harmonizadas sobre a composição química de alimentos (ingredientes, alimentos processados e preparações), considerando os hábitos alimentares e a biodiversidade/bioma de cada país da América Latina.
A iniciativa ocorre no âmbito da LATINFOODS (Red Latinoamericana de Composición de Alimentos) – braço da Rede Internacional de Sistemas de Dados de Alimentos (INFOODS) da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Trata-se de uma rede mundial de especialistas com o objetivo de melhorar a qualidade, disponibilidade, confiabilidade e uso de dados de composição de alimentos. O Portal LATINFOODS surge como uma contribuição regional essencial dentro desse esforço global.
A proposta do Portal LATINFOODS é criar bases de dados com informações sobre os nutrientes/componentes e os valores energéticos dos alimentos mais consumidos pela população local. Além de ser um recurso valioso para pesquisadores e nutricionistas, o Portal é uma ferramenta importante de referência para estudos sobre o consumo alimentar de populações, permitindo identificar carências nutricionais específicas, além de servir de consulta para a população em geral.
“Muitos desses estudos utilizam dados de tabelas de outros países, como os Estados Unidos, cujos alimentos e perfis nutricionais são diferentes dos consumidos na América Latina, pois os países não possuem essas informações em um local de fácil acesso. Com as informações reunidas no Portal, será possível ter dados precisos e específicos sobre os alimentos de cada país, oferecendo subsídios valiosos para políticas públicas”, afirma a coordenadora do projeto, a nutricionista Kristy Soraya Coelho, pesquisadora do FoRC.
Para o diretor executivo do FoRC, Eduardo Purgatto, o lançamento do Portal LATINFOODS é um marco para a América Latina e representa um avanço significativo na padronização e compartilhamento de dados de alimentos entre os países da região, com impacto direto na melhoria da qualidade de vida das populações locais. “O Portal cumpre um papel fundamental nesse cenário, pois irá garantir que os países membros tenham informações precisas e consistentes para nortear políticas públicas”, reforça ele.
Métodos inovadores – O Portal LATINFOODS foi desenvolvido a partir da compilação de dados de composição química de alimentos dados presentes na literatura científica, considerando metodologias padronizadas. Nesta fase inicial, o Portal oferece dados originais, decorrentes de análise, de aproximadamente 600 alimentos (ingredientes e preparações), porém esses alimentos ainda não terão informações mais completas de nutrientes.
Após essa etapa, o projeto avançará para uma nova fase, com a complementação de informações de forma adequada que possibilitem o cálculo dos nutrientes/componentes de alimentos já preparados, ou seja, prontos para o consumo, ajustando para o tipo de preparo (cozido, assado, grelhado, frito, entre outros). “Esse processo, também desenvolvido pelo FoRC, permitirá estimar com melhor precisão a quantidade de nutrientes, considerando fatores como ganho ou perda de umidade e lipídios durante o preparo”, explica a nutricionista Eliana Bistriche Giuntini, pesquisadora do FoRC responsável pela parte de treinamento em métodos analíticos, identificação de alimentos e amostragem no projeto.
Futuramente, será desenvolvido um aplicativo para facilitar o acesso às informações do Portal. A expectativa é que o número de informações cadastradas cresça ao longo do tempo, assim como aconteceu com a Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TBCA) do FoRC. A TBCA conta atualmente com mais de 5.700 alimentos/ingredientes em sua base de dados, incluindo cerca de 4.000 receitas prontas para consumo. A tabela também abrange preparações específicas para vegetarianos, veganos, alteração de textura, além de opções sem lactose e sem glúten. Um dos grandes diferenciais da TBCA é considerar a biodiversidade brasileira, o que a torna uma referência nacional.
O Portal LATINFOODS é resultado de um esforço colaborativo entre instituições de vários países da América Latina. Além do Brasil, o projeto conta com a participação de países como Argentina, Chile, Costa Rica, Guatemala, México e Paraguai. Cada país está contribuindo na compilação de dados nacionais sobre os alimentos. Além disso, outros países da região já demonstraram interesse em integrar o projeto, o que ampliará ainda mais a abrangência e relevância do Portal LATINFOODS.
O portal pode ser acessado em Link.
Fonte: Acadêmica Agência de Comunicação
Mais vistas
-
Brasil1 dia atrás
Bebê brasileira de 1 ano de idade é morta em bombardeio de Israel
-
Brasil2 dias atrás
“Educação é símbolo de independência”, afirma Lula em visita à Sala de Situação do Enem 2024
-
Cultura2 dias atrás
Distrito Federal tem dois semifinalistas no Prêmio Jabuti 2024
-
Mundo2 dias atrás
ONU quer reforço da vacinação contra sarampo nas Américas para evitar surtos
-
Distrito Federal2 dias atrás
Golpe do amor: Como prevenir, identificar e denunciar estelionato amoroso
-
Mundo2 dias atrás
Entenda o processo eleitoral dos Estados Unidos
-
Mundo2 dias atrás
Rei Felipe é hostilizado ao visitar região afetada pelas chuvas na Espanha: ‘assassino’
-
Distrito Federal2 dias atrás
Semana começa com 532 oportunidades de emprego nas agências do trabalhador