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Trajetória de professora inspira filme ao transformar vidas na rede pública do DF
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História de Gina Vieira, criadora do projeto Mulheres Inspiradoras, vai estrear nas telas do cinema brasileiro destacando o impacto da educação humanizada
A educação encontrou na professora Gina Vieira Ponte uma aliada que transcende as barreiras da sala de aula. Nascida em Ceilândia, filha de pais trabalhadores e com uma trajetória marcada por adversidades, Gina decidiu, ainda jovem, que faria das escolas públicas do Distrito Federal um espaço de transformação. Inspirada por sua mãe, dona Djanira, que sempre lhe ensinou a importância de ser independente, e por uma professora que mudou sua perspectiva de vida, Gina trilhou um caminho que hoje inspira estudantes, colegas e até o cinema nacional.
Foi em 2014, no Centro Ensino Fundamental (CEF) 12 de Ceilândia, que Gina deu vida ao projeto Mulheres Inspiradoras, uma iniciativa que começou com a inquietação de uma professora preocupada com a falta de engajamento dos jovens com a escola e o aprendizado. Em um mundo onde os exemplos femininos muitas vezes reforçam estereótipos, Gina propôs algo diferente: apresentar histórias de mulheres que romperam barreiras e construir, junto aos alunos, narrativas de superação e empoderamento.
“Eu criei o projeto porque estava cansada de ver meninas abandonarem a escola diante de tantas dificuldades. Queria que elas pudessem enxergar o aprendizado como uma possibilidade para superarem as circunstâncias e dificuldades que viviam naquele momento”, compartilha a professora.
Uma jornada de superação e aprendizado
“Tenho muito orgulho em ver professores na nossa rede pública de ensino, meus colegas, como a professora Gina Vieira, se tornarem referências e história de filmes. Isso evidencia a alta qualificação dos profissionais que temos dentro das nossas escolas, capazes de potencializar o desempenho dos nossos estudantes”
Hélvia Paranaguá, secretária de Educação
Ainda no início, o projeto enfrentou resistência — muitos alunos não acreditavam na própria capacidade de escrever. “Era um momento desafiador, mas também visceral para mim. A prática pedagógica tinha que ser diferente para que fizesse sentido para eles”, explica Gina.
O projeto envolveu desde a leitura de obras de grandes escritoras até a produção de biografias de mulheres inspiradoras, tanto figuras públicas quanto heroínas anônimas do dia a dia dos estudantes. A iniciativa, que começou com cinco turmas de adolescentes, logo se expandiu, alcançando a marca de 50 escolas e sendo reconhecida nacional e internacionalmente.
“Foi uma experiência muito produtiva do ponto de vista da aprendizagem. É um projeto fruto de muito estudo e pesquisa. É impossível trabalhar em escola pública de periferia sem lidar com situações de violação de direitos, e a minha prática pedagógica não poderia ser indiferente a isso. Ao todo, foram 20 prêmios nacionais e internacionais que reconhecem o sucesso do projeto”, revela.
“O projeto Mulheres Inspiradoras, criado pela professora Gina auxilia na construção de uma cultura que promove valores e atitudes que garantem o respeito aos direitos das mulheres em todos os âmbitos da sociedade”, destaca a secretária de Educação, Hélvia Paranaguá.
Impacto além dos muros da escola
O vice-diretor do CEF 12 de Ceilândia à época do projeto, Rosevaldo Queiroz, testemunhou o bom desempenho dos alunos após a implementação da iniciativa. “O projeto mudou mentalidades, especialmente ao mostrar que as mulheres inspiradoras estavam não apenas nos livros, mas ao lado deles, nas suas famílias. Era algo revolucionário para uma escola que enfrentava desafios entre os alunos.”
Prova do sucesso do projeto, os resultados logo começaram a aparecer. Em 2015, o índice de desenvolvimento da educação básica (Ideb) da escola alcançou a meta projetada para 2021, segundo o então vice-diretor.
Uma história que chega ao cinema
Em breve, a história de Gina e de seu projeto será representada nas telas dos cinemas brasileiros. Ainda em fase de gravação, o longa-metragem, dirigido pelo cineasta brasiliense Cristiano Vieira, é uma obra ficcional com base em experiências narradas pela professora. “Começamos na produtora com o objetivo de contar histórias de Brasília. Eu soube da Gina e fiquei impactado com o projeto dela”, conta o diretor.
“O filme não é a representação literal da minha história. É uma obra de ficção e 90% do que está ali foi o que aconteceu de fato, mas para construir uma história coesa e verossímil a gente usou a licença poética. É um compilado das minhas experiências pedagógicas ao longo de 30 anos como professora”, revela Gina.
De acordo com a secretária de Educação, Hélvia Paranaguá, a alta visibilidade do projeto Mulheres Inspiradoras revela bons profissionais que integram o quadro da pasta: “Tenho muito orgulho em ver professores na nossa rede pública de ensino, meus colegas, como a professora Gina Vieira, se tornarem referências e história de filmes. Isso evidencia a alta qualificação dos profissionais que temos dentro das nossas escolas, capazes de potencializar o desempenho dos nossos estudantes. O filme também é uma oportunidade de reconhecer a importância da carreira docente e de fortalecer a escola pública”.
Com lançamento previsto para o próximo ano, o filme busca participar de festivais de cinema. “A ideia é que o filme tenha a duração de cerca de 1h40 e o lançamento seja no segundo semestre de 2025”, revela Cristiano.
*Agência Brasília
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Quem foi o 1º e único presidente negro do Brasil
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3 semanas agoon
24 de novembro de 2024By
Fato novo
No de século 20, com a preponderância de teorias racistas e uma ideia de embranquecimento da população, sua própria identidade racial se tornou objeto de controvérsia
No dia 14 de junho de 1909, o sexto presidente da República do Brasil, em exercício, morreu. Afonso Pena (1847-1909) estava no terceiro ano de seu mandato e teve uma forte pneumonia. Assumiu o Executivo, então, o vice: o político e advogado Nilo Peçanha (1867-1924).
De origem humilde, ele é considerado o primeiro presidente negro da história brasileira. Mas naquele início de século 20, com a preponderância de teorias racistas e uma ideia de embranquecimento da população, sua própria identidade racial se tornou objeto de controvérsia.
“Rigorosamente, ele era um mestiço”, define à BBC News Brasil o historiador Petrônio Domingues, professor na Universidade Federal de Sergipe (UFS), lembrando que pelas categorias oficialmente utilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ele seria classificado como pardo.
“Isso não era uma questão [naquela época]. A começar porque ele não se reconhecia como um afrodescendente. Segundo porque ele até foi alvo de charges e pilhérias racializadas por parte da imprensa, mas socialmente ele não era visto nem tratado pelas lentes do racismo que ousava dizer o seu nome na Primeira República”, acrescenta o professor.
“Pode-se dizer que ele foi racializado sobretudo pelos adversários, desafetos ou em situações de disputas políticas”, diz Domingues.
Para o historiador Vitor Soares, que mantém o podcast História em Meia Hora, é preciso ressaltar que Peçanha governou o país “em um período profundamente marcado pelo racismo científico”. “Doutrinas como a frenologia e a eugenia ganhavam força no país, legitimando teorias que buscavam justificar a marginalização de pessoas negras e mestiças”, diz ele à BBC News Brasil.
Ele lembra que na época teorias como as defendidas pelo médico e antropólogo Nina Rodrigues (1862-1906) tinham força e “associavam características físicas a predisposições comportamentais, reforçando estigmas que perpetuavam a exclusão racial”.
“Descrito como mulato por seus contemporâneos, Peçanha tornou-se alvo constante de ridicularizações. Na imprensa, era caricaturado em charges e anedotas que enfatizavam sua cor de pele de maneira depreciativa. Durante sua juventude, era chamado pejorativamente de ‘o mestiço do Morro do Coco’, em referência ao pequeno distrito rural de suas origens”, acrescenta Soares. “Esses ataques refletem o racismo estrutural da sociedade brasileira, que via na ascensão de um homem mestiço ao poder uma ameaça à hierarquia racial estabelecida.”
“Ele foi de plena época em que o processo de racialização das relações estava em curso. Mas também uma época em que se apostava ou se tinha a expectativa da ascensão do mulato e, quiçá, da extinção do preto”, explica à BBC News Brasil a historiadora Lucimar Felisberto dos Santos, membro da Rede de Historiadorxs Negrxs e autora de Entre a Escravidão e a Liberdade: africanos e crioulos nos tempos da Abolição, entre outros.
A historiadora conta que “se apostava no mestiço para conduzir o embranquecimento da sociedade brasileira”.
“Nilo Peçanha era criticado como ‘mulato’, termo usado de forma pejorativa, e não havia uma perspectiva de elevação de seu caráter, da sua importância, da sua representatividade enquanto pardo ou negro”, analisa à BBC News Brasil o historiador Victor Missiato, pesquisador do Grupo Intelectuais e Política nas Américas, da Universidade Estadual Paulista (Unesp). “Não havia isso na época.”
“A conjuntura era do favorecimento da vinda de imigrantes estrangeiros para o Brasil, na ideia de que europeus brancos iriam, de certa forma, trazer o progresso para o Brasil. E que, muito entre aspas, a raça negra iria perdendo força, desaparecendo, a partir da miscigenação com uma raça branca superior, também entre aspas”, completa ele.
Casamento foi polêmico
Nascido em Campos dos Goytacazes, no norte fluminense, ele era filho de um padeiro e de uma filha de agricultores. Com seis irmãos, teve uma infância pobre em um sítio. A família se mudou para a cidade quando Peçanha chegou à idade escolar. Foi no meio urbano que seu pai ganhou o epíteto pelo qual seria conhecido, virou “Sebastião da padaria”.
Ele estudou direito na Faculdade do Largo São Francisco, em São Paulo, mas acabou concluindo o curso na Faculdade do Recife.
Seu casamento chocou a sociedade da época: a noiva, Ana de Castro Belisário Soares de Sousa, a Anita, era de família rica de Campos dos Goytacazes, neta de um visconde e bisneta de dois barões.
Como seus pais eram contra o casamento — com um pobre e mulato —, Ana fugiu de casa e foi viver com uma tia. Depois do matrimônio oficializado, em 6 de dezembro de 1895, diversos parentes da aristocracia fluminense cortaram relações com ela.
“O matrimônio foi inicialmente rechaçado pela família de Anita, que considerava inadequado o casamento de uma jovem de sangue nobre com alguém pobre e mestiço”, contextualiza o historiador Soares. “Anita chegou a fugir de casa para concretizar a união, um escândalo social que refletia as barreiras impostas pelas estruturas raciais e de classe da época.”
Questões pessoais à parte, Peçanha trilhava uma sólida carreira política. Em 1890, reconhecido por seu engajamento nas lutas abolicionista e republicana, foi eleito para a Assembleia Constituinte que redigiu a primeira Carta Magna da República.
Foi deputado até 1902. No ano seguinte, tornou-se presidente do Rio de Janeiro — cargo equivalente ao atual governador. Em 1906 foi eleito vice-presidente da República.
“Do casamento às suas relações dentro do núcleo político, mesmo que ele fosse ligado a parte da elite carioca, o fato de ele ter sido uma pessoa negra, chamado na época de mulato, era uma questão”, comenta à BBC News Brasil o historiador Phillippe Arthur dos Reis, pesquisador na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Isso tinha impacto sobre sua pessoa como político.”
Reis diz que políticos e formadores de opinião da época que atacavam Nilo Peçanha costumavam citar “a cor da pele dele, condição quase sempre trazida como uma caricatura, como desleixo, como se fosse a cor de alguém que não tivesse a capacidade de gerir o país”.
“Os traços físicos eram destacados [pelos críticos], o cabelo crespo era associado à questão de que ele não seria necessariamente uma pessoa preparada”, conta.
Na Presidência
Quando ele assumiu o governo do Brasil, substituindo Afonso Pena, trouxe para si o lema “paz e amor”. Era uma tentativa de apaziguar os ânimos da oposição. “Alguns jornais chegaram a publicar comentários políticos que questionavam a capacidade do presidente na condução do país pelo fato de ele ser negro”, ressalta à BBC News Brasil o filósofo e sociólogo Paulo Niccoli Ramirez, professor da Fundação Escola de Sociologia de de Paulo (FESPSP) e da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).
“Ou seja: apesar de ele circular em meios políticos dominados por brancos, parte da opinião pública o questionava, associando o fato de ele ser negro a eventuais dificuldades em sua capacidade de conduzir o país”, observa.
“Paradoxalmente, quando Peçanha alcançou destaque na política nacional, a elite brasileira, alinhada com os ideais de branqueamento, tentou ‘corrigir’ sua imagem”, conta Soares. “Fotografias oficiais e retratos eram manipulados para clarear sua pele e aproximá-lo dos padrões eurocêntricos, numa tentativa de apagar qualquer traço de diversidade racial em figuras públicas de prestígio.”
Em sua curta passagem pelo Palácio do Catete, deixou duas marcas importantes. Foi ele quem criou o Serviço de Proteção aos Índios, órgão que antecedeu a atual Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Peçanha também fundou a Escola de Aprendizes Artífices, primeira instituição de ensino técnico do país sem ligação com os militares. Esta escola é considerada a precursora do Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet). E por causa disso em 2011 ele foi homenageado com uma lei federal que o tornou o patrono da educação profissional e tecnológica no Brasil.
O historiador Reis lembra ainda que Peçanha procurou encontrar soluções para diminuir o problema da falta de habitação no país. Ele tinha experiência nisso, pois foi uma questão enfrentada durante seu governo no Rio, anteriormente. E, a julgar pela repercussão da imprensa da época, foi este um assunto no qual ele convenceu a opinião pública de que era uma pessoa capacitada.
“O assunto é de máxima importância e pode e deve ser resolvido pelo governo do dr. Nilo Peçanha, que já tem dado provas de que é homem de capacidade para resolver os mais sérios problemas sem delongas”, publicou o jornal A Imprensa, do Rio, em 19 de agosto de 1909.
Seu mandato se encerrou em 15 de novembro de 1910. Depois da Presidência, ele ainda seguiu na política. Foi senador, novamente presidente do Rio, ministro das Relações Exteriores e mais uma vez senador. Em 1921, foi candidato à Presidência, sendo derrotado por Artur Bernardes (1875-1955).
Nilo Peçanha morreu em 1924, vítima de um problema cardíaco causado pela doença de Chagas. Há dois municípios brasileiros que o homenageiam com o nome: Nilo Peçanha, na Bahia, e Nilópolis, na região metropolitana do Rio.
Debate racial
“O fato de termos um negro na política sempre foi e sempre será uma questão no Brasil. Ainda mais um presidente. Vivemos em um país racializado, com um histórico de escravidão extremamente violento, recente e ainda presente”, comenta Salvarani. “Nilo Peçanha é um personagem interessante justamente por romper essa barreira racial de representação política, tendo um papel importante na história do nosso país.”
A questão racial de Peçanha é tema de debate pelo simbolismo do fato de ele ter sido um presidente negro — ainda que em um tempo em que essa questão não era posta à mesa de forma identitária como hoje. Por isso, as controvérsias são muitas.
“De fato, ele foi acusado de ser mal resolvido com sua identidade racial e de ter retocado fotografias oficiais, para escamotear sua origem afrodescendente, mas não me parece que isso seja branqueamento”, afirma Domingues. “A importância de hoje reconhecermos a sua negritude tem a ver, em primeiro lugar, com um acerto de contas com certa narrativa histórica que operou com invisibilidades e apagamentos de personagens afro-brasileiros. Em segundo lugar, com as questões do tempo presente, em que a história e cultura afro-brasileira ou, antes, as questões raciais ganham destaque na agenda nacional, a partir do protagonismo negro, das políticas de ações afirmativas, do debate sobre representatividade, etc.”
A historiadora Santos entende que a identidade racial de Peçanha não foi ocultada à época, justamente por causa do que publicavam os jornais, que costumavam descrevê-lo como “rapaz moreno, de cabelos negros e anelados, olhar profundo e superior”.
“Nos últimos anos, os movimentos negros também entenderam que referências históricas em posição de destaque poderiam contribuir para o fortalecimento do pertencimento étnico, e para o orgulho deste pertencimento, por grande parcela de brasileiros constituídas por negros, negras e indígenas”, acrescenta ela. “Assim, com base em pesquisas históricas, recupera-se o protagonismo personalidades como Nilo Peçanha. Essas ações colaboram para o processo de emancipação do povo negro em termos reparação simbólica.”
Soares diz que “reconhecer a negritude de Nilo Peçanha é um ato de resgate histórico e político, especialmente em um país que sistematicamente negou e apagou as constribuições de pessoas negras em posições de liderança”.
“Durante sua vida e carreira, Peçanha foi vítima de práticas que buscavam roubar e esconder sua identidade racial”, afirma ele. “Essa é a história da cor roubada, como alguns historiadores descrevem e, no caso de Peçanha, deliberadamente escondida.”
O historiador lembra que até mesmo a biografia oficial de Nilo Peçanha, escrita por seu parente, o jornalista, advogado e político Celso Peçanha (1916-2016), “nada menciona sobre suas origens raciais”. “E seus descendentes negaram consistentemente que ele fosse mulato, apesar de sua tez escura”, ressalta.
“A negritude é atribuída historicamente. Nilo Peçanha não se reconhecer e não ser reconhecido como negro é importantíssimo para entendermos a natureza social no racismo e dos processos de racialização de pessoas negras, principalmente na política”, diz o sociólogo Salvarani. “Agora as razões sociológicas desses processos político-raciais envolvendo Nilo Peçanha são singulares e uma oportunidade única para que mais pessoas radicalizadas se encorajem de participar da política em seus diversos níveis e espaços.”
Ramirez atenta para outra questão: os materiais didáticos que ensinam história no Brasil. “Boa parte dos livros escolares negligenciam o fato de ele ser negro. E isso mostra como a história é sempre a história de uma elite branca, esquecendo-se dos protagonistas negros deste país”, comenta.
*BBC; Correio Braziliense
Biografia
O que a negritude de Machado de Assis diz sobre como Brasil lida com racismo
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3 semanas agoon
21 de novembro de 2024By
Fato novo
Questão racial daquele que é considerado maior escritor brasileiro de todos tempos tem se tornado bandeira importante para afirmação e valorização da população negra
No Dia da Consciência Negra, a figura de Machado de Assis, um dos maiores ícones da literatura brasileira, é um lembrete das contradições do racismo no Brasil.
Negro e criado em meio à profunda desigualdade social do século XIX, Machado alcançou um espaço majoritariamente branco, mas sua identidade racial foi muitas vezes silenciada ou minimizada pela história oficial.
Assinada pelo escrivão Olympio da Silva Pereira, a certidão de óbito de Joaquim Maria Machado de Assis, morto aos 69 anos em 29 de setembro de 1908, há 115 anos, traz uma informação curiosa, senão polêmica: a nona linha do formulário declara que sua cor era “branca”.
Sobretudo nos últimos anos, a questão racial daquele que é considerado o maior escritor brasileiro de todos os tempos tem se tornado uma bandeira importante para a afirmação e a valorização da população negra.
Mas o que pesquisadores contemporâneos têm descoberto é que, considerando documentos como a própria certidão de óbito e cartas antigas, a identidade racial de Machado de Assis é um assunto polêmico desde antes da morte dele.
O que leva a uma questão importante: como o próprio Machado de Assis se identificava?
“Nós não sabemos até o momento. Não há nenhum documento que tenha chegado até nós que traga essa informação, como o próprio Machado se identificava, como ele se via. Temos depoimentos só de terceiros”, afirma à BBC News Brasil a historiadora Raquel Machado Gonçalves Campos, professora na Universidade Federal de Goiás (UFG) e pesquisadora sobre a vida e a obra do escritor.
Um dos documentos citados por ela é a carta enviada pelo poeta português Gonçalves Crespo (1846-1883) a Machado, com data de 6 de junho de 1871.
“A Vossa Ex., já eu conhecia de nome há bastante tempo. De nome e por uma certa simpatia que para si me levou quando me disseram que era… de cor como eu”, diz trecho da correspondência.
Não se sabe como o escritor brasileiro reagiu ao ler a missiva, tampouco se conhece qualquer resposta que ele tenha eventualmente redigido de volta ao português. A professora Campos pontua que a expressão “de cor” era a mais aceita naquele momento histórico para descrever pessoas negras.
“[O relevante é que] Machado é visto como um homem ‘de cor’ por um escritor de seu próprio tempo”, salienta ela.
Pesquisadora na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a historiador Cristiane Garcia traz outro elemento que pode indicar que o escritor, em vida, se via como negro.
“Eu pesquiso Machado de Assis quando jovem. Entre o final de 1854 e início de 1855, Machado de Assis passou a frequentar a tipografia de Francisco de Paula Brito, tipógrafo, editor e homem de letras, negro como Machado”, conta ela, à BBC News Brasil.
“A tipografia de Paula Brito foi a responsável pela imprensa negra de meados do século XIX, no Brasil. Não só isso: ali se organizava uma rede de homens negros que se ajudavam e protegiam, pelo menos até os primeiros anos da década de 1860”, aponta.
“E a condição de ser homem negro na sociedade da época é uma questão presente na produção deles, em alguns jornais que saíam da tipografia do Paula Brito, no posicionamento político, entre tantos outros aspectos presentes na trajetória desses homens. Machado de Assis foi um aprendiz desse grupo, cresceu muito com eles. Paula Brito o apresentou para uma rede de sociabilidade que possibilitou a abertura de novos caminhos profissionais para o jovem Machado de Assis.”
Pesquisador independente que já descobriu vários textos inéditos do escritor, o publicitário Felipe Rissato também afirma à reportagem que “não existe uma declaração de Machado de Assis acerca da cor de sua pele”.
“Quando fez seu testamento de próprio punho, em 1906, poderia ter incluído esse dado. Não que fosse obrigatório. E nada mencionou”, pontua ele.
“Fato é que Machado de Assis era mulato, filho de pai pardo, alforriado, e mãe branca.”
Um mês após a morte do escritor, o jornalista e escritor José Veríssimo (1857-1916) publicou um obituário sobre o amigo no Jornal do Commercio, texto este intitulado ‘Machado de Assis: impressões e reminiscências’.
Nele consta a seguinte frase: “mulato, foi de fato um grego da melhor época”.
O texto provocou reação em outro amigo de Machado, o jornalista, historiador e político Joaquim Nabuco (1849-1910).
“Ele escreveu uma carta ao Veríssimo elogiando o obituário, mas dizendo que ele, Veríssimo, deveria retirar este trecho para o caso de uma futura publicação em livro do texto”, comenta Campos.
“Eu não o teria chamado mulato e penso que nada lhe doeria mais do que essa síntese”, anotou Nabuco.
“Rogo-lhe que tire isso, quando reduzir os artigos a páginas permanentes. A palavra não é literária e é pejorativa. O Machado para mim era branco, e creio que por tal se tomava: quando houvesse sangue estranho, isso em nada afetava sua perfeita caracterização caucásica. Eu pelo menos só vi nele o grego.”
Há outro registro contemporâneo a Machado sobre como os outros o viam. Trata-se do livro ‘Machado de Assis: Estudo comparativo de literatura brasileira’, publicado em 1897 pelo crítico Sylvio Romero (1851-1914).
Na obra, o autor afirma que Machado de Assis é “um genuíno representante da sub-raça brasileira cruzada, por mais que pareça estranho tocar neste ponto”.
“Mas a crítica não existe para ser agradável aos preconceitos dos homens, que devem ter ânimo bastante para libertar-se de infundados prejuízos”, prossegue Romero.
“Sim, Machado de Assis é um brasileiro em regra, um nítido exemplar dessa sub-raça americana que constitui o tipo diferencial de nossa etnografia, e sua obra inteira não desmente a sua fisiologia […]. Com certeza não o molesto, falando assim; e não pode ser por outro modo.”
Para Campos, “dentro da perspectiva racista de Sylvio Romero, ele ataca e diminui o Machado de Assis, qualificando-o como mestiço [com a expressão ‘sub-raça brasileira’]”.
Filho de um descendente de escravos alforriados, Francisco José de Assis, e de uma lavadeira portuguesa oriunda dos Açores, Maria Leopoldina Machado da Câmara, o escritor foi fotografado algumas vezes — mas a baixa qualidade das imagens e o fato de serem em preto e branco, dadas as limitações técnicas da época, ainda hoje suscitam debates sobre qual seria a real cor de sua pele.
Biografias
Em artigo publicado nos anais do VI Seminário do Programa de Pós-Graduação em Literatura Brasileira, de agosto de 2020, Raquel Campos analisou a “cor e a identidade racial” nas biografias escritas sobre Machado de Assis.
Compilado de conferências proferidas entre 1915 e 1917, ‘Machado de Assis’, do advogado, jornalista e crítico Alfredo Pujol (1865-1930) traz apenas duas menções raciais sobre o escritor. Logo no início, ele pontua que seu biografado era filho de “um casal de gente de cor”.
Em seguida, quando ele descreve os primeiros anos de sua carreira de colaborador de jornal, enfatiza sua convivência com “as agruras criadas pela inferioridade de seu nascimento, pelos preconceitos de cor, pela sua grande pobreza”.
Até hoje considerada a mais influente biografia de Machado, a obra de Lúcia Miguel Pereira (1901-1959), ‘Machado de Assis: estudo crítico e biográfico’, de 1936, insiste bastante no aspecto racial do escritor. Segundo a análise de Campos, ela prefere chamá-lo de “mulatinho” mas também usa os termos “mestiço” e “pardinho”.
A ideia de Pereira era abordar Machado como alguém que nasceu com três grandes dificuldades — a pobreza, a cor e a epilepsia, da qual sofria — e, mesmo assim, ao superar essas questões, conseguiu vencer e se tornar o maior da literatura brasileira.
Na conversa com a reportagem, a professora Campos ressaltou que essa biografia tem muitas informações contestadas, mas que ali está dito que Machado “não gostava de referências à sua cor”e “que nunca utilizava a palavra mulato”.
Em ‘A Vida de Machado de Assis’, de 1965, o escritor e advogado Luiz Viana Filho (1908-1990) pouco se refere à cor e à identidade racial de Machado, embora recupere a ideia de que ele era “como um grego”.
Mas há um ponto curioso trazido por esta obra: uma análise do ensaísta e jornalista Peregrino Júnior (1898-1983) que aborda o “embranquecimento” de Machado.
Viana Filho vê com naturalidade que o escritor, “uma flor da civilização”, houvesse optado por uma imagem mais caucasiana para ilustrar seu livro ‘Poesias Completas’, de 1901.
Para o biógrafo, o “tempo depurou a fisionomia de Machado, fazendo-o perder gradativamente os traços do mestiço” e “ao fim da vida dificilmente se dirá não ser um ariano”.
Em ‘Vida e Obra de Machado de Assis’, de 1981, o jornalista e teatrólogo Raymundo Magalhães Júnior (1907-1981) classifica o escritor como “amulatado” e diz que, quando havia ficado noiva dele, Carolina Xavier de Novais (1835-1904) teria afirmado que iria se casar com “um homem de cor”.
O professor de literatura francês Jean-Michel Massa (1930-2012), em ‘A Juventude de Machado de Assis’, de 1971, traz um subcapítulo chamado “J. M. Machado de Assis, um mestiço”, no qual afirma que ele “é, parece, mestiço”. Mas também pontua que “como muitos brasileiros, não é nem um homem de cor, nem, strictu sensu, um homem branco”.
‘Machado de Assis, Um Gênio Brasileiro’, livro de 2005 escrito pelo jornalista Daniel Piza (1970-2011) foi a última das biografias contempladas pela professora Campos em seu artigo.
Ela ressalta que, nele, “são esparsas as alusões à cor de Machado de Assis, que é referido sempre, nessas ocasiões, como mulato”.
“Lendo as biografias com os olhos do presente, chama a atenção a ausência de classificações de Machado de Assis como ‘negro’”, pontua a pesquisadora.
“Apesar da origem humilde, desde muito cedo Machado teve o acolhimento das pessoas certas para ter a formação autodidata que teve, aprendendo línguas, como o francês, e humanidades, fora dos cursos convencionais. Bem quisto no trabalho como funcionário público, bem como literato, embora não fosse uma unanimidade, Machado adquiriu o status que não se permitia a um homem negro, salvo raras exceções, daí a busca para se começar a entender a incógnita de seu embranquecimento”, comenta o pesquisador Rissato.
“Curioso é que tendo acesso às suas fotografias originais, vemos claramente os seus traços de homem mulato, o que deixa ainda mais inexplicável a cor ‘branca’ indicada em seu atestado de óbito”.
Compreensões da identidade racial
À reportagem, Campos comenta que “não sabemos se Machado se considerava negro mas, mais provavelmente no universo da especulação, considerando os testemunhos que temos, se ele se identificava racialmente provavelmente os termos que ele lidaria seriam ‘homem de cor’ ou ‘mulato’, não ‘negro’”.
Ela lembra que, parte de seus próprios estudos, é preciso compreender a maneira como as identidades raciais foram entendidas no Brasil do século 19 e ao longo do século 20.
“Há uma discussão que atravessa pela questão cultural, o conceito antropológico de cultura que enfatiza muito a singularidade do Brasil como uma nação mestiça”, afirma.
“Sabemos que no século 19 e no 20, essa mestiçagem era entendida como fator de inferioridade, obstáculo ao desenvolvimento nacional. Isso explica o caráter racial das políticas de imigração financiadas pelo Estado brasileiro, que selecionaram as populações alvo considerando um ideal de embranquecimento da população nacional.”
Nesse contexto, o embranquecimento do maior escritor brasileiro parecia fazer sentido.
“A partir da década de 1930, o Machado de Assis começa a ser visto como mestiço, e aí o grande escritor nacional correspondia justamente a um exemplo da identidade nacional mestiça. Machado de Assis passou então a ser tratado fortemente como mulato”, acrescenta a professora.
Assim, ao longo de boa parte do século 20 no Brasil, tratá-lo como mestiço ou mulato parecia ser a maneira entendida como correta.
“Havia esse ideal de democracia racial brasileira, uma construção criada, na verdade, para impedir o combate ao racismo estrutural”, afirma Campos.
É como se o Machado pudesse se assumir negro apenas em suas memórias póstumas, a bem da verdade. E isto tem tudo a ver com a ascensão do movimento negro. É por isso que, observa ela, o escritor aparece como negro justamente quando é “descoberto” pelos Estados Unidos, já nos anos 1960.
“Nessa época, Magalhães Júnior começa a recusar tal classificação. Para o crítico, o escritor brasileiro poderia ser considerado negro ‘do ponto de vista americano’. Já ‘segundo os nossos padrões’, seria mulato”, contextualiza a professora.
Para a especialista, é inegável que, sim, “houve um processo de embranquecimento de Machado” e isso está nítida na própria certidão de óbito, onde “fica explícito o apagamento da cor”. Mas esse percurso não pode ser achatado em uma linha reta. É permeado de complexidades culturais e sociais. “Uma questão controversa”, resume.
No meio desse então incipiente debate, a obra ‘Machado de Assis e o Hipopótamo’, de 1960, é interessante.
Ali, o jornalista e historiador Gondin da Fonseca (1899-1977) considera que levantar a questão da identidade racial de Machado é que seria uma conduta racista.
“Ele recupera essa perspectiva da democracia racial, dizendo que no Brasil todo mundo tem um pouco de sangue negro, todo mundo é mestiço, então não daria para falar que alguns são brancos, outros são negros”, diz Campos.
O apagamento da cor de Machado de Assis, então, também pode ter obedecido a essa perspectiva anacrônica de racismo.
Hoje
Se para o mercado literário norte-americano, Machado de Assis é visto como um escritor negro desde os anos 1960, no Brasil essa perspectiva é mais recente. Somente nos últimos anos, por exemplo, livros escolares passaram a defini-lo assim e as próprias fotografias dele passaram a ser restauradas de forma a enfatizar mais nitidamente aspectos afrodescendentes.
Além de reparar a história, tais esforços também ecoam políticas afirmativas requisitadas pelo menos desde o fim dos anos 1970 pelo movimento negro no Brasil. Em 2021, a Universidade Zumbi dos Palmares lançou a campanha Machado de Assis Real, um abaixo-assinado para que as editoras deixem de imprimir e comercializar livros em que o escritor apareça embranquecido.
Reitor da universidade, o advogado e educador José Vicente diz à BBC News Brasil que a campanha foi realizada porque “a cada momento em que somos surpreendidos por mais um dos efeitos nocivos do racismo, que tenta apagar nossas existências, nossa história, entendemos e reafirmamos nossa missão e temos que agir”.
Para ele, o embranquecimento de Machado torna “perceptível o reflexo de como o brasileiro enxerga as pessoas negras no país, sempre as colocando em posições subordinadas e lhes tirando os próprios feitos”.
“A publicidade tem uma enorme responsabilidade com a construção do imaginário e ao reforçar estereótipos, ao embranquecer um personagem tão icônico do protagonismo negro na literatura temos a dimensão de quão doente está nossa sociedade. Não havia a possibilidade de nos silenciarmos. Como uma instituição educacional a Zumbi dos Palmares liderou ações com o viés de reparação, educação e conhecimento”, acrescenta.
“Desde o período pós-abolição não têm sido poucas as iniciativas para o embranquecimento da população negra. O processo de branqueamento pelo qual Machado de Assis veio passando diz respeito ao imaginário social que o povo brasileiro construiu em relação à população negra, que é vista como inferior e incapaz.”
O manifesto divulgado pela campanha sentenciava: “Machado de Assis era um homem negro. O racismo o retratou como branco”.
Em 2011, a Caixa Econômica Federal envolveu-se em uma polêmica ao divulgar um comercial exaltando o fato — verdadeiro — de que Machado de Assis mantinha uma caderneta de poupança no banco. O vídeo foi ao ar com uma gafe: o ator que representava o escritor era branco. A campanha foi retirada do ar, o banco desculpou-se publicamente; no ano seguinte, o mesmo material, reeditado e desta vez com um Machado de Assis negro, voltou a ser exibido.
Machado de Assis também consta em verbete da ‘Enciclopédia Negra’, livro de 2021 de Flávio dos Santos Gomes, Jaime Lauriano e Lilia Moritz Schwarcz.
E vem sendo retratado assim não só em apostilas escolares, mas também em eventos públicos, como a exposição aberta no ano passado no Engenho Massangana, no Recife, que trouxe retratos de Jeff Alan de personalidades negras brasileiras, com destaque para Machado.
Campos nota que há uma mudança na abordagem. Antes, quando se falava em intelectuais negros do século 19, Machado não costumava constar no rol que agrupava nomes como André Rebouças (1838-1898), Luiz Gama (1830-1882) e José do Patrocínio (1853-1905).
“Até recentemente ele não ocupava esse lugar. Agora, sim”, pontua ela. “No Brasil de hoje, ele é, sim, um escritor negro.”
A professora Campos lembra que, “enquanto historiadora” que se debruça sobre as questões de cor em Machado, sua função “não é arbitrar essa questão”, mas sim mostrar como há uma historicidade nessa construção. Machado de Assis ora visto como branco, como grego. Machado de Assis de cor. Machado de Assis mulato, mestiço. Machado de Assis negro.
“Há uma expressão que diz que Machado de Assis é um escritor que nos lê. Por meio dele podemos pensar uma série de questões que dizem respeito à história do Brasil, inclusive a complexidade de nossa questão racial, marcada por uma população que conheceu e conhece a miscigenação”, pontua ela.
“Também compreendemos um pouco da história da luta antirracista, da discriminação racial. Tudo por meio da identidade racial de Machado de Assis”, acrescenta.
“A reivindicação de Machado de Assis como negro é muito recente. E, insisto, do meu ponto de vista ela se explica por uma modificação do que é o próprio debate sobre raça, racismo, mestiçagem e identidade nacional. Isto levou a uma problematização dessa categoria de mulato em consonância ao mito da democracia racial”, afirma Campos. “E levou a uma modificação da compreensão da identidade racial de Machado de Assis.”
A questão, portanto, é mais complicada ainda do que saber se Capitu traiu ou não Bentinho. Estas são as memórias póstumas de Machado de Assis. E não parecem haver vencedores para ficar com as batatas.
Reportagem publicada originalmente em 28 de setembro de 2023.
Fonte: BBC; Correio Braziliense
Biografia
Liderança negra de Minas Gerais, Makota Celinha recebe título de Doutora Honoris Causa
Published
3 semanas agoon
20 de novembro de 2024By
Fato novo
Honraria será concedida no Dia da Consciência Negra; homenageada é colunista do Brasil de Fato MG
Célia Gonçalves Souza, mais conhecida como Makota Celinha, é jornalista, professora, militante, ativista social, coordenadora do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro Brasileira (Cenarab) e colunista do Brasil de Fato MG. Essas são algumas de suas nomeações, mas que não a resumem. Makota Celinha vai muito além. E, por essa razão, a Universidade Estadual de Alagoas (Uneal) concedeu a Célia o título de Doutora Honoris Causa, honraria máxima concedida pela academia a personalidades que tenham se destacado nos âmbitos da cultura, da educação ou da humanidade.
Histórias e caminhos
Célia Gonçalves nasceu em Belo Horizonte, em 1963, e é a caçula de 15 irmãos. Em entrevista ao Brasil de Fato MG, ela destaca, em diversos momentos, a importância que seu pai, Aderval Souza, teve na sua criação e na de seus irmãos.
“Meu pai foi o meu maior incentivador. Foi um entusiasta da minha militância na esquerda. Sempre muito solidário”, comenta.
Aderval era alfaiate e semianalfabeto, e foi ele quem provocou em Célia o amor pelas pautas sociais.
“Meu pai foi um dos fundadores do PT, foi um dos primeiros filiados. Sempre esteve ligado a essas pautas e fazia parte dos sindicatos. Por isso, eu também me inseri”, relembra.
No entanto, Célia revela que, mesmo com muita luta, as dificuldades continuaram sendo presentes em sua vida e na de sua família. Makota relata que seu pai era quem sustentava a família, mesmo com um salário mínimo. “A casa que nos mudamos, no bairro Nova Vista, não tinha nem telhado”.
Sua mãe era lavadeira e, assim como seu pai, era semianalfabeta. Na escola, Célia revela que era bagunceira. Gostava de conversar e fazer piadas com sua irmã gêmea, Celita Souza, mas sempre tirando boas notas.
Makota fez o magistério e se destacou em seus projetos escolares. Inclusive, uma de suas iniciativas foi vencedora de um programa internacional, que concedeu a ela a bolsa necessária para iniciar a sua etapa de estudos na faculdade com tudo pago.
“A gente era muito levada, mas sempre tiramos boas notas, nunca tomamos bomba. Tanto que eu virei professora”, brinca.
Inserção na academia
Makota Celinha foi a primeira da sua família a entrar em uma universidade, motivo de grande honra e orgulho para seu pai e outros familiares. Contudo, ela revela que passou por muitos desafios e preconceitos.
“Eu enfrentei muitos desafios. Desafio de não ter material, desafio de não ter dinheiro para uma boa bibliografia, desafio de vender pastel, coxinha e empadinha no intervalo da aula para conseguir levantar dinheiro para pagar a passagem”, relata.
Além disso, Célia foi vítima de racismo e exclusão na faculdade. “A academia sempre foi um lugar de muita exclusão, né? E a gente sempre foi muito, muito discriminado nesses espaços. Na minha sala eu era a única preta até minha formatura”, comenta. “Foi lá que eu descobri o racismo”, finaliza ela.
A partir disso, já ligada às pautas populares, ela filiou-se ao Movimento Negro Unificado (MNU) e começou a sua jornada na luta antirracista.
Makota Celinha se formou em 1989. Anos depois, em 1991, surge o Cenarab, organização que ela coordena atualmente.
O Cenarab
O Cenarab surgiu em 1991, no 1° Encontro Nacional de Entidades Negras (ENEN), com o objetivo de lutar pelos direitos do povo negro, tendo como foco principal a luta contra a intolerância religiosa, a discriminação e o preconceito. Makota está no movimento, que se organiza em 18 estados do país, desde a sua fundação.
O centro tem como compromisso “criar e apoiar ações que possam transformar a realidade das comunidades tradicionais na formação de lideranças como forma de combater a intolerância religiosa, o preconceito e a discriminação”.
A premiação
Makota será premiada com o título de Doutora Honoris Causa pela Uneal por ter se destacado na caminhada coletiva pela defesa da cultura afro-brasileira e pela preservação das tradições de matriz africana.
A cerimônia acontece no dia 20 deste mês, às 9h, na Serra da Barriga, em Alagoas, e será uma celebração pelo reconhecimento da luta por direitos do povo negro.
Fonte: BdF Minas Gerais
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