Uma operação do Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) levou a prisão de 14 policiais militares por suspeita de tortura contra um colega de farda durante o 16º Curso de Formação do Patrulhamento Tático Móvel do Batalhão de Choque (BPChoque). A denúncia do soldado Danilo Martins Pereira, 34 anos, ao MP, inclui espancamentos, socos no rosto, golpes com capacete, chutes e situações humilhantes na frente de outros policiais. Em razão do episódio, o curso foi suspenso até o encerramento das investigações e o então comandante da tropa, o tenente-coronel Cabele Teixeira das Neves, afastado. Em entrevista ao Correio, Danilo, que é lotado no Batalhão do Riacho Fundo, deu detalhes sobre as agressões e desabafa: “Não volto mais para a PM”.
Os 14 PMs alvos da operação foram presos temporariamente nas primeiras horas da manhã de ontem por integrantes da 3ª Promotoria de Justiça Militar. Além do coordenador do curso, o segundo-tenente Marco Aurélio Teixeira; os outros suspeitos presos são: Gabriel Saraiva dos Santos, Daniel Barboza Sinesio, Wagner Santos Silvares, Fábio de Oliveira Flor, Elder de Oliveira Arruda, Eduardo Luiz Ribeiro da Silva, Rafael Pereira Miranda, Bruno Almeida da Silva, Danilo Ferreira Lopes, Rodrigo Assunção Dias, Matheus Barros dos Santos Souza, Diekson Coelho Peres e Reniery Santa Rosa.
A operação, que contou com o apoio da Corregedoria da PMDF, cumpriu mandados de busca e apreensão dos celulares dos militares para a coleta de elementos de prova, além de buscas feitas na unidade militar do BPChoque, no Setor Policial (SPO), na procura por qualquer objeto apontado pela vítima para a tortura física.
As investigações começaram em 25 de abril, quatro dias depois do início do curso. Danilo chegou ao batalhão pela manhã, às 8h, e retornou para a casa por volta das 16h30, segundo ele, com “sinais visíveis de estresse físico, como vermelhidão nos braços e rosto, típicos de uma severa insolação”, detalha a decisão judicial. Ao ser questionado pela irmã, o soldado contou sobre as agressões. Disse que foi espancado com pedaços de madeira nas pernas, nádegas e tronco, chutes, socos no rosto e golpes com um capacete, que, de acordo com ele, chegou a quebrar com o impacto. Relatou, ainda, ter sido atingido com espuma química no rosto e no corpo a uma curta distância. “Logo no começo, o coordenador me colocou na frente da turma e disse: ‘Olhem para esse verme aqui. Ele vai ser desligado e quem ajudar será desligado automaticamente’”, afirmou, ao Correio.
Danilo disse ter sofrido agressões na frente de outros colegas e, inclusive, ter sido levado a locais isolados, onde os episódios de tortura continuaram. Ele teria sido forçado a carregar objetos pesados, como um sino de 50kg e uma tora de madeira, enquanto era agredido. Em outro momento, afirmou que os instrutores o submetiam a exercícios físicos, como flexões e, ao mesmo tempo, era chutado.
Além disso, os investigados teriam obrigado Danilo a correr o perímetro da unidade segurando um tronco de 15kg sobre a cabeça. “Enquanto eu corria, eu cantei, por quase oito horas, a seguinte música: ‘Eu sou um fanfarrão, eu gosto de atenção, eu sou o coach do fracasso, eu me faço de palhaço, eu envergonho a minha família, eu envergonho a minha unidade, eu sou carente e ninguém gosta de mim’”, contou.
Desistência
Após o término do primeiro dia do curso, Danilo relata ter chegado em casa atordoado, com a visão comprometida e com bastante ferimentos pelo corpo. A irmã dele tomou a iniciativa de levá-lo ao Hospital Brasília, onde a equipe médica constatou graves lesões de espancamento.
Em 25 de abril, um membro do MPDFT, acompanhado de militares do Departamento de Controle e Correição (DCC/PMDF), esteve no hospital onde a vítima estava internada. No depoimento prestado, ele afirmou que, assim que chegou para o primeiro dia de curso, o coordenador, o segundo-tenente Marco Teixeira, informou que “faria esforços para que (ele) desistisse, inclusive utilizando métodos desleais”.
O soldado afirma ter recebido do segundo-tenente uma ficha de desistência já preenchida e ter sido instigado a assinar. “Apesar das circunstâncias adversas, o depoente resistiu inicialmente, mas acabou cedendo após a série prolongada de abusos físicos e psicológicos”, detalha a denúncia. “Minha ficha era a única que estava assinada. A PM disse que foi uma desistência voluntária, mas eles sabem o que aconteceu. Se eu não tivesse desistido, eu iria morrer. O curso tinha etapa de água e eu não duvido que me matariam ali e alegariam que eu tive complicações. Eles tinham recebido uma ligação para o meu desligamento para evitar problemas”, relatou.
Segundo Danilo, além do segundo-tenente, outros dois instrutores participaram ativamente dos atos de violência. “O restante foi omisso”, declarou. O soldado atribui as agressões à inveja. “Pela vida que eu tenho nas redes sociais, pelo livro que lancei, porque sou escritor. No mês passado, por exemplo, ganhei moção honrosa na Câmara Legislativa por participar de uma operação com refém”, frisou. Questionado sobre permanecer na PM, ele desabafa. “Foi um sonho que se tornou pesadelo. Não quero de jeito nenhum continuar. Estou com meu físico e meu psicológico debilitados. Meus pais, que são idosos, estão com a saúde comprometida.”
Internação
O prontuário médico atestou que o militar sofreu queimaduras devido à exposição excessiva ao Sol, traumatismo craniano, degeneração na visão, duas lesões na lombar, insuficiência renal e rabdomiólise (ruptura do tecido muscular esquelético). O PM ficou internado por seis dias na unidade de terapia intensiva (UTI), recebeu alta, mas está com dificuldades para se locomover.
A juíza Catarina de Macedo, responsável por assinar a decisão judicial que determinou a prisão temporária dos PMs, afirma que tais fatos evidenciam a “imprescindibilidade da prisão temporária”. “No que tangue ao pedido de afastamento da função de comandante do BPChoque até o encerramento das investigações, o crime em questão é punido com pena privativa de liberdade e (…) existem nos autos prova do crime e indícios suficientes de autoria”, argumentou.
Para a magistrada, o fato de o segundo-tenente Marco Teixeira afirmar que o comandante Calebe teria dado a missão de afastar Danilo indica “ruptura do necessário vínculo de confiança que deveria existir entre a sociedade e um agente público responsável pelo manejo do monopólio do uso legítimo da força”, pontuou a juíza.
O então comandante da unidade não foi preso, mas está afastado do comando e proibido de entrar na unidade militar, bem como de entrar em contato com qualquer um dos investigados.
Apuração
O Correio tentou contato com a defesa dos PMs presos, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição. Por meio de nota oficial, a Polícia Militar do DF declarou não admitir desvios de conduta e apura os fatos de “maneira criteriosa e imparcial, observando todo o procedimento legal, permitindo a ampla defesa dos envolvidos. A Polícia Militar ressalta que, ao tomar conhecimento dos fatos, instaurou inquérito policial militar de imediato. Por fim, a corporação reforça que não comenta decisões judiciais”, pontuou.
O advogado Marcos Barrozo, que representa Danilo, argumentou que o processo está na fase de inquérito. “Se os indícios forem confirmados, o MP vai oferecer denúncia e os investigados podem ser condenados por diversos crimes, incluindo o de tortura. Nessa condição, ao ser praticado por servidor público, pode ter pena de 12 a 30 anos e perda automática do cargo.”
Na esfera cível, o advogado espera o desfecho da parte médica da vítima. “Pretendemos buscar a responsabilização do Estado, com indenizações, tratamentos. Exigimos das autoridades competentes uma investigação rigorosa e imparcial sobre o ocorrido, bem como a responsabilização dos envolvidos, sejam eles quem forem. Além disso, instamos as instituições responsáveis a adotarem medidas concretas para prevenir a ocorrência de casos semelhantes no futuro e para garantir que todos os indivíduos sejam tratados com respeito e dignidade”, finalizou.
Fato Novo com informações: Correio Braziliense
Registro de binance
13 de agosto de 2024 at 23:17
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