O estudo, publicado no dia 31 de julho, apontou que eventos de calor extremo como o registrado em julho no Mediterrâneo – que atingiu o Marrocos, deixando 21 pessoas mortas, e também Grécia, Espanha, Itália e Portugal, além da França – já não são mais raros, e devem ocorrer ao menos uma vez a cada dez anos com o clima atual (1,3ºC mais quente, na comparação com a média pré-industrial de 1850 a 1900). Sem as mudanças climáticas, a temperatura durante a onda de calor teria sido cerca de 3ºC mais baixa, apontou a análise.
Publicados nesta quinta-feira (8), os dados do observatório climático Copernicus, da União Europeia, confirmaram que a temperatura média do ar próximo à superfície terrestre em julho de 2024 foi de 16,91ºC. A cifra é apenas 0,04ºC abaixo da média de julho de 2023, o mês mais quente já registrado, e faz do do mês passado o segundo mais quente da história. Os dados de junho de 2024 encerraram, assim, a sequência de 13 meses consecutivos com as temperaturas mais altas já registradas para cada média mensal.
Os 16,91ºC de julho deixaram a média do mês 0,68ºC acima da média do mês no período de 1991 a 2020 e 1,48ºC acima da média para o mês no período pré-industrial (1850-1900). Ainda que tenha ficado atrás de 2023 – cujo verão, cabe lembrar, intensificado pelas mudanças climáticas foi turbinado pelo fenômeno El Niño, que deixou de ser registrado em junho deste ano –, 2024 registrou os dois dias mais quentes da história recente. Os dias 22 e 23 de julho tiveram temperaturas médias globais de 17,16ºC e 17,15ºC, respectivamente, superando o recorde estabelecido apenas um dia antes (17,09ºC, de 21 de julho) e também o até então vigente, de 6 de julho de 2023 (17,08ºC).
Entre agosto de 2023 e julho de 2024, a temperatura média global ficou 1,64C acima da média pré-industrial e 0,76ºC acima da média dos últimos 30 anos (1991-2020). Segundo o Copernicus, provavelmente o ano de 2024 será mais quente que o de 2023, mesmo que a temperatura média de julho tenha sido menor: “A anomalia de temperatura global do ano até agora (janeiro-julho) é de 0,70ºC acima da média de 1991-2020, 0,27ºC mais quente que o mesmo período em 2023. A média de anomalia para os meses restantes do ano teria que cair ao menos 0,23ºC para que 2024 não seja mais quente que 2023”, diz o comunicado do observatório.
A temperatura da superfície dos oceanos em julho foi de 20,88ºC, o segundo valor mais alto para o mês. Ficou atrás apenas de julho de 2023, por 0,01ºC. “O [oceano] Pacífico Equatorial registrou temperaturas abaixo da média, indicando o desenvolvimento do fenômeno La Ninã, mas as temperaturas do ar acima do oceano permaneceram anormalmente altas em várias regiões”, afirmou o Copernicus.
Na quarta-feira (7), a Organização Meteorológica Mundial (WMO, na sigla em inglês) também apresentou um panorama sobre as altas temperaturas em julho com informações sobre alguns países. “O calor extremo atingiu centenas de milhões de pessoas ao longo de julho, com um efeito dominó sentido em toda a sociedade”, escreveu no comunicado. O Japão teve a temperatura média mensal mais alta para julho desde 1898, quando os registros começaram. O termômetro marcou 2,16 °C a mais do que a média de julho para o período de 1991 a 2020 no país, o que superou o recorde de 2023. Segundo a Agência Meteorológica do Japão, o calor severo deve continuar em agosto.
A China, com dados desde 1961, e o Bahrein, com registros desde 1902, também tiveram o julho mais quente da história. O Bahrein marcou 2,3 °C a mais na média para o mês. Na Índia, o mês passado foi o segundo julho mais quente nos registros iniciados em 1901. Por outro lado, as temperaturas mínimas noturnas foram as mais altas já registradas. Na América do Sul, onde é inverno, alguns países tiveram temperaturas de verão. Os termômetros marcaram temperaturas acima de 30 °C, e até acima de 35 °C, em regiões do Brasil, Bolívia, Paraguai, Uruguai e Argentina.
Como destacou recentemente em entrevista o climatologista pioneiro Carlos Nobre, o calor sem precedentes escala acima do que previam os modelos climáticos. A persistência das altas temperaturas mesmo após o fim do El Niño – que, sozinho, não explicaria os recordes batidos – coloca a humanidade diante de um cenário novo, de aumento de temperaturas ainda sem explicação pelos modelos vigentes.
O alerta de Nobre vai na mesma direção da previsão feita pelo climatologista britânico Gavin Schmidt, chefe do Centro Goddard de Estudos Espaciais, da Nasa, em artigo de opinião publicado na revista científica Nature em janeiro deste ano. Discutindo o calor recorde de 2023, Schmidt apontou como nenhum dos fatores conhecidos – como a erupção de vulcões ou a redução de aerossóis, poluentes que atenuam temporariamente as temperaturas por formarem uma barreira à radiação solar – e nenhuma sobreposição desses fatores seria suficiente para explicar temperaturas tão elevadas, especialmente nos oceanos, antes mesmo do início do El Niño.
Para o climatologista, a hora da verdade seria justamente o segundo semestre de 2024, após o encerramento do fenômeno: caso o clima não se estabilizasse a partir de agosto deste ano, a hipótese seria de que o mundo estaria entrando em um “território desconhecido”, com a crise do clima empurrando o sistema climático a operar de maneira fundamentalmente diferente do que se sabia até então. Os dados do último mês, e a persistência de temperaturas elevadas em agosto em várias partes do planeta – como na Ásia e na América do Norte – parecem fortalecer ainda mais essa hipótese.