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Entrevista

Como proteger os territórios do neoextrativismo, do “capitalismo parlamentar” e do “Estado de intimidação”?

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Coletivo elenca políticas que agravaram destruição socioambiental no Brasil entre 2019 e 2022 e evidenciam importância dos “lançadores de alerta” e das Ciências Sociais para evitar tragédias

São muitos os números, relatos e análises que evidenciam as ações políticas executadas no Executivo e no Legislativo que permitiram às gigantes da indústria minerária intensificarem a destruição socioambiental, característica do setor, durante o último governo federal. E uma reunião robusta desses dados é encontrada em duas publicações lançadas pelo Coletivo de Pesquisa Desigualdade Ambiental, Economia e Política, formado por professores, pesquisadores e estudantes das universidades federais do Rio de Janeiro, Fluminense, Rural do Rio de Janeiro, do Recôncavo da Bahia e de Alagoas (UFRJ, UFF, UFRRJ, UFRB e UFAL).

Em “Capitalismo extrativista e Estado de intimidação – Brasil, 2019-2022” e “A contribuição das Ciências Sociais à prevenção de desastres ambientais”, o Coletivo traz um compilado de informações disponíveis em artigos científicos, relatórios de entidades não governamentais e reportagens investigativas, pontuando projetos de lei, decretos, resoluções e outros atos normativos, no Palácio do Planalto e do Congresso, que esvaziaram profundamente a participação social e a capacidade e efetividade do próprio Estado em aplicar as ferramentas de controle ambiental que regulam as atividades de mineração no país.

As publicações são resultado de pesquisas realizadas no âmbito do Projeto “O papel das Universidades e dos movimentos sociais na prevenção de desastres com barragens e no respeito aos direitos humanos em áreas atingidas por grandes projetos de mineração no Brasil”, que teve apoio de recursos da Fundação Ford.

Ao longo de dezenas de páginas, os autores elencam, com muitas tabelas descritivas e gráficos, os atos das diversas instâncias do governo federal, durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL), que vulnerabilizaram ainda mais os grupos populacionais que historicamente são mais invisibilizados, criminalizados e violentados, por ocuparem territórios visados pelo neoextrativismo, e que, ao mesmo tempo, favoreceram o crescimento dos lucros já bilionários das gigantes do setor. Os pesquisadores evidenciam que esse contexto constitui “a vigência do que se tem chamado de ‘capitalismo parlamentar’, sistema em que grandes corporações empresariais se fazem representar de forma quase imediata no âmbito do Legislativo”.

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As publicações apontam também como os danos sociais e ambientais dessa dinâmica predatória são mascarados para a sociedade por meio de investimentos maciços em publicidade na mídia hegemônica, prática que é facilitada pelo próprio fato de que, entre os maiores beneficiários da desregulamentação do sistema de normatização, licenciamento e fiscalização dessas atividades econômicas, estão empresas que lideram o mercado da tecnologia da informação e da comunicação, como Google e Microsoft.

Corpos sob ataque

Entre os inúmeros dados explicitados nas publicações, estão, por exemplo, o fato de que o Brasil é “o país mais letal para os defensores da terra e do meio ambiente, com o maior número documentado de assassinatos” desde 2012 e que, durante a gestão de Bolsonaro, “a Política de Proteção [a Defensores e Defensoras de Direitos Humanos] foi desestruturada, sofrendo cortes orçamentários, restrição na participação social e na transparência e redução da equipe e infraestrutura”. O principal alvo dessa violência em busca do controle dos territórios, sublinham, ainda é o corpo humano, principalmente de pessoas indígenas e negras (um terço das vítimas) moradoras da Amazônia (85% das mortes).

Considerando os episódios de violência no campo em todos os biomas, o caderno Conflitos no Campo, publicada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) de 2022 “mostra um crescimento de cerca de 54% dos conflitos após o golpe de 2016”, 97% deles promovida pelo capital, devido à redução no número de ocupações feitas por movimentos sociais no período. “Como principais agentes [da violência no campo], aparecem os empresários e fazendeiros; na sequência, grileiros, madeireiros e garimpeiros”.

Escazú

As publicações mostram também que, atualmente o país é “um dos que mais violam o direito à liberdade de expressão no mundo”, com uma média de 11 episódios por semana durante o ano de 2022 e com o maior patamar de ataques a esses profissionais desde a década de 1990.

Em meio a esse acirramento do que já era acima da média, o Congresso Federal ainda se esquivou de ratificar o “Acordo de Escazú”, relativo ao “Acesso à Informação, Participação Pública e Acesso à Justiça em Assuntos Ambientais na América Latina e no Caribe”, considerado “o primeiro tratado regional de direitos humanos e ambientais na América Latina e no Caribe e o primeiro instrumento juridicamente vinculante do mundo a incluir disposições sobre defensores do meio ambiente, direito de acesso à informação ambiental e de participação na tomada de decisões ambientais”.

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Cortes, “boiada” e “revogaço”

Nas páginas dos relatórios do Coletivo, estão diversas tabelas elencando centenas de medidas tomadas pelo governo federal e o Congresso – parlamentares integrantes das Frentes Parlamentares da Agropecuária (FPA) e da Mineração (FPM), especialmente – que visam facilitar a usurpação dos territórios de interesse pela indústria minerária neoextrativista e sua impunidade diante dos crimes socioambientais cometidos.

Entre elas, a “extinção de mais de 700 Conselhos (“Revogaço”); dizimação de “´programas finalísticos de reforma agrária”, com redução de 99% das verbas; corte de mais de 90% também nas “ações de reconhecimento e indenização de territórios quilombolas, concessão de crédito às famílias assentadas”; e de mais de 80% nos “programas de monitoramento de conflitos agrários e de pacificação no campo”.

STF

Por outro lado, as publicações mostram o contraponto protagonizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que exerceu “um papel importante no refreamento de algumas das medidas abusivas”, chegando a “instaurar a chamada ‘Pauta verde’ para apreciação e julgamento de um conjunto de processos ajuizados por partidos políticos que questionavam o esvaziamento das políticas ambientais”. E que, com a chegada do novo governo federal, boa parte dessas ações inconstitucionais, agrupadas na chamada Pauta Verde, teve pedido, junto ao STF, de perda total ou parcial, por parte da Advocacia Geral da União (AGU) e Ministério do Meio Ambiente, visto que não interessavam mais à nova presidência da República.

“Lançadores de alerta”

A importância das pesquisas feitas pelas Ciências Sociais para evitar tragédias evidencia a atuação permanente de personagens chamados, pela Sociologia Pragmática do risco, de “lançadores de alerta” – pessoas que denunciam os perigos e violações sofridas pelas comunidades de territórios visados pelo neoextrativismo e exigem as tomadas de providências necessárias por parte do poder público e da justiça.

“Diferentemente da figura do delator, o lançador de alerta não se posiciona numa lógica de acusação, mas pretende divulgar um estado de fato, uma ameaça danosa para o que se estima ser o bem comum, o interesse público ou geral. Eles podem despertar consciências a respeito de irregularidades em curso, bem como se antecipar ao advento de um fato indesejável, orientando sua mensagem para o futuro. As vítimas presumidas dos riscos são frequentemente coletivas, reais ou potenciais. A emissão de um alerta é, por sua vez, um processo tortuoso, situado entre dois limites: o do pedido de socorro e o da previsão de um mal, podendo tanto ser levado a sério, como ser rejeitado, denunciado, ser posto em banho-maria ou suscitar uma controvérsia entre peritos”, explicam os autores.

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Dez casos emblemáticos

O maior crime socioambiental da mineração mundial, eclodido em novembro de 2015 em Mariana/MG, com o rompimento da barragem de Fundão, da Samarco/Vale-BHP, é uma das dez tragédias estudadas pelos pesquisadores, que inclui ainda os seguintes casos: Mineração Paragominas em Jambuaçu; TKCSA; Serra do Gandarela; Estrada de Ferro Carajás; Projeto S11D; Onça Puma; Salobo; Sossego; e Brumadinho.

Da análise, foram identificadas 15 categorias de danos presentes nos dez casos: Poluição atmosférica; Poluição de recurso hídrico; Poluição do solo; Poluição sonora; Alteração do regime tradicional de uso e ocupação do território; Ausência ou irregularidade na autorização ou no licenciamento ambiental; Assoreamento de recurso hídrico; Erosão do solo; Desmatamento e/ou queimada; Contaminação ou intoxicação por substâncias nocivas; Alteração do ciclo reprodutivo da fauna; Invasão e danos causados em área protegida ou unidade de conservação; Implicações raciais nos impactos; Ausência de Consulta Prévia, Livre e Informada (Convenção nº 169 OIT); e Alagamento/Inundação.

Ao longo da publicação, os pesquisadores organizam uma série de dados que mostram o aspecto inquestionável de “tragédia anunciada” presente em cada um dos casos analisados. Sobre a Samarco, por exemplo, informações públicas já davam conta de que “entre 2011 e 2014, uma elevação em 260% do número de acidentes de trabalhos, indicando uma tendência de deterioração ampliada das condições de trabalho”.

Racismo ambiental

Há ainda os dados de racismo ambiental, como o fato de que, “entre 2013 e 2014, a Samarco aumentou em 50% seu consumo de água” e de que “no mesmo período, o município de Mariana viveu uma situação crítica de escassez hídrica, que culminou no estabelecimento e intensificação de uma política de rodízio de abastecimento, o que demonstra um privilégio ao uso industrial em detrimento do consumo humano”.

Ou a percepção de que a população negra foi a mais afetada pelo desastrem como ilustram artigos referenciados na publicação, informando percentuais acima de 60% de população negra em algumas das comunidades mais próximas da barragem rompida e, consequentemente, mais imediata e drasticamente atingidas pela lama, como Bento Rodrigues (população 85% negra, a 6km da barragem); Paracatu de Baixo (80% e 40 km); Gesteira (70,4% e 62 km); e Barra Longa (60,3% e 76 km).

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A reportagem de ((o))eco conversou com o coordenador geral do projeto, Henri Acselrad, professor colaborador do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ (IPPUR/UFRJ), e com Juliana Neves Barros, professora do Centro de Cultura, Linguagens e Tecnologias da UFRB, sobre os caminhos que as publicações apontam para qualificar a luta para tornar a mineração uma atividade econômica menos predatória, a partir da aplicação efetiva da legislação e das políticas públicas. Confira trechos das entrevistas a seguir:

((o))eco: O caso Samarco mostra que antes de Bolsonaro já havia desleixo do governo federal com fiscalização de barragens. O que mudou e o que permanece, a partir de 2023, com a terceira gestão de Lula?

Henri Acselrad: O modelo de desenvolvimento que se estabeleceu no Brasil desde o início dos anos 2000 reflete uma articulação entre processos de reprimarização e de financeirização da economia. Costumamos chamar de neoextratista ao modo de inserção internacional subordinado de economias da periferia do capitalismo global caracterizado pela especialização exportadora em bens intensivos e recursos naturais e a apropriação de rendas extraordinárias por grandes corporações extrativas e financeiras. Este modelo se constitui no contexto de relações internacionais que reservam aos países da periferia do capitalismo global – como o Brasil – o papel de utilizar seu território para produzir bens exportáveis que contribuem para degradar seus recursos em água, fertilidade do solo e biodiversidade. No entanto, ao mesmo tempo, pretende-se que estes países criem áreas protegidas que possam compensar as emissões de gases-estufa dos países mais industrializados.

Ora, sabemos que o governo brasileiro do período 2019-2022 se esmerou em estimular a função exportadora e degradante, ao mesmo tempo em que desmontou as agências de proteção ao meio ambiente, paralisando também os projetos de reconhecimento e demarcação de terras indígenas, quilombolas e de criação de unidades de conservação. O governo eleito em 2022 tem buscado reconstituir o sistema institucional de proteção ambiental e melhorar suas performances em termos de imagem internacional. Tem investido em ações de contenção do desmatamento na Amazônia, embora não tenha conseguido limitar o avanço das atividades degradantes no Cerrado. Ele age, por certo, no sentido de melhorar a imagem ambiental do país, mas não parece abrir mão do apoio à ocupação do território por monoculturas de exportação e à expansão da fronteira da grande mineração. O modo de inserção do Brasil na economia internacional em nada mudou, consagrando uma divisão internacional desigual das atividades poluidoras que se apoia numa distribuição mais que proporcional de riscos – como o de barragens, contaminação de rios, grilagem de terras públicas e invasão de terras indígenas – sobre os grupos sociais de baixa renda, em particular populações não brancas de países do Sul global como o Brasil. A resistência a este modelo passa por proteger as terras e territórios de pequenos produtores agroecológicos, povos indígenas e tradicionais, de modo a que possamos aprender com eles meios de substituir o modelo agroquímico monocultural e abandonar as dinâmicas extrativas que reproduzem velhas relações coloniais.

O governo eleito (…) tem investido em ações de contenção do desmatamento na Amazônia, embora não tenha conseguido limitar o avanço das atividades degradantes no Cerrado. Ele age, por certo, no sentido de melhorar a imagem ambiental do país, mas não parece abrir mão do apoio à ocupação do território por monoculturas de exportação e à expansão da fronteira da grande mineração

Henri Acselrad

Entre esses mestres populares com que a ciência, juristas, legisladores e gestores públicos precisam aprender formas mais inteligentes e sustentáveis de viver em sociedade, estão os “lançadores de alerta”, figuras que, historicamente, sempre cumpriram seu papel de de denúncia e anúncio, dentro de um contexto ideal de respeito ao princípio da prevenção e precaução, mas que, afora as pesquisas e publicações das ciências sociais e do jornalismo independente, são sistematicamente silenciados pelo capital. Como é possível fazer com seus alertas serem considerados nas tomadas de decisões e definições de políticas públicas? 

Henri Acselrad: Sim, as práticas portadoras de risco, que ameaçam a estabilidade ecológica das atividades de terceiros, podem e devem ser alteradas em função da denúncia dos danos que elas geram quando estes danos são percebidos e denunciados pelos grupos que são por elas atingidos. Mesmo antes de qualquer estudo técnico sobre riscos e danos das práticas de transformação do meio ambiente em grande escala – como monoculturas, grandes projetos industriais, barragens, oleodutos, minas, polos eólicos etc. – o princípio de precaução indica que se ouça as populações potencialmente atingidas. Se isto tivesse sido feito, não teria havido o desastre da Samarco no Rio Doce. Se se tivesse apreendido com este desastre, teriam sido ouvidos os alertas que apontavam o risco de rompimento da barragem I do Córrego do Feijão, no município de Brumadinho, que ocorreu quatro anos depois do da Samarco. O saber ecológico espontâneo das populações que vivem e trabalham nos espaços afetados por estes projetos deve ser considerado e legitimado como indicador primeiro da possibilidade de ocorrência de danos e desastres. Toda a proteção da integridade de uma bacia como a do Rio Doce, por exemplo, depende de que se dê atenção à vigilância localizada dos moradores de Bento Rodrigues, que foram os primeiros a terem suas vidas viradas pelo avesso em razão do que certos autores chamam de “irresponsabilidade organizada” – própria ao modelo neoextratista.

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Depois de um curto tempo com três grandes desastres de alcance mundial – Samarco/Vale no Rio Doce; Vale em Brumadinho; e Braskem em Maceió – há um terreno mais propício para que os alertas consigam “constranger” as empresas e os governos a mudarem de postura?

Henri Acselrad: Após quase uma década desde o desastre ocasionado pela Samarco, Vale e BHP na bacia do Rio Doce, persistem inúmeros problemas relacionados à segurança e fiscalização das atividades de mineração, assim como aos impactos contínuos nas comunidades atingidas. Do ponto de vista legislativo, diversas medidas foram propostas, a partir da mobilização popular, mas nem todas se materializaram. Destacam-se, no âmbito nacional, a aprovação da Política Nacional de Segurança de Barragens (Lei nº14.066/2023) e a Política Nacional de Direitos das Populações Atingidas por Barragens (Lei nº14.755/2023), além das legislações estaduais, em Minas Gerais, como a Lei Mar de Lama Nunca Mais (Lei nº. 23.291/2019) e a Política Estadual dos Atingidos por Barragens (Lei nº 23.795/2021), todas surgidas após o desastre em Brumadinho.

No entanto, o PL 2985/2019, que define normas gerais para o licenciamento ambiental de empreendimentos minerários, e que poderia garantir maior participação, controle social e segurança às atividades minerárias, ainda não foi votado. No que diz respeito à responsabilização e à reparação dos danos provocados por esses desastres, cabe assinalar que as estratégias empresariais foram variadas. No caso do desastre na bacia do Rio Doce, houve uma espécie de empresariamento da gestão da reparação a partir da criação e da atuação da Fundação Renova. Essa entidade, criada para executar os programas ao longo da bacia, não garantiu participação da população atingida, bem como atuou em diversos momentos prioritariamente de forma a reduzir os custos do processo de reparação para as empresas que causaram os danos, bem como buscou proteger essas empresas dos possíveis prejuízos à sua imagem, por meio de grandes investimentos em marketing e publicidade.

Em Brumadinho, ainda que a solução encontrada tenha sido distinta, o Acordo assinado pelas instituições de justiça e pelo governo do Estado não garantiu mecanismos concretos de participação popular, e, como denunciado por organizações e movimentos sociais, parece ter atendido a interesses eleitorais, mantendo diversas comunidades e territórios à margem do processo de reparação. Como dizem representantes dos atingidos, “é nos silêncios que as barragens rompem”. A “sirene social” – decorrente da percepção coletiva da sociedade – deve, portanto, tocar o alerta e fazer barulho suficiente para chamar governos e empresas à responsabilidade.

Há outros caminhos possíveis de compensação dos danos provocados e para evitar que novos avanços autoritários ocorram no país, ainda sob o jugo do capitalismo extratista?

Juliana Neves Barros: Primeiro, é preciso dizer que quando nos referimos, na pesquisa, à associação entre autoritarismo político e de mercado como uma dinâmica de poder própria do capitalismo extrativista, entendemos que essa dinâmica atravessa governos, conjunturas, ainda que com graus diferenciados de força. Basta nos lembrarmos aqui do que foi o processo de votação do Código Florestal em 2012, de flexibilização do licenciamento ambiental que já se observa há mais de uma década, do histórico de implantação autoritária de grandes empreendimentos sobre os territórios de populações locais, do enraizamento dos mecanismos de grilagem de terras, da ação de milícias e da impunidade da violência no campo que faz com que o Brasil ocupe o topo no ranking de assassinato de defensores de direitos humanos ligados à luta pela terra e à defesa do ambiente, conforme apresentado em vários relatórios anuais, mas cito aqui pesquisa publicada recentemente pela Global Witness com dados referentes à última década. Então, o que chamamos de capitalismo extrativista pressupõe uma lógica de reprodução e acumulação de capital baseada numa divisão de papéis dentro do sistema-mundo, organizada a partir da hierarquização racializada de corpos, territórios, ambientes humanos e não humanos, que passam a ter sua existência subordinada aos interesses daqueles colocados em posição superior; essa estrutura é um legado da condição colonial e pauta a relação entre países chamados centrais e periféricos, bem como se reproduz internamente na relação entre regiões, populações brancas e não-brancas, que mobilizam categorias de raça, etnia, gênero, origem, classe, para naturalizar desigualdades  e opressões.

Isso é importante para assentar a complexidade e profundidade do desafio em termos de mudança, de alcance da justiça, mas não para afastar o poder de agência das pessoas, dos coletivos, das organizações e movimentos que almejam transformar esse estado de coisas. A ação política é capaz de mudar a direção e a força  dos ventos e é interessante observar como cada vez mais essas vozes críticas percebem que é necessário a atuação e reflexão articulada contra um conjunto de opressões que se interligam; é preciso ser multidimensional no discurso e na prática, falar de degradação ambiental, racismo, heteropatriarcado, privilégio branco, pobreza, colonialismo, do modo que se co-constituem no capitalismo; ser interseccional nas lutas, como nos propõe Ângela Davis. Claro que há o outro lado: o crescimento da extrema direita no mundo, ancorada por forças ligadas ao liberalismo econômico, e essa ambiência de intimidação em relação àqueles que lutam por liberdades e justiça. Isso sinaliza senão o acirramento dos conflitos. No caso do Brasil, e que é o contexto de nosso relatório de pesquisa, tratamos de buscar as conexões entre um governo de inspiração autocrática, como foi o governo Bolsonaro, com um discurso escancaradamente antiambientalista, e que empreendeu um mandato destrutivo em termos de direitos e políticas públicas, com os interesses de um capital extrativo que quer mascarar suas práticas por meio da propaganda do desenvolvimento sustentável e do compromisso social. A eleição de Lula em 2022 retoma outros espaços de participação, debate, significa uma abertura maior do que chamamos esfera pública, mas a responsabilização dessas empresas guarda desafios grandes, tendo em vista  a articulação e a sofisticação das estratégias que lançam mão para ocultar/negar os danos que produzem, que vão desde o lobby junto à opinião pública e veículos de mídia, aos 3 poderes, destacando-se o financiamento indireto de bancadas parlamentares como a ruralista, por exemplo, até à  autorepresentação de seus interesses na ocupação da máquina estatal.

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Onde você entende que residem as maiores dificuldades para a responsabilização efetiva das empresas em relação aos seus crimes? 

Juliana Neves Barros: Acho que um dos principais aspectos a serem denunciados é a retórica da legalidade assumida pelas empresas, baseada em diversas práticas que visam a legalização do ilegal. A síntese dessas práticas encontra-se bem resumidas nas conclusões do relatório: “Ao lado de TACs [Termos de Ajustamento de Conduta], moratórias, compromissos internacionais em não obter produtos de áreas desmatadas, o levantamento de dados aponta a persistência renovada de mecanismos que buscam dar ares de legalidade a práticas criminosas, estimuladas pelas relações comerciais no mercado global de commodities, como a grilagem verde, amplamente utilizada na cadeia da soja, a lavagem de gado ou boi-pirata, presente na cadeia de fornecimento e exportação da carne, a atuação dos petroleiros piratas, que dificulta a identificação e responsabilização nas situações de vazamento e em diversos outros crimes ambientais praticados pela indústria petroleira, a lavagem de ouro no garimpo ilegal, que camufla a origem do produto a partir da invasão de terras indígenas e unidades de conservação, as práticas de arrendamentos em terras indígenas disfarçadas de cooperação agrícola”, a contratação terceirizada de milícias para atuarem no controle do território, entre outras práticas.

(…) um dos principais aspectos a serem denunciados é a retórica da legalidade assumida pelas empresas, baseada em diversas práticas que visam a legalização do ilegal

Juliana Neves Barros

Além disso, as corporações investem em estratégias variadas de ocultação dos passivos sociais e ambientais, que passam pelo controle sobre informações técnicas especializadas, pela disseminação da dúvida e desqualificação das denúncias com argumentos pseudocientíficos, além de impulsionarem a expulsão de comunidades e grupos a partir da manipulação do discurso da segurança e das condições ambientais inadequadas, como vem ocorrendo com as contaminações químicas em áreas pesqueiras e áreas contíguas às barragens de mineradoras. A fragilização das ações de controle e fiscalização corroborou também o quadro de normalização da impunidade corporativa”.

Constranger as empresas e governos é uma forma de mudar um pouco o estado das coisas?

Juliana Neves Barros: Mesmo com todas as denúncias já realizadas, o testemunho recente de tragédias como o que a Vale fez em Brumadinho e Mariana, a Braskem em Maceió, a indústria petroleira no litoral do Nordeste, o crime organizado do latifúndio no território Pataxó Hã-Hã-Hãe e em tantos outros territórios tradicionais, ainda se insiste em difundir o imaginário desses agentes como heróis nacionais, que sustentam nossa economia e não podem sofrer qualquer tipo de freio. Então, sem dúvida, voltando à sua pergunta, os caminhos possíveis passam por essa mudança na relação entre Estado e empresas violadoras, garantindo mais regulamentação, mais controle e fiscalização, mais seriedade e responsabilidade com os direitos da população ameaçada ou atingida. A segurança jurídica nos territórios também é uma frente importante, assim demarcação e homologação dos territórios indígenas, quilombolas, pesqueiros, das áreas de assentamento, é uma pauta prioritária para a proteção dos povos e da biodiversidade. Tudo isso é que vai contribuir tanto para uma perspectiva de prevenção, no sentido de evitar os tais danos, quanto de reparação, no caso daqueles já ocorridos. Mostrar que aqui, ao contrário do que propagaram os portugueses no início da colonização, não é terra nuliuus, ou seja, não é terra de ninguém para satisfazer a cobiça sem limites dos agentes econômicos.

Outro caminho é a mobilização política através de campanhas internacionais, como bem fazem os povos indígenas, capazes de constranger possíveis financiadores da cadeia global de destruição, como também o Estado brasileiro. Por fim, esse Estado só vai assumir uma face mais regulamentadora da ação das empresas na medida em que for constrangido a tanto pela atuação dos grupos sociais, pela mobilização e disputa que se faz nas mobilizações de rua, nas ações diretas, nos espaços institucionais de participação, na disputa da opinião pública, nas articulações nacionais e transnacionais das lutas. Surpreendeu-nos, cabe dizer, a capacidade de mobilização e produção de informação de coletivos, redes e organizações não-governamentais no Brasil durante o governo Bolsonaro, mesmo com toda a censura e fechamento da esfera pública que o período representou. Existe uma tradição de resistências no nosso país que a gente tem o dever de lembrar, reconhecer e acionar para imaginar e construir futuros.

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De que forma a academia e a imprensa podem colaborar para construir um cenário para saudável e justo daqui para frente?

Juliana Neves Barros: A academia e a imprensa são espaços privilegiados de produção de informação e, ainda mais a imprensa, de circulação e formação de opinião pública. A produção científica na academia é pauta de disputas, claro: às empresas interessam interferir na produção das Universidades de modo a esvaziar críticas e contestações aos possíveis efeitos negativos de seus projetos. E tentam fazê-lo sobretudo através da pauta do financiamento privado de pesquisas. Mas há um outro lado, representativo de uma produção cientifica mais autônoma, que tem realizado estudos e pesquisas muito consistentes que nos alertam sobre os riscos de determinados empreendimentos e processos produtivos à saúde, ao ambiente, à qualidade de vida das populações. Esses pesquisadores infelizmente têm sofrido várias formas de constrangimento e assédio processual. Assim, do ponto de vista da academia, entendo que prezar pela autonomia da produção cientifica, pela liberdade de pesquisa, é um primeiro ponto, que passa inclusive pela garantia do financiamento público. A outra é a popularização do conhecimento cientifico, a circulação do que é produzido e numa linguagem mais acessível, despida dos jargões tecnicistas e empolados que tradicionalmente marcam o confinamento da linguagem acadêmica.

Já a imprensa, a grande imprensa, precisa estar mais comprometida com a qualidade da informação e o debate público de assuntos que tem camadas complexas de abordagem. Normalmente, os temas são simplificados ao extremo e enviesados em torno de polarizações que passam longe da realidade; há muito mascaramento. Basta ver como o agronegócio é blindado na grande mídia, como é abordado nas novelas, como nas situações de crimes ambientais a identificação/o nome das corporações sequer é mencionado, como ainda é forte a perspectiva de desqualificação e criminalização da ação dos movimentos sociais, como os fatos são comunicados numa avalanche de associações informacionais e emocionais que nos compele ao automatismo, à recepção irrefletida, à desafetação pelo que se passa, como as situações de violência e violações, quando retratadas, são tratadas como um evento excepcional… Penso que, sim, é preciso democratizar a mídia televisiva, quebrar monopólios, porque essa “desinformação” em massa não acontece à toa, está atrelada à concentração de poderes e articulação de interesses: o grupo que é proprietário da rede de TV também é proprietário de imensas extensões de terras e está ocupando cargos estratégicos na máquina pública; recebe recursos vultosos por publicidade de empresas cujas práticas jamais serão questionadas… Cabe ainda reconhecer o papel que a imprensa chamada de alternativa vem cumprindo, o jornalismo investigativo que muitos veículos vêm se propondo a fazer, cujos resultados são disponibilizados nas redes sociais; o alcance ainda infelizmente é pequeno se comparado à mídia televisiva, mas muita informação boa, consistente, fruto de reportagens investigativas muito corajosas, tem sido produzida. E vem contribuído para fazer avançar a crítica e democratizar o acesso à informação, dar mais visibilidade a perspectiva daqueles grupos recorrentemente silenciados nos espaços de poder. Cito o trabalho de sites como De Olho nos Ruralistas, Agencia Pública, O Eco, Observatório da Mineração, Repórter Brasil, entre tantos outros.


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Distrito Federal

Entrevista: reitora eleita da UnB pontua principais desafios da gestão

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Rozana Naves foi escolhida com 64% dos votos para comandar a próxima gestão da UnB, que afirma que vai focar em uma gestão democrática

Na primeira entrevista após ser eleita próxima reitora da Universidade de Brasília (UnB), Rozana Naves, elencou ao Metrópoles quais os principais desafios que terá nos quatro anos frente à instituição de ensino superior. A docente diz que aposta em uma gestão democrática e participativa, com foco em mecanismos como audiências públicas e interlocutores para a comunidade.

“Pensamos na universidade como palco desses grandes debates, das discussões, dos grandes temas de interesse nacional, internacional”, disse. “É uma ação assim que está no nosso radar e que a gente pretende tornar permanente, viabilizando assim um maior engajamento da comunidade nos nossos processos democráticos internos e também no país”, completou.

Rozana também abordou a questão do orçamento, incluindo a intenção de implementar um sistema participativo, e a necessidade de buscar recursos externos para projetos como novos alojamentos e reformas nos já existentes.

“A gente tem observado que há espaço orçamentário para realizar reajustes na assistência estudantil”, afirmou. “Esse é um caso que pode ser colocado para a consulta estudantil”, exemplificou a reitora eleita.

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Para Rozana, uma das prioridades é o investimento em infraestrutura nos campi, com apoio a obras de contenção de chuvas, que têm causado alagamentos frequentes em laboratórios da universidade.

A professora defende a parceria Governo do Distrito Federal (GDF) no projeto “Drenar” para lidar com o grande volume de água proveniente das chuvas. “Um outro ponto seria a substituição do asfalto dos estacionamentos por blocos permeáveis”, acrescentou,

A reitora eleita também fala em obras para acessibilidade física dentro da Universidade de Brasília, especialmente nos acessos aos prédios.

Outra proposta é a reforma dos alojamentos estudantis. Em abril, o Ministério Público Federal (MPF) investigou suposta omissão da Universidade de Brasília (UnB) de garantir moradia digna aos estudantes de graduação.

“Pelo volume de reformas necessárias, será muito difícil executá-las com o orçamento discricionário da universidade. Então, para esse tipo de reforma, vai ser necessário buscar recursos novos, talvez na forma de emendas parlamentares”, disse.

A professora criticou o fato das construções dos alojamentos não estarem incluídas no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal. Em relação ao orçamento, Rozana destacou que a universidade ainda depende da aprovação do orçamento de 2025 pelo Congresso Nacional, prevista para fevereiro ou março do próximo ano.

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Na entrevista, a reitora eleita também discute a situação do calendário acadêmico, impactado pela greve recente, e a necessidade de regularizar a situação.

Eleição

Na quinta-feira (5/9), a professora Rozana Naves foi eleita a nova reitora da Universidade de Brasília (UnB) e assumirá a gestão da instituição de ensino superior de 2024 a 2028. Representante da chapa “Imagine UnB: Participar e Transformar”, ela recebeu a maioria dos votos no segundo turno do pleito, contra Olgamir Amancia Ferreira. O vice-reitor eleito é Márcio de Farias.

Ao todo, foram computados 8.163 votos. Desses, 5.287 foram às urnas a favor de Rozana (64,98%), enquanto 2.876 votaram em Olgamir (35,02%). A porcentagem de abstenção foi semelhante à do primeiro turno, somando 84,4% dos 56.431 professores, alunos e técnicos aptos a votar, mas que não o fizeram.

Rozana Naves – professora e pesquisadora do Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas (LIP)

Rozana Naves é professora e pesquisadora do Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas (LIP). Foi diretora do Instituto de Letras e atuou como decana de Administração, além de ter sido coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Linguística.

O vice de Rozana é o professor Márcio Muniz. Ele é formado em engenharia pela Universidade Federal do Ceará, tem mestrado pela PUC-RJ e doutorado pela Swansea University, Inglaterra. Eles está há 38 anos na Universidade de Brasília. Ao longo desses anos foi diretor, vice-diretor e coordenador de pós-graduação e de extensão da Faculdade de Tecnologia.

Como funciona

A próxima etapa será a inscrição das candidatas ao cargo de Reitora, na Secretaria dos Órgãos Colegiados (SOC), em 10 de setembro de 2024. Em seguida acontece a elaboração da lista tríplice pelo Conselho Universitário (Consuni) da UnB, em 13 de setembro de 2024. A lista tríplice será encaminhada ao Ministério da Educação e ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), responsável pela nomeação da Reitora.

Historicamente, o candidato mais votado nas consultas da UnB é nomeado reitor pelo Presidente da República. A expectativa é que Rozana assuma a gestão em novembro.

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Leia entrevista na íntegra:

Jade: Bem-vindos a mais um Metrópoles Entrevista. Meu nome é Jade de Abreu e hoje vamos conversar com a reitora eleita da Universidade de Brasília. Rozana Naves, que venceu o pleito com uma vantagem superior a 2 mil votos da adversária, Olgamir. Rozana é professora e pesquisadora do Departamento de Linguística Português e Línguas Clássicas (Lip), foi diretora do Instituto de Letras e atuou como decana na administração, além de ter sido coordenadora do Programa de Pós-Graduação de Linguística. Certo, professora? Primeiro, parabéns pela vitória, parabéns pela campanha e obrigada por ter vindo aqui logo depois de ter ganhado as eleições. Eu sei que foi uma rotina muito grande, então muito obrigada pela sua participação hoje com a gente aqui no Metrópoles.

Rozana: Eu é que agradeço pelo convite. É um prazer reencontrá-la desde ontem na cobertura. Você que foi egressa do nosso curso de Letras também. E obrigada ao Metrópoles pelo convite à audiência que está nos acompanhando. Estou à disposição de vocês aqui nesta tarde.

Jade: Pefeito, professora! Primeiro eu gostaria de saber quais são as principais ações a partir de que começar a gestão dentro da reitoria.

Rozana: Primeiro, agradecer e deixar aqui o meu agradecimento à comunidade da Universidade de Brasília. Nós ontem tivemos mais uma ação desse processo democrático que se constitui de várias fases, várias etapas. Foi o segundo turno com a participação dos três segmentos. Nós tivemos a alegria de poder contar com a maior votação nos três segmentos, com uma diferença significativa e em particular entre técnicos, mas também entre estudantes e docentes.

Isso demonstra a capacidade da universidade de realizar processos democráticos, o que é muito importante para o nosso país. Eu estou falando disso porque justamente uma das ações centrais do programa de gestão que a gente apresentou à comunidade é o da gestão democrática e participativa. Esse é um eixo transversal do programa, porque a gente tem observado uma certa desmotivação da comunidade, em geral, mas acho que da população como um todo em relação às pautas que envolvem o engajamento político e a própria discussão sobre democracia, defesa com incondicional dessa democracia que a gente tanto quer.

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As universidades têm sido um baluarte aí na sustentação da nossa democracia. Então a gente entende que esse exercício democrático no processo de consulta para reitoria, mas na convivência, no convívio diário da universidade, é algo muito importante de ser implementado. Então, pensar a universidade como palco desses grandes debates, das discussões, dos grandes temas de interesse nacional, internacional, é uma ação assim que está no nosso radar e que a gente pretende se tornar permanente, viabilizando assim um maior engajamento da comunidade nos nossos processos democráticos internos e também no país.

Jade: Nesse sentido mesmo, como vai funcionar uma gestão participativa? Tantas pessoas opinando como é que vai ser algo para que a gente vai conseguir gerir? Como funciona na prática?

Rozana: Bom, a gente pretende criar alguns mecanismos de participação mais efetiva da comunidade. A gente tem plena consciência de que a universidade atua e delibera na forma do seu regimento Interno, ou seja, por uma democracia representativa dos seus colegiados superiores, mas também nos colegiados das unidades acadêmicas. Mas há vários mecanismos que a gente pode implementar para possibilitar que toda a comunidade participe efetivamente dos processos decisórios, especialmente aqueles que implicam uma ampla abrangência das políticas em relação à nossa comunidade.

Por exemplo, o dispositivo das audiências públicas. Mas não apenas para que elas constem dos processos administrativos, mas como instrumentos a partir dos quais são criadas as políticas e não o inverso, não é? Não se trata de criar políticas e colocar em consulta pública, mas é trabalhar com o resultado das consultas públicas na implementação das políticas. Nós tivemos essa experiência na elaboração do planejamento estratégico do Decanato de Administração, que foi construído com ampla participação tanto da equipe do decanato como da comunidade interna e da comunidade externa, que fazia a relação com o decanato de Administração.

Então, esse é um dos mecanismos, mas a gente também pretende criar junto ao gabinete da Reitoria, interlocutores ou segmentos que possam trazer diretamente ao gabinete as demandas dos segmentos em específico e, com isso, também possibilitar um acesso maior da comunidade. E a reitora, então, criar mecanismos de maior interlocução entre a reitoria, o gabinete e a comunidade diretamente. Isso é importante pra nós, porque a nossa candidatura foi construída pela base. Nós nos constituímos como um grupo de docentes, técnicos e estudantes que elaborou o programa que trabalhou na proposição da candidatura. Então, é uma candidatura genuinamente UnB. E isso nos deu muito orgulho durante o processo e é assim que a gente quer continuar construindo as políticas da universidade.

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Jade: Não só em questões políticas. Isso vai mexer também na questão do orçamento. O orçamento também vai passar por uma análise participativa e por opiniões de diversos segmentos. É isso mesmo? Vai ser na mesma linha, audiências públicas?

Rozana: É isso mesmo. A gente pretende desenvolver também instrumentos tecnológicos, um pouco de uso da inteligência artificial que a gente já tentou implementar um pouco na campanha, experimentar e, a partir desses mecanismos, recolher informação da comunidade a respeito daquilo que ela acha prioritário em termos de execução dos nossos recursos públicos e também de ampliação desse orçamento.

Em outras áreas, por exemplo, a gente deve captar recursos via emenda parlamentar, via captação externa para projetos. Quais são os temas estratégicos que a Universidade de Brasília pretende contribuir para o desenvolvimento do país, para o desenvolvimento, inclusive em âmbito internacional, para sua projeção internacional? Então, a comunidade se manifestar sobre esses temas é muito importante para orientar estrategicamente as ações da gestão.

O orçamento participativo visa, por exemplo, priorizar que ações poderão ser desenvolvidas com nosso orçamento próprio, com orçamento discricionário, que é oriundo do Ministério da Educação e aquilo para o que a gente precisa captar emendas durante o processo de campanha e mesmo na pré campanha, vários temas foram surgindo e a gente foi conduzindo já antecipadamente à comunidade ou sugerindo a eles que se manifestassem mesmo em torno de priorizações, por exemplo, o segmento estudantil.

Eles têm um leque imenso, imenso de demandas e são capazes de hierarquizar, de reconhecer complexidade, algumas ações e outras menos complexidade. Então eles conseguem fazer essa análise e a gente vai conversar com eles nesse sentido.

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Jade: Perfeito, professor. A senhora vai assumir. É bom a expectativa de que assuma, porque também vai passar pela consulta e avaliação. Depois ela passa para o presidente Lula, que deve chegar em novembro, quando realmente assumirá a gestão. Dentro desse primeiro. Nesse início desse primeiro momento, já vai ter esse orçamento participativo ou funciona da mesma forma no governo federal? Ainda é com o governo anterior que faz a LOA. Faz toda a questão das diretrizes orçamentárias do ano seguinte. Como é que funciona dentro da nossa diretoria?

Rozana: É uma ótima pergunta, que me permite explicar também um pouco para a comunidade como é que se dá esse processo de nomeação de uma reitora ou de um reitor? Então, um processo de consulta à comunidade. Ele é organizado pelas entidades representativas dos três segmentos docentes, estudantes e técnicos e daí geram nomes para uma lista tríplice que é aprovada no âmbito do Consuni [Conselho Superior Universitário].

Como é que está previsto isso na Universidade de Brasília? O Consuni já se reuniu anteriormente e deliberou que na próxima terça-feira (10) serão feitas as inscrições dos nomes de candidatos a reitores. No caso, porque fomos só mulheres no processo e a partir dessa inscrição os nomes são levados à reunião do Consuni, que ocorrerá na sexta feira (13).

Com esse processo constituído, os nomes referendados pelo Consuni e, em geral, segue-se a escolha da comunidade, ou seja, o resultado do processo de consulta é a lista. O processo todo é administrativo e formalizado e encaminhado ao Ministério da Educação com 60 dias de antecedência em relação ao fim do mandato da atual reitora. Então, o mandato termina em finais de novembro, quando a gente vai poder realmente assumir nesse intervalo.

A gente deve reconstituir junto da reitoria uma equipe de transição e aí é que a gente vai tomar pé realmente da situação e nos apropriarmos dos dados e fazermos o planejamento do próximo ano. Significa que a gente já vai estar no final do ano orçamentário. Então, para esse ano, claro, a gente vai executar o que estiver previsto. Não vamos ter muito tempo para reformulações, mas eventualmente a gente já vai ter tempo para iniciar um processo de consulta à comunidade, pensando nas ações do ano seguinte.

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O orçamento de 2025, que deve ser aprovado como de praxe, por volta do mês de fevereiro e março pelo Congresso.

Jade: Falando em calendário, também a senhora assume, a partir de um momento em que veio uma greve que mexeu com o calendário estudantil, que já vinha também um pouco afetado pela. Ouvi de agora que estava começando a entrar nos eixos o semestre de começar a funcionar como um semestre, mesmo o primeiro semestre. Segundo semestre, porque até então estava em um semestre, você tinha dois.

Assim, um dos dois turnos de janeiro a janeiro a julho, junho, você pegava dois semestres porque tava bem apertadinho. Falar isso pro pessoal que às vezes não conheceu a dinâmica dentro da UnB nesse período. Então foram uns três anos, pelo menos, de muito cansaço estudantil e dos professores, porque vinha de um semestre atropelado, pouco tempo de férias, voltavam semestre a pouco, tempo de férias.

Veio a greve quando normalizou. Passou um pouquinho e veio a greve, que estendeu novamente o primeiro semestre, terminando agora em setembro. Isso como que vai assumir e lidar também com esse calendário, com esse cansaço, com toda essa luta, uma certa frustração. Tem uns que estão para formar e tiveram um atraso. Como que seu olhar sobre isso? Professor?

Rozana: Olha, meu olhar é sempre otimista sobre a reação da comunidade. É verdade que a gente tem ouvido já bastante relatos de professores e de estudantes dizendo sobre o quão longo está esse semestre, porque a gente interrompe ali para o período da greve. Claro que é também importante dizer que a greve é um instrumento legítimo de reivindicação dos direitos. Houve agravados técnicos e também dos professores e alguns estudantes. Também de centros acadêmicos que apoiaram esse movimento. Mas é evidente que alongar o semestre traz um cansaço, porque tira todos da rotina. E isso também explica porque que a gente está agora num intervalo subsequente que deve ocorrer entre esse final de setembro e início de de outubro, é que vai atrapalhar, vamos dizer assim, não vai atrapalhar. Não é bem a palavra, mas que vai postergar o segundo semestre.

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Então a gente vai ter uma diferença entre o fim do calendário orçamentário e o do exercício financeiro. Como a gente estava falando na questão anterior e a execução do ano letivo, que deve terminar só lá para o final de fevereiro, e aí sim a gente volta a tentar regularizar o semestre. Como é que a gente lida com isso?

Não é uma excepcionalidade que isso aconteça na UnB. A gente já teve, como você mesma disse, os anos de convívio em que isso aconteceu e o planejamento é essencial. O planejamento administrativo da instituição é essencial para que a gente consiga manter as atividades funcionando, mesmo com a passagem do ano orçamentário e a comunidade vai se adaptando e a expectativa de voltar ao calendário normal.

Mas isso também dá uma nova energia para a gente. Então a gente espera que o ano também. E acho que todo o processo de consulta agora movimentou a universidade. A gente viu de novo os corredores com pessoas circulando, a gente viu as unidades acadêmicas e administrativas se mobilizando para receber os candidatos e talvez o meu olhar animado tenha a ver com o próprio movimento que a consulta causou dentro da universidade.

A expectativa de uma nova gestão eu acho que também contribui para esse ânimo de retorno ao semestre, para a continuidade dos trabalhos até a regularização do calendário.

Jade: A regularização do calendário está prevista para o ano que vem?

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Rozana: Para o ano que vem. E, se não estou enganado, a gente vai até fevereiro e aí temos aquele intervalo de 30, 40 dias, um início de março a gente já retorna, que é o calendário normal.

Jade: E aí segue normal, caso não haja nenhuma intercorrência. A professora este ano chamou muito a atenção as imagens de chuva dentro da UnB. Foi ali, em fevereiro, uma forte chuva. As águas inundaram parte do ICC, pegaram equipamentos no laboratório, enfim, chamou bastante atenção. Saiu amplamente em vários veículos. A gente deu inclusive essas imagens. Eu gostaria de saber se há um plano de contenção da chuva, como evitar que novos departamentos sejam inundados, que equipamentos sejam perdidos. O que está hoje no radar para evitar que em fevereiro já se repita?.

Rozana: Bom, tem sido cíclica nessa inundação nos corredores da UnB, em particular o ICC, que é o nosso prédio simbólico, sempre vira notícia, porque ali no subsolo ainda funcionam muitos laboratórios, muitos espaços de aula também. E ver o material todo se perdendo, não só a infraestrutura física, mas especialmente o material que a gente chama o patrimônio imaterial, que são as produções, os equipamentos também.

O patrimônio físico é bastante triste o que acontece. A gente está numa região da Asa Norte, que é um declive muito grande e todas as construções na Asa Norte canalizaram a água que corre ali até a UnB. Então, um primeiro ponto é poder integrar a UnB, passar a integrar o projeto do Governo do Distrito Federal, o projeto Drenar, que tem construído estruturas capazes de recolher essa forte água das chuvas.

E o nosso vice-reitor, eleito junto conosco na chapa, é um engenheiro civil. Ele já tem estudado bastante essa questão e o próprio departamento de Engenharia Civil e Ambiental da universidade. Lá, a gente tem informação de que eles auxiliaram a reitoria atual num diagnóstico da situação e ao desenvolvimento de algumas propostas. E além dessa parceria com o GDF, é importante a gente não creditar o meio ambiente também às frequentes cheias, porque lá pelas chuvas, porque esse é um fenômeno que a gente não consegue mais evitar.

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O nosso programa traz como ação transversal e estratégica esse compromisso da Universidade de Brasília com a justiça social ambiental. Ou seja, é importante que nós, com a expertise que temos nos vários departamentos, nos debrucemos sobre essa questão ambiental e proponhamos soluções não só para as crises ambientais, mas planos de contingência para a cidade, em particular ali para outra região do nosso continente.

E que a gente possa implementar do ponto de vista da infraestrutura e para as chuvas. Então, as soluções, do ponto de vista da engenharia, que podem ser desenvolvidas utilizando essa expertise que já foi proposta. Por exemplo, a mudança, a substituição do asfalto dos estacionamentos por aqueles blocos mais permeáveis à água, de maneira que a água vá sendo absorvida antes de chegar nas edificações, então as soluções do ponto de vista da engenharia, que devem ser consideradas também prioritárias para nós na execução orçamentária, em particular na relação com o governo do Distrito Federal.

Jade: É feita então, ano que vem, quando tiver realmente o orçamento e já habituada, já começando esse vai ser um ponto que vai estar no radar. Aí o ponto prioritário é isso?

Rozana: A gente tem várias questões que parecem pequenas, mas que devem ser prioridades. Essa questão de infraestrutura e para evitar alagamentos é uma. Uma outra são as infraestruturas de acessibilidade, o que a gente tem visto na universidade, uma grande preocupação com a acessibilidade interna aos prédios, Mas a acessibilidade física para um cadeirante, por exemplo, chegar dos estacionamentos ao elevador do prédio, muitas vezes ele enfrenta dificuldades enormes.

Então a gente tem visto o governo federal trabalhar e com os calçamentos acessíveis, toda a Esplanada já está com esses novos calçamentos. Então essas parcerias também serão importantes para que a gente possa promover a acessibilidade física interna na UnB. Mas uma parte externa aos prédios. Então essa é uma outra preocupação de infraestrutura que a gente tem. E, enfim, então tudo isso incluído. Estou aqui trazendo à memória o que a gente ouviu nas nossas reuniões de pré campanha em particular com esses grupos de estudantes e técnicos que são pessoas com deficiência, que demandam da universidade um atendimento muito específico.

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Jade: Uma outra proposta é a questão do reajuste das bolsas. Vocês pensam que é algo que já estão tendo os alunos que fazem parte, porque senão não vai funcionar: Já tem um valor que pensa em reajustar,? Vai seguir a inflação?

Rozana: A universidade realizou um reajuste das bolsas de iniciação científica de extensão a partir do reajuste que foi dado pelo próprio governo federal para as bolsas de pós graduação em pesquisa em geral, e agora foi anunciado também pelo governo que esses reajustes vão ser anuais. Então, essa política de reajuste anual ela precisa também ser seguida pela universidade naquilo que se refere às suas bolsas internas.

Mas a grande demanda dos estudantes tem sido pelo reajuste das bolsas de assistência estudantil, porque elas não sofreram um reajuste muito pequeno. Não, não é que R$ 30 e eles estão agora pedindo uma equiparação com o reajuste que foi dado às bolsas de extensão de iniciação científica.

Jade: R$ 400 R$ a bolsa.

Rozana: Isso, de R$ 400 foi para R$ 430. Essa faixa é então o que na verdade eles querem agora a equiparação. O que a gente tem observado em termos de execução do orçamento de assistência estudantil? Que a gente tem espaço orçamentário dentro do programa para realizar esses reajustes e então levar essa questão para o segmento estudantil.

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Essa é a típica consulta que pode ser colocada para o segmento estudantil, porque sempre que a gente vai utilizar o recurso para uma ação, por exemplo, o reajuste das bolsas, equiparando e criando isonomia com os outros tipos de bolsas da universidade, a gente deixa de atender alguma outra demanda, porque o orçamento ele tem um tamanho específico, né?

Então, colocar isso na balança é possibilitar que a própria comunidade envolvida decida sobre as suas prioridades e partes do processo de gestão que a gente vai fazer. De toda maneira, o que a gente tem visto é que é possível fazer o reajuste e ainda manter os programas que estão em andamento na universidade.

Jade: Além da questão da bolsa estudantil, também é um foco nos alojamentos. Eu li o programa, falava em construções de novos, que também é algo aí vai existir um peso do orçamento, construir novos alojamentos, mas é uma demanda da população dentro da universidade. Inclusive, neste ano, o Ministério Público Federal chegou a começar a investigar a parte de goteiras, infiltrações dentro dos alojamentos. A gente noticiou aqui dentro do Metrópoles e eu gostaria de saber como que vai funcionar. Já tem um projeto? Antes mesmo de construir, haverá uma reforma ali dentro desses alojamentos que já estão apresentando alguma infiltração?

Rozana: Nós fizemos várias visitas a casa de estudantes de graduação e tivemos reunião com os estudantes da Casa da Pós-Graduação e as demandas de infraestrutura são bastante urgentes.
O que a gente gostaria, mesmo que tivesse sido priorizado, era a construção priorizada. Era a construção da moradia estudantil no Plano de Aceleração do Crescimento das universidades, o PAC das universidades, que permite a construção de novas obras, tanto que em várias universidades foi a moradia estudantil. A obra é uma das obras indicadas para a execução desse tipo de recurso na nossa universidade.

O recurso foi direcionado a uma unidade, ao prédio de uma unidade acadêmica, o que é importante também porque está entre as demandas do novo PAC fortalecer o ensino, pesquisa e extensão. E mais do ponto de vista da permanência, a gente ficou descoberto e não foi proposta a construção de um edifício histórico que até hoje não tinha sido construído, que é o prédio da Aula Magna, um auditório para receber convidados, realizar formaturas. Então a gente vai ter que buscar esse recurso extra prazo para a moradia estudantil.

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Em um primeiro momento que a gente vai trabalhar, é com a reforma dos edifícios que já existem, enquanto a gente busca esse novo recurso para o ano seguinte, provavelmente.

Jade: É possível acrescentar ainda ao PAC. Não existe uma tratativa com o ministério como vem federal.

Rozana: As obras já foram aprovadas até onde a gente sabe, e os processos já estão em andamento na universidade. Como a gente só assumiu em novembro, a gente não tem muita certeza de que a gente vai conseguir substituir a construção do auditório pela construção de novos prédios de moradia estudantil, mas a gente vai se empenhar em buscar recursos para essa finalidade.

Jade: Obrigada pelo seu tempo, pela disposição, está aqui com a gente no Metrópoles. Gostaria de saber se tem algo a acrescentar que a gente não tenha perguntado, não tenha conversado aqui dentro da entrevista.

Rozana: Bom, queria deixar uma mensagem final para nossa comunidade, não é? Uma vez indicados a partir do processo de consulta, professor. Mas passamos a ser os representantes da nossa comunidade universitária. Então convido todos a contribuírem na construção desse novo projeto de gestão. Quero também agradecer à professora Fátima Souza e ao Coletivo da Chapa 99, que compôs conosco nesse segundo turno. A professora Olgamir que participou do processo democrático cumprimentá-la também pelos resultados alcançados. E deixar aqui uma mensagem de harmonia na construção desse novo projeto. Convidar a todos a contribuírem novamente com essa construção.

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Fato Novo com informações e imagens: Metrópoles

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Educação

Rita Coelho: “educação infantil não tem meta de alfabetização”

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Atuante nos direitos das crianças há pelo menos 30 anos, a coordenadora do MEC defende o desenvolvimento de múltiplas linguagens nessa etapa, incluindo as interações e brincadeiras, além de apresentar os avanços das políticas pública

Referência nacional em educação infantil, principalmente no que diz respeito às políticas públicas, os trabalhos e posicionamentos da docente e socióloga Rita de Cássia de Freitas Coelho acalentam educadores que, assim como ela, lutam para as crianças serem respeitadas em suas especificidades e, assim, serem reconhecidas como sujeitos de direitos. Por nove anos (2007 a 2016) Rita Coelho ficou à frente da CoordenaçãoGeral de Educação Infantil (Cogei), do Ministério da Educação (MEC), trabalhando com oito ministros. No terceiro mandato do governo Lula, Rita retoma a Cogei. 

Doutora honoris causa pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), foi presidente da União Nacional de Conselhos Municipais de Educação (UNCME). Nesta conversa, contextualiza as conquistas da educação infantil, inclusive a mais recente, a Política Nacional Integrada para a Primeira Infância. Confira, a seguir, a entrevista exclusiva com a representante de educação infantil no MEC. 

Como coordenadora-geral da Cogei de 2007 a 2016, o que a sua gestão trouxe para a educação infantil? E agora, como estão os trabalhos?   

A gestão anterior foi importante em termos de projetos e políticas do governo para o MEC, além de ter qualificado a educação infantil no âmbito do governo federal. Havia uma parceria com MDS [Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome] para atender as crianças do Bolsa Família e conseguimos ainda ampliar as matrículas dessas crianças. Conseguimos rever as Diretrizes Curriculares para a Educação Infantil, que eram de 1999, fizemos uma boa e valiosa discussão da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que distingue a educação infantil, dá a ela uma identidade própria, não a confunde com o ensino fundamental.

Inclusive, na Base há uma ruptura entre a proposta do ensino fundamental e a nossa proposta de educação infantil. Nossa gestão conseguiu defender e executar uma especialização na docência em educação infantil. Discutimos muito a questão da creche, das brincadeiras, várias publicações; os próprios parâmetros de qualidade da educação infantil, os indicadores de qualidade, estimulamos as escolas a utilizarem. Foi uma gestão que deixou rastros, deixou identidade.  

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governo de hoje é de frente ampla. Eu não considero que ele é um governo do PT ou um governo de esquerda. Temos características muito desafiadoras no âmbito do diálogo intersetorial, interministerialÉ um diálogo em que a orientação da presidência da República é qualificar as diferenças em um debate democrático e ético sem negar e apagar a voz daqueles que pensam ou que defendem posições diferentes. O que é um grande desafio numa sociedade polarizada, dividida, e em um Congresso cujo governo não tem maioria.

Um exemplo desta dificuldade é o ensino médio, o qual o discutimos há um ano. Então muito do que fazemos é a busca do diálogo e da equidade. A prioridade hoje na educação é dialogar com todos, com quem não pensa como a gente, com quem não age como a gente. Mas dialogar com respeito e ética. Dialogar não significa negociar. Isso é um grande desafio, além de desgastante 

A outra prioridade dpresidência da República que nós temos perseguido no MEC, não apenas na educação infantil, é a equidade. Hoje nosso governo reconhece que a desigualdade é o maior problema do BrasilInfelizmente, a política, inclusive deducação infantil, a política educacional, reproduz essa desigualdade. Acabamos de aprovar os novos Parâmetros Nacionais de Qualidade da Educação Infantil. Assim que forem homologados pelo ministro Camilo Santana, iniciaremos a implementação. Também estamos implementando o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, outra prioridade do governo, e estamos trabalhando em ações que respeitam a identidade das crianças pequenas e a especificidade da educação infantil. 

Vamos produzir os indicadores da educação do campo, que é uma das situações mais graves da infância e que pertencem às famílias mais pobres e vulneráveis presentes no Bolsa Família. Então, de modo geral, temos propostas, a diferença [com a outra gestão de Rita] é o contexto político do Brasil e a situação da infância muito atingida pela pandemia e pela crise econômica o qual o Brasil e parte do mundo estão vivendo. 

Após decreto divulgado em junho pelo governo federal, aguarda-se a Política Nacional Integrada para a Primeira Infância. Qual a importância desse documento e o que pode adiantar?  

Saiu o decreto que compõe uma comissão, mas as pessoas não estão designadas. Primeiro, muito importante, quem coordena essa política é a Casa Civil, com Miriam Belchior; à frente, ela é uma profunda conhecedora da área social e da área de orçamento, sendo para nós motivo de satisfação. Comemoramos a coordenação da política de estar na Casa Civil pelo papel, características da Casa Civil e também pelo perfil de Miriam. Essa Política Nacional Integrada para a Primeira Infância é importante porque permite à educação infantil atuar na sua especificidade. Porque o que acontecia e ainda acontece é que as ações da primeira infância não estão articuladas, são políticas setoriais distintas, com padrão de orçamento distinto, com profissionais distintos.

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A saúde, por exemplo, é um sistema único. A assistência social é um sistema único. Nós, da educação, somos um sistema descentralizado, um sistema federal com 26 sistemas estaduais, um distrital e muitos sistemas. O padrão de financiamento nosso não é fundo a fundo. O Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica de Valorização dos Profissionais da Educação] tem características muito diferentes e não é gerenciado pelo Conselho de Educação ou pelos conselhos. Isso é um grande desafio 

E quanto mais programas e ministérios assumirem as suas políticas em relação à primeira infância, melhor para nós da educação infantil, porque o que acontece com criança subnutrida, desnutrida é que o posto de saúde manda pra creche. Isso não é problema nosso, é problema da saúde, do combate à fome. Crianças violentadas, negligenciadas pela família, mandam para a creche. Cadê o sistema de proteção? Cadê o atendimento das redes de proteção do Ministério de Direitos Humanos? Então, é muito importante essa Política de Primeira Infância para a sociedade e para o sucesso de todas as políticas, inclusive, para que a educação infantil, além de ser uma política muito efetiva com recursos constitucionalmente vinculados à matrícula, que ela tenha especificidades vinculadas ao desenvolvimento e à aprendizagem das crianças, como as interações e brincadeiras.

Como está a educação infantil no campo e indígena? 

Do ponto de vista da oferta está mal. É um grande desafio para nós. Populações indígenas, algumas populações aldeadas, têm posições distintas em relação ao direito à educação infantil. Populações indígenas não aldeadas são atendidas na rede comum de educação infantil e muitas vezes sem que a rede respeite as especificidades da língua e cultura da população indígena. A mesma situação ocorre com a população do campo, uma vez que é composta por uma diversidade de populações: assentamentospopulações da agricultura familiar, ribeirinhos, pescadores, quebradeiras de coco e castanha etc.  

[Extinta no governo Bolsonaro], o MEC retomou a Secadi (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão) e política de educação no campo e indígena está nessa Secretaria. E nós [da Cogei] estabelecemos com a USP de Ribeirão Preto e a Secadi um projeto de cooperação técnica em que priorizamos o atendimento da educação indígena e educação no campo. Esse projeto prevê seminários regionalizados, diálogos com as populações indígenas, com o Fórum Nacional de Educação do Campo e com um grupo de pesquisadores nacionais que trabalham com essa problemática.

 

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educação infantil

Para a docente e socióloga, temos que mudar a concepção de brincar (Foto: divulgação/Cogei)

A Maria do Socorro Silva é a diretora de Políticas de Educação do Campo e Educação Escolar Indígena na Secadi e a professora Ana Paula Soares representa a USP de Ribeirão. Temos ainda o apoio da Fapesp, que é uma das mais importantes fundações de pesquisa vinculadas às universidades. É uma prioridade nossa, um grande desafio, já que nossos indicadores não são bons e a própria concepção da política é complexa, inclusive, porque os indígenas têm línguas próprias. 

Qual o papel da educação infantil e por que é preciso diferenciá-la do ensino fundamental, principalmente no que diz respeito à alfabetização?   

É a primeira vez que a humanidade — isso não é problema do Brasil — compartilha a educação de crianças pequenas com o Estado, com o setor público. Alguns países compartilham na assistência social, outros na proteção, nós compartilhamos o dever do Estado com a educação desde o nascimento. E como que o Estado cumpre esse papel? Cumpre com regras próprias. Essa área é profissionalizada, com professor
habilitado, com diretrizes curriculares coerentes com o desenvolvimento da criança. O eixo das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil abrange a interação e as brincadeiras, não é, a priori, o conteúdo. A priori, o ensino fundamental tem alguns conteúdos que devem ser desenvolvidos. A educação infantil tem muitos conteúdos, mas são [colocados] na medida do interesse e curiosidade do direito da criança.

Aprender a falar, a ler, a escrever é um direito das crianças, ainda mais em uma sociedade letrada. Mas elas manifestam essa curiosidade de forma diferente e em ritmos diferentes e na educação infantil somos obrigados a respeitar essa criança que às vezes tem dois anos, três anos, quatro anos, cinco anos. Então, a alfabetização não é uma meta da educação infantil, ela é um direito da criança. O nosso trabalho tem que estar centrado nas interações, nas brincadeiras, na criatividade, na imaginação da criança, e não na aquisição do código. Alfabetizar na educação infantil não é juntar letras, é entender, é atribuir e se apropriar de significados que estão estabelecidos na nossa sociedade. O gesto da criança é uma linguagem que antecede a letra.

O desenho é uma linguagem que antecede a letra. Ou seja, a nossa perspectiva é a de que as crianças têm direitos que devem ser garantidos, mas na especificidade do desenvolvimento das características de sua faixa etária. Então, não entendemos que a educação infantil, na sua identidade, seja preparatória para o ensino fundamental porque o seu objetivo é ampliar as experiências das crianças, estimular o desenvolvimento em grupo. Mas posso ter uma criança de três anos que distingue letra de número, que se interessa pelas letras, que desenha, que identifica. Como também posso ter uma criança de seis anos que sai da educação infantil sem esse interesse. Defendemos que a educação infantil tem que assegurar à criança práticas de oralidade, leitura e escrita, mas nós não temos meta, não temos que antecipar esse processo.

Por que há falta de conhecimento sobre a importância do brincar inclusive em creches e pré-escolas? Como mudar isso?

Sou uma defensora de a gente começar a falar positivamente da educação infantil. Para um país que, na década de 70, essas crianças estavam em abrigos, sem nenhuma organização que respeitasse as especificidades delas, muito na perspectiva da sobrevivência, diria que hoje, quando entendemos que a criança tem que brincar, isso é um grande avanço. Temos até que mudar essa concepção de brincar: na minha infância brincar era uma coisa, hoje brincar é outra coisa.

As mediações das brincadeiras são muito mais complexas, ricas, podem ser, inclusive, tecnológicasSe tivéssemos um levantamento dos últimos 20 anos, acho que veríamos o tanto que hoje brincamos, o tanto que no currículo existem as propostas de brincadeiras, brincadeiras livres, brincadeiras individuais, coletivas, brincadeiras mediadas por objetos — mas a criança não precisa de objeto para brincar, ela transforma um graveto num aviãonum cavalo, depende muito dessa ambiência que a gente cria. 

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Então, primeiro: acho um avanço a questão de a brincadeira estar pautada na Política Nacional de Educação Infantil, na política dos municípios. Temos metas ambiciosas produzidas por pesquisadores, por estudiosos da área que, muitas vezes, desconsideram a realidade. O
próprio Plano Nacional de Educação é uma meta nacional para uma realidade tão diversificada como a do Brasil e que acaba não sendo atingida por todos. Tem uma questão aí: temos que ter mais clara a graduação das nossas metas.

Quando a gente diz que ‘muitos não brincam’, quantos brincam? Quantos são muitos? O segundo ponto é que o sistema escolar brasileiro tem características tradicionais rígidas que não acolhem a educação infantil, por exemplo, como a pré-escola foi concebida. Existem tradições mundiais do sistema escolar muito coercitivas, disciplinares, cuja brincadeira não é acolhida como um fator de desenvolvimento ou como uma meta. A avaliação é uma tradição, a organização por turma é outra tradição, o ano letivo também. A gente não nasce sabendo brincar, a gente aprende culturalmente a brincar e as brincadeiras variam de cultura para cultura. Há um filme do Instituto Alana, O território do brincar, muito interessante ao apresentar que as brincadeiras das crianças por regiões são muito diferentes. Algumas inclusive, são violentas para outras regiões.

educação infantil

“Como gestora entendo que o meu papel é articular o coletivo”, avalia Rita Coelho (Foto: divulgação/Cogei)

Em um evento da Fundação Bracell, em junho, no Insper, SP, você alertou que o país tem 300 mil auxiliares na educação infantil. 

Sim. O dado é complicado porque nem toda auxiliar está registrada como auxiliar. São quase 300 mil auxiliares monitoras, estagiárias, são muitas denominações. Por isso você [repórter] não encontra esse dado. Porque o Censo pergunta: assistentes atuando na educação infantil’; o estagiário não é um assistentemonitor, então o que está acontecendo? A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) admite esse auxiliaradmite outros profissionais, inclusive, atuando na educação infantil. Mas a LDB não regulamenta. Qual é a formação? Qual é a carreira? Qual é a função desse auxiliar? Hoje os municípios criam uma legislação própria, esticar’ de auxiliar, monitor, babápajemestagiário e atribuem a eles diferentes funções, exigem diferentes formações e competências, então nós precisamos enfrentar essa realidade de estabelecer qual é a formação? Qual é a função? Qual é o perfil? É um problema. 

Primeiro queremos conhecer [esses profissionais]. Queremos conhecer a realidade, que é muito diferente. Segundo, queremos um debate nacional sobre isso: existe a necessidade desse outro profissional ou deveriam ser dois professores? Alguns municípios possuem dois professores, outros três. Se essa profissão é uma necessidade, nós temos que regulamentá-la, essa é outra etapa.

Mas o pior problema, o que mais nos tem preocupado, é que os municípios, além de criarem esse trabalhador da educação, eles têm colocado esse auxiliar para exercer a docência na creche. Inclusive, sem a presença do professor. Nós precisamos dialogar e assim entender por que os municípios estão fazendo isso. É falta de dinheiro? É porque acham que a criança pequena não precisa de um professor? Então, o que estamos fazendo é conhecer para qualificar o debate, para depois tomarmos medidas. É para regulamentar? Não é para regulamentar?

Nos anos 80, como servidora do MEC em uma entidade ligada à Fundação de Assistência ao Estudante (FAE) — o que hoje abarca o FNDE —, você participou da descentralização de alguns programas. Como foi isso?  

Naquele período, a estrutura da educação era muito hierarquizada. Ou seja, municípios e estados eram subordinados à União. Com a Constituição de 88, isso acabou. O sistema é federativo, organizado por colaboração e descentralizado. Então, aquela centralização de programas do MEC foi toda revista porque o estado, o município e o Distrito Federal são entes com igual identidade e autonomia, como a União. Por isso, houve um grande movimento de descentralização: descentralização do Programa Nacional do Livro Didático, descentralização do Programa Nacional de Apoio ao Transporte Escolar, do Programa Nacional da Alimentação Escolar. Foi uma
consequência da Constituição de 88 que redefiniu a organização federativa do Brasil e acabou com essa hierarquia. Hoje, por exemplo, nós, do MEC, podemos definir parâmetros de qualidade, mas não posso obrigar o município a implementar esses parâmetros. O município tem autonomia para formular a sua política e para ter a sua identidade.

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A lei reconhece e regulamenta, mas ela não muda a realidade. No caso da educação infantil, ela é um instrumento e amparo de luta, mas
não é uma garantia de atendimento, por exemplo. Tanto que a educação infantil é a etapa mais judicializada da educação. Como gestora entendo que o meu papel é articular o coletivo, seja ele o coletivo dos gestores públicos, seja o de gestores privados e o coletivo de movimentos sociais. Ninguém faz nada sozinho, ainda mais no Brasil, um país continental com tanta diversidade.

Os avanços são muito grandes. Não quero deixar de mencionar o Fundeb, um avanço importantíssimo, sendo em 2007 a primeira vez que tivemos recursos vinculados às matrículas da educação infantil no Fundo. E esse investimento financeiro vem crescendo.


Fato Novo com informações: Revista Educação

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Entrevista

Zico destaca poder do futebol para paz e educação de jovens

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Ícone brasileiro sublinha no Podcast ONU News potencial do esporte como ferramenta de transformação social; ele relembra carreira brilhante nas quatro linhas e fala de suas escolas “Zico 10”, promovendo cidadania e solidariedade

Zico, como é conhecida a lenda do futebol brasileiro Arthur Antunes Coimbra, é o entrevistado do novo episódio do Podcast ONU News. Além de destacar momentos memoráveis de sua carreira e contar como atua no esporte atualmente, ele enfatizou a força do futebol como ferramenta para promover a paz e ações sociais.

Com uma carreira brilhante que começou no Flamengo e se estendeu a conquistas internacionais, Zico promove o futebol como um meio de formação de cidadãos e avalia que o esporte poderia ter um papel mais decisivo para mediar tensões globais.

Partida de futebol que parou uma guerra

“O futebol, principalmente aqueles que estão em atividade, tem muito mais facilidade, muito mais mídia, muito mais espaço. Por ser um esporte que agrega e que tem maior visibilidade no mundo, deveria dar um passo a mais. Não só se estar no meio do futebol, ele tinha que ter um espaço amplo para ajudar os países, ajudar nos conflitos… nós tivemos, no nosso país, o maior jogador da história, que é o Pelé, grande referência para todos nós. Na África, ele parou uma guerra. Ele foi lá jogar com o Santos, parou a guerra para verem ele jogar. Isso é o que representa o futebol”.

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O ex-artilheiro do Flamengo visitou a sede da ONU, em Nova Iorque, em meio a homenagens oferecidas por comunidades do Brasil e do Japão radicadas nos Estados Unidos.

Zico faz referência a um conflito na Nigéria, em 1969. Embora a história seja contestada, ela é utilizada como uma referência sobre o poder do esporte em unificar povos e juntar pessoas de diversas origens.

Assim, o “Galinho”, mais um dos apelidos do jogador, avalia que muitos futebolistas fazem um trabalho social individual, que poderia ter ainda mais impacto se fosse organizado.

Zico afirma que sempre procurou contribuir além dos campos e mencionou a criação do “Jogo das Estrelas”, que há 20 anos arrecada fundos para entidades beneficentes do Rio de Janeiro.

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Zico 10

Além disso, Zico se dedica à educação de jovens através de suas escolas de futebol, a “Zico 10”. Estas escolas não apenas ensinam habilidades futebolísticas, mas também focam na formação do caráter e cidadania dos alunos. Ele enfatiza a importância de preparar os jovens para a vida, independente de se tornarem ou não jogadores profissionais.

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“Não é só o futebol, é a questão da formação do cidadão. A gente tem que saber que você pode ir para o futebol, mas se você tiver bem formado, se não der certo no futebol, o mundo não vai acabar para você. Você está bem-preparado com as coisas que você aprende no futebol, as regras que tem no futebol, de ser um esporte democrático, um esporte que todos podem participar, seja branco, negro, amarelo, seja magro, alto, gordo, seja pobre ou rico. Não importa, todo mundo vai participar. […] o futebol você não pode jogar para si. É um esporte coletivo. E esse esporte coletivo te faz entender que você é uma peça, uma engrenagem daquele grupo.”

A visão de Zico sobre o futebol como ferramenta para a paz e a educação reflete sua própria experiência de vida e carreira. Ele também apontou para a necessidade de solidariedade genuína, sem interesses.

Zico, ídolo da Copa do Mundo do Brasil, carrega a chama olímpica ao lado de ex-craques da seleção japonesa

Divulgação – Zico, ídolo da Copa do Mundo do Brasil, carrega a chama olímpica ao lado de ex-craques da seleção japonesa

Legado e frustrações

Zico também revelou sua maior frustração profissional: não ter participado em uma Olimpíada. Ele foi eleito o melhor do mundo em 1983, disputou três Copas do Mundo e foi homenageado em diversos partes do mundo. Lembrando de sua trajetória aclamada, ele lamentou quando foi cortado da equipe olímpica.

“Eu não tive a felicidade de disputar uma Olimpíada. Fui cortado para a seleção na convocação. Você vê como é que são as coisas. Eu fui para o pré-olímpico, fiz o gol da classificação. Ganhamos da Argentina de 1 a 0, eu fiz gol. E fomos classificados para ir para Olimpíada de Munique – aquela Olimpíada que teve o atentado. Eu não fui, fui cortado. Estou falando da maior decepção que eu tive na minha vida, na minha carreira. E foi a única vez que eu que eu quis parar de jogar futebol.”

Por fim, Zico continua a inspirar novas gerações com seu exemplo de dedicação e amor pelo futebol. Ele acredita que a determinação e os valores éticos aprendidos no esporte são fundamentais para o sucesso dentro e fora dos campos.

“Minha vida foi toda pautada nesse sentido,” concluiu Zico, mostrando que sua paixão pelo futebol vai além do jogo, buscando sempre usar o esporte como uma força para o bem social.

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