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Entenda as leis trabalhistas em discussão na PEC pelo fim da escala 6×1

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Por Valdete Souto Severo: Iniciativa da deputada Erika Hilton (Psol-SP) deve ser saudada, amplamente divulgada e discutida com seriedade

Esta semana, a discussão sobre a jornada 6×1 ganhou força. É um dos assuntos mais comentados na rede social X/Twitter. Fazia tempo que uma questão trabalhista não mobilizava assim. Trata-se de um projeto de emenda constitucional apresentado pela deputada Erika Hilton, para alterar o inciso XIII do art. 7o da Constituição da República.

O texto atual refere “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”.

A proposta alteraria esse texto, para constar: “duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e trinta e seis horas semanais, com jornada de trabalho de quatro dias por semana, facultada a compensação de horários e a redução de jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho”. A redação tem, pelo menos, dois problemas: se a jornada é de 8h, durante 04 dias na semana, a carga semanal deve ser de 32 horas, e não 36. E, se autoriza compensação sem proibir o aumento da jornada, na prática nada se altera.

Olhando minhas anotações, recuperei textos que escrevi sobre a proposta de emenda à Constituição (PEC 231/1995), que propunha redução da carga semanal para 40h e aumento do adicional de horas extras; sobre a PEC 393/2001, que também previa redução de jornada e foi arquivada em 31/1/2023. Ainda em abril de 2005, o Senador Paulo Paim propôs (Projeto de Lei 104/2005) redução da carga semanal para 36 horas semanais, sem redução de salário, projeto que também foi arquivado. Em tramitação, há a PEC 221/2019, que tem proposta similar: mantém a jornada de 8h, mas reduz a carga semanal para 36 horas. O problema é que também há a PEC 300, que propõe, entre outros retrocessos, o aumento da jornada para 10h.

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A discussão sobre a redução dos dias de trabalho, agora, foi deflagrada, nas redes sociais, por Rick Azevedo, com o nome de movimento Vida Além do Trabalho. Rick foi eleito vereador pelo Psol e segue em campanha por algo que é central para a nossa sociedade: reduzir o tempo de vida que precisamos necessariamente usar para conseguir dinheiro e, com isso, ter acesso aos bens indispensáveis para viver.

Ano passado, algumas empresas de outros países testaram a possibilidade de reduzir dias de trabalho sem aumentar a jornada. No Reino Unido, 61 empresas de diferentes setores concordaram em participar do projeto piloto. A carga semanal foi de 32h, durante quatro dias, com três dias de folga na semana. Um sucesso! Mas não apenas para trabalhadoras e trabalhadores, também para as empresas, que disseram haver percebido um aumento de produtividade e de alegria com o trabalho. Segundo reportagem da CNN Brasil, 52 delas referiram que manterão a semana de 4 dias de trabalho e 3 dias de descanso, mesmo após o fim da experiência.

A primeira afirmação importante sobre esse tema, então, é de que a redução da jornada é uma necessidade, pois quanto mais trabalhamos por salário, menos tempo sobra para tudo o mais que importa na vida. Inúmeras pesquisas mostram a relação entre jornadas extensas e burnout, depressão, acidentes. Não há melhor modo de implicar politicamente, estimular o estudo, a leitura, o engajamento com a comunidade, pois para tudo isso precisa tempo.

Hoje uma amiga comentou que, quando está ansiosa, faz uma oração ao tempo, tal como Caetano Veloso nos ensina em sua canção. O tempo nos permite refletir, amar, interagir. A realidade capitalista, em sua versão neoliberal, com metas, teletrabalho, jornada flexível e a banalização das horas extras, nos rouba o tempo.

A iniciativa da deputada Érica Hilton deve ser saudada, amplamente divulgada e discutida com a seriedade que o tema merece. Não como uma novidade, afinal faz bastante tempo que essa luta pela redução da jornada está sendo travada. Como uma urgência, um tema inadiável.

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Afinal, a extensão cada vez maior do tempo de trabalho é um nervo exposto, uma arma de dominação bastante eficaz para o capital. Para que essa discussão avance, porém, é importante compreender que não existe escala 6 x 1 prevista por lei no Brasil. Nunca existiu.

Além da disposição constitucional, que já referi, a legislação trabalhista, cuja redação já foi alterada mais de uma vez, estabelece também a jornada máxima de 8 horas. Sempre foi, portanto, perfeitamente possível trabalhar 8h por dia, três, quatro ou cinco dias por semana, pois esses são limites máximos, não mínimos.

De outra parte, carga semanal não se confunde com jornada. Jornada é dia de trabalho. Carga semanal é a quantidade de horas colocada à disposição do empregador, em uma semana.

Durante o processo constituinte, houve demanda da classe trabalhadora para a fixação de uma carga de 40h semanais de trabalho, justamente para tornar ainda mais difícil a exigência de trabalho aos sábados ou domingos. A carga semanal, à época, era de 48h. A redação vencedora, como vimos no início deste texto, foi a fixação de uma carga semanal máxima de 44h. É o máximo, não o mínimo.

Por isso, insisto que: a) nunca houve escala de 6 x 1 estabelecida em lei no Brasil; b) nunca houve impedimento de que o trabalho fosse tomado menos dias por semana, com mais dias de folga, além do domingo.

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O que há – e esse deve ser o ponto central das discussões, se efetivamente quisermos levar a sério a pauta da redução do tempo de trabalho – é uma previsão de possibilidade de compensação de horas extraordinárias por folga, que na prática elimina esses limites legais.

O artigo 7º da Constituição da República não tem só o inciso XIII. Sobre o tempo de trabalho, garante, também: “jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva” (XIV); “repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos” (XV) e “remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal” (XVI). Esses dispositivos foram amplamente discutidos no processo constituinte. Havia a proposta de proibição de realização de horas extraordinárias, por exemplo, que acabou não prevalecendo.

Então, já há garantia de que ninguém deve trabalhar mais de 8 horas por dia ou mais de 6 horas, se houver turno de revezamento, bem como de que deve haver, no mínimo, um dia de folga na semana preferencialmente aos domingos. Se trabalhar além desses limites, deve receber o valor da hora de trabalho com pelo menos 50% de acréscimo.

Bem, todas as pessoas que estão lendo esse texto sabem, por experiência própria ou de alguém próximo, o quanto essas previsões constitucionais estão distantes da realidade das relações de trabalho. As horas extras foram banalizadas, o “preferencialmente aos domingos” vem sendo entendido como um domingo por mês e quem atua em empresa que trabalha em turnos, faz jornada de 12h ou mais. Muita gente trabalha além do tempo combinado, sem receber horas extras. São súmulas, interpretações, entendimentos e alterações legislativas que, desde a década de 1990, vêm banalizando esses limites e, com isso, invadindo, com o trabalho obrigatório, cada vez mais o que sobra de tempo de vida.

Tenho escrito sobre a persistência de uma racionalidade escravista. A violência colonizadora nos constituiu como um país, cuja extração de trabalho se deu, como regra, mediante a escravização, e não o pagamento de salário. Extrair tempo sem remunerar ou exigir uma intensidade cada vez maior de trabalho, são elementos comuns aos diferentes países capitalistas. A racionalidade escravista, porém, faz com que mesmo diante de regras de limitação do tempo de trabalho, os poderes de estado se alinhem aos empregadores para encontrar subterfúgios que eliminem qualquer tipo de controle. Por isso, mesmo com o parâmetro constitucional vigente, é cada vez mais difícil encontrar alguém que trabalhe no máximo 8h por dia ou 44h por semana.

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Se o que acabei de escrever é realidade, então, o problema está em outro lugar. Alterar o inciso XIII do artigo 7o da Constituição talvez não seja suficiente.

A banalização da exploração do trabalho fora dos limites estabelecidos na Constituição e na CLT se dá, especialmente, através do sistema de compensação de trabalho por folga.

Em 1988, a redação da CLT sobre a possibilidade de extrapolar a jornada máxima, em “número não excedente de 2 (duas), mediante acordo escrito entre empregador e empregado, ou mediante contrato coletivo de trabalho” (art. 59) tinha como limite “o horário normal da semana” e a jornada máxima de dez horas” (§ 2º do art. 59). Adotado especialmente nas indústrias, esse sistema de compensação estabelecia a possibilidade de jornadas de 8h48min, de segunda a sexta, com folga também aos sábados.

A Constituição, portanto, ao fixar a possibilidade de “redução ou compensação da jornada”, no inciso XIII em que fixa o máximo de 8h de trabalho por dia, tinha uma redação compatível com esse limite: todas as horas porventura trabalhadas além do limite constitucional precisavam ser compensadas por folgas no máximo dentro do mesmo mês.

A Lei 9.601 de 1998, porém, alterou o art. 59 da CLT e a compensação passou a poder ser realizada em até um ano. O pressuposto de compensar a fadiga da semana com o repouso no sábado se perdeu completamente. Não por acaso, o regime passou a ser apelidado de banco de horas, denunciando uma visão econômica do tempo de vida, colocado à disposição do empregador como mercadoria de troca.

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A Lei 13.467 de 2017 (mal denominada “reforma” trabalhista) piorou ainda mais a situação. O art. 59 segue estabelecendo que o máximo de horas extraordinárias deve ser duas por dia, mas ganha dois novos parágrafos fixando a possibilidade de acordo individual escrito ou tácito, entre empregado e empregador. E inclui um art. 59-A, que autoriza “acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, estabelecer horário de trabalho de doze horas seguidas por trinta e seis horas ininterruptas de descanso, observados ou indenizados os intervalos para repouso e alimentação”. O parágrafo único ainda refere que a remuneração mensal “abrange os pagamentos devidos pelo descanso semanal remunerado e pelo descanso em feriados, e serão considerados compensados os feriados e as prorrogações de trabalho noturno”.

Doze horas, sem descanso e sem direito à dobra, se houver trabalho em domingo. Como algo assim pode ser constitucional?

Pois bem, as decisões judiciais vem chancelando regimes de 12h de trabalho, nem sempre com a folga das 36h consecutivas. E, mesmo quando reconhecem que o banco de horas não está sendo executado conforme a previsão legal, aplicam o art. 59-B. Também incluído na CLT, pela Lei 13.467, esse dispositivo refere que, se a compensação não for observada em seus limites, ou seja, se a pessoa for obrigada a trabalhar além de 12 horas sem intervalo, não haverá “repetição do pagamento das horas excedentes à jornada normal diária se não ultrapassada a duração máxima semanal, sendo devido apenas o respectivo adicional”. O parágrafo único acrescenta que a “prestação de horas extras habituais não descaracteriza o acordo de compensação de jornada e o banco de horas”.

Até mesmo as atividades reconhecidamente nocivas à saúde, que causam adoecimento, podem ser exercidas em regime de 12h (parágrafo único do art. 60, também incluído pela Lei 13.467).

O regime é flagrantemente inconstitucional.

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O argumento perverso de que há folga de 36h após a jornada de 12h não consegue resistir à realidade, porque é muito mais comum encontrar pessoas trabalhando 12h por dias consecutivos (ainda que em dois empregos diferentes), do que o contrário. As atividades que mais utilizam esse regime são aquelas ligadas à limpeza, segurança e saúde. Setores que praticam baixos salários, fazendo com que boa parte das trabalhadoras e trabalhadores se obrigue a manter mais de um vínculo. Aqueles que trabalham em uma só empresa dobram turnos com frequência, o que significa a ausência real da folga de 36h, isso sem falar nas atividades, para as quais resiste-se em reconhecer proteção social: motoristas, entregadores, faxineiras, manicures, pessoas que trabalham todos os dias por 12h ou mais, para poder sustentar uma vida minimamente decente.

A experiência do Reino Unido não é isolada. Outros países já reduziram jornada e carga semanal de trabalho. Na Holanda, a média é de 29,5 horas por semana. Na Dinamarca, 32,5 horas. Na Noruega, 33,6 horas por semana. Os dados são da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e indicam que estamos na contramão da história, reforçando a ideia de que a racionalidade escravista interdita as possibilidades de limitação efetiva do tempo de trabalho.

As propostas para a redução da jornada ou da carga semanal são necessárias e urgentes. Para que tenham efeito prático, é importante a revogação integral da Lei 13.467. É preciso voltar a considerar horas extraordinárias como extraordinárias; acabar com a possibilidade de trabalho por 12h consecutivas, venda de intervalo e relativização da importância da folga em sábados e domingos. É necessário reconhecer vínculo de emprego para quem trabalha, mesmo que em horário flexível, dirigindo, fazendo unhas ou faxinas. E impor a observância dos limites da duração do trabalho a todas as categorias, sem exceção.

De qualquer modo, pautar o tema é fundamental. Alterar a realidade adoecedora das extensas jornadas, também.

É preciso conquistar a possibilidade de ter vida além do trabalho.

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* Valdete Souto Severo é doutora em Direito do Trabalho pela USP/SP, juíza do trabalho no Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região, professora de Direito e Processo do Trabalho da UFRGS

** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Fato Novo

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25 Comentários

1 Comentário

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Dia da Consciência Negra é reivindicação social desde a ditadura

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Movimento começou em 1971 com a formação do Grupo Palmares

Teve longa gestação o reconhecimento do Dia de Zumbi e da Consciência Negra em 20 de novembro como feriado civil em todo o país: 53 anos. O intervalo é maior do que o espaço de tempo entre a Lei Eusébio de Queiroz (1850), que proibiu em definitivo a importação de pessoas escravizadas para o Brasil, e a Lei Áurea (1888), que declarou “extinta” a escravidão no país: 38 anos.

A preferência pelo 20/11 se manifesta pela primeira vez em 1971, em plena ditadura cívico-militar, e partiu de um grupo de estudantes e militantes negros de Porto Alegre, interessados em literatura e artes. Eles não achavam adequadas as celebrações em torno do 13 de maio, dia da assinatura da abolição da escravatura pela princesa Isabel, princesa imperial regente – que formalmente pôs fim a cerca de 350 anos de escravidão negra no Brasil.

O coletivo de rapazes negros, formado em julho daquele ano, depois se denominou Grupo Palmares e era composto por Oliveira Ferreira da Silveira, Ilmo Silva, Vilmar Nunes e Antônio Carlos Cortes. Cortes, hoje experiente advogado especializado em direito civil e criminal e a única pessoa viva daquela formação original. Segundo ele, também pertenciam ao “grupo informal” Luiz Paulo Axis Santos e Jorge Antônio dos Santos, que tiveram atuação mais discreta.

O poeta Oliveira Silveira foi um dos pensadores e era fichado pela ditadura - Grupo Palmares, 20 de novembro de 1971. Foto: Instituto Oliveira Silveira/Divulgação

 O poeta e pensador Oliveira Silveira, no Grupo Palmares – Foto Instituto Oliveira Silveira/Divulgação

Nós éramos seis, mas quatro botaram a cara para bater e dois ficaram ocultos, como estratégia nossa, porque se a ditadura nos eliminasse, esses outros dois dariam sequência”, lembra Antônio Carlos Cortes em entrevista à Agência Brasil. Ao longo do tempo, a composição do grupo mudou, inclusive com a entrada de mulheres.


“O grupinho de negros se reunia costumeiramente em alguns fins de tarde na Rua da Praia (oficialmente, dos Andradas), quase esquina com Marechal Floriano, em frente à Casa Masson”, descreveu o poeta Oliveira Silveira, já formado em Letras na época, em artigo assinado em 17 de outubro de 2003 e publicado no livro Educação e ações afirmativas: entre a injustiça simbólica e a injustiça econômica.


Conforme o texto, no grupo Jorge Antônio dos Santos era “o crítico mais veemente” ao 13 de maio, mas havia na roda unanimidade contra ter aquela data como referência histórica de luta pela liberdade para os negros brasileiros.

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“O 13 não satisfazia, não havia por que comemorá-lo. A abolição só havia ocorrido no papel; a lei não determinara medidas concretas, práticas, palpáveis em favor do negro. E sem o 13 era preciso buscar outras datas, era preciso retomar a história do Brasil”, anotou Oliveira Silveira.


Referências

Segundo ele, que também se tornou autor de teatro, o grupo conhecia a peça Arena conta Zumbi, de Gianfrancesco Guarnieri e musicada por Edu Lobo (1965). Zumbi dos Palmares também estava nas bancas de revista, no fascículo nº 6 da série Grandes Personagens da Nossa História, editado pela Abril Cultural. Na publicação constava o dia 20 de novembro de 1695 como data da morte de Zumbi.

Na Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul, o então estudante Antônio Carlos Cortes localiza o livro Quilombo de Palmares (1947), do historiador Edison Carneiro. O livro corroborava a data de 20/11, assim outros livros consultados posteriormente pelo grupo como As guerras nos Palmares (1938), do historiador português Ernesto José Bizarro Ennes, e Palmares – la guerrilla negra (1965), do historiador gaúcho Décio Freitas e editado inicialmente no Uruguai.

Além da data de Zumbi dos Palmares, o grupo previu realizar homenagens ao advogado Luiz Gama em 24 de agosto, e ao jornalista José do Patrocínio em 9 de outubro, datas de nascimento dos dois abolicionistas negros. “Estava delineada uma precária, mas deliberada ação política no sentido de apresentar, à comunidade negra e à sociedade em geral, alternativas de datas, fatos e nomes, em contestação ao oficialismo do 13 de maio”, explicou em artigo Oliveira Silveira.

Censura prévia

A primeira homenagem articulada pelo Grupo Palmares a Zumbi ocorreu no 20/11, um sábado à noite, no Clube Náutico Marcílio Dias, com o evento Zumbi, a homenagem dos negros do teatro. Antes da apresentação, no dia 18, o grupo foi chamado à sede da Polícia Federal para detalhar a programação do ato e obter liberação da censura.

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“Todas as nossas manifestações tinham que passar pela Polícia Federal, pela censura, para que eles carimbassem autorizando aquele ato que a gente ia fazer em função do 20 de novembro de Zumbi dos Palmares. Mais do que isso, eu e o Oliveira chegamos a ser detidos”, lembra Antônio Carlos Cortes sobre depoimento forçado que tiveram de prestar.


A repressão política queria averiguar se o Grupo Palmares tinha ligações com a organização Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares), que atuava na luta armada.

Liberados para fazerem a homenagem, no dia do evento os componentes do Grupo Palmares e a audiência no Clube Náutico Marcílio Dias formaram um círculo para conhecer e discutir a história de Palmares e seus quilombos com base nos estudos feitos pelos estudantes e militantes, defendendo a opção pelo 20 de novembro, em vez do 13 de maio, como data histórica para os negros brasileiros.

A partir de então, “Oliveira nunca deixou um ano de fazer alguma atividade no 20 de novembro”, recorda-se a atriz gaúcha Vera Lopes – desde jovem atuante no movimento negro de Porto Alegre. Para ela, a data da morte de Zumbi dos Palmares “é uma referência que remete para aquilo que a gente sempre, desde sempre viveu, que é a luta por vida digna. Em nenhum momento da história, as pessoas negras aceitaram ser escravizadas de bom grado. O tempo inteiro, houve resistência.”

Conjunto de quilombos

O historiador e professor mineiro Marcos Antônio Cardoso, especialista em movimento negro, avalia que Zumbi e o quilombo de Palmares carregam outros atributos importantes. “Essa foi a primeira forma coletiva de organização de africanos no Brasil contra o regime de escravização. Foi uma experiência cultural, política e social.”

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Palmares, na verdade um conjunto de quilombos que existiu por cerca de um século na Serra da Barriga na capitania de Pernambuco, hoje em União dos Palmares (AL), ia além do cultivo predominante de apenas uma cultura agrícola, como acontecia nos engenhos de cana de açúcar, e tinha formas mais horizontais de comando e de liderança do que o modelo escravagista.

Zumbi, nascido em Palmares, mas criado no Recife por um padre missionário, retorna à região e posteriormente assume a liderança do quilombo sucedendo, por volta de 1680, Ganga Zumba – que havia aceitado uma proposta de rendição e paz da coroa portuguesa.

Quinze anos após Zumbi ter assumido a liderança do Quilombo de Palmares, mantendo a resistência, o bandeirante paulista Domingos Jorge Velho invade e destrói em 1694 o principal assentamento do quilombo (Mocambo do Macaco). Zumbi sobrevive por cerca de mais dois anos em outro reduto, até ser morto em 20 de novembro pelo capitão Furtado de Mendonça. Com o corpo esquartejado, Zumbi teve sua cabeça cortada exposta no Pátio do Carmo no Recife.

Utopia da igualdade

Para Marcos Antônio Cardoso, apesar da derrota e morte de Zumbi “o processo de resistência, de guerrilha, de organização, é muito importante do ponto de vista de pensar a história do Brasil a partir do olhar dos chamados vencidos. O quilombo de Palmares é ressignificado na memória negra brasileira. Se transforma na utopia de construção de uma sociedade baseada na igualdade.”

O gesto do Grupo Palmares em Porto Alegre em defender a substituição das comemorações do 13 de maio para o 20 de novembro, no auge da repressão, não teve propósito imediato de mobilização política. Mas, em 1978, quando a sociedade civil volta a se articular em meio à abertura “lenta, gradual e segura” da ditadura cívico-militar, a bandeira de 1971 do pequeno coletivo gaúcho será abraçada Movimento Negro Unificado (MNU),

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Brasília (DF) 20/11/2024 -  Lélia GonzalezFoto: wikipedia.org

Brasília – Lélia Gonzalez – Foto Wikipedia.org


“Graças ao empenho do MNU, ampliando e aprofundando a proposta do Grupo Palmares, o 20 de novembro transformou-se num ato político de afirmação da história do povo negro, justamente naquilo em que ele demonstrou sua capacidade de organização e de proposta de uma sociedade alternativa”, descreveu a intelectual e ativista Lélia Gonzalez no artigo O Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial.


Na sua opinião, “Palmares foi o autêntico berço da nacionalidade brasileira, ao se constituir efetiva democracia racial, e Zumbi, o símbolo vivo da luta contra todas as formas de exploração.”

Causas propostas, articuladas e abraçadas pelo MNU, como o 20/11, pautaram a redemocratização do Brasil e até se tornaram políticas públicas atuais, como o ensino da história da África nas escolas brasileiras, reivindicado desde o final dos anos 1970.

Em 2003, o 20 de novembro foi incluído por lei nos calendários escolares. Em 2011, a data é instituída oficialmente. No ano passado, também por lei, torna-se feriado nacional – após os estados de Alagoas, do Amazonas, Amapá, de Mato Grosso e do Rio de Janeiro e cerca de 1.200 municípios já terem acolhido a data como dia sem trabalho, mas com reflexão social.

Brasília - Senador Paulo Paim participa do lançamento da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Previdência Social, no auditório Petrônio Portela (Antonio Cruz/Agência Brasil)

Brasília – Senador Paulo Paim – Antonio Cruz/Agência Brasil


“É um feriado fundamental para que a gente sonhe um dia em ser um país de primeiro mundo. Nós só seremos um país de primeiro mundo quando pusermos fim a essa chaga do racismo, do preconceito e da discriminação”, afirma o senador Paulo Paim (PT-RS), relator do projeto de lei que transformou o Dia de Zumbi e da Consciência Negra em feriado cívico nacional.


Os negros são a maioria dos brasileiros. Pretos e pardos representam 55,5% da população – 112,7 milhões de pessoas em um universo 212,6 milhões. Conforme o Censo 2022 (IBGE), 20,6 milhões (10,2%) se reconhecem como “pretos” e 92,1 milhões (45,3%) se identificam como “pardos”.

De acordo com Paulo Paim, “toda pessoa negra tem que entender que é descendente de quilombola, e o princípio dos quilombos é esse: uma nação para todos.”


*Agência Brasil

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Centenas marcham no dia da consciência negra na Avenida Paulista

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“A gente celebra com muita alegrai 1º feriado nacional”, diz ativista

A 21ª Marcha da Consciência Negra, realizada nesta quarta-feira (20) na avenida Paulista, contou com centenas de pessoas na primeira edição na qual comemora-se a data como feriado nacional. “A gente celebra com muita alegria o primeiro feriado nacional, para a gente é uma virada de página”, disse José Adão de Oliveira, de 69 anos, co-fundador do Movimento Negro Unificado (MNU), criado em 1978, e um dos coordenadores da marcha em São Paulo.

São Paulo (SP), 20/11/2024 - 21ª Marcha daConsciência Negra na avenida Paulista em São Paulo. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

São Paulo (SP), 20/11/2024 – 21ª Marcha daConsciência Negra na avenida Paulista em São Paulo – Paulo Pinto/Agência Brasil

A assistente social Claudia Adão levou a filha pela primeira vez ao movimento. “Comecei a frequentar a marcha com meus 15 anos, eles vendiam acarajé. E hoje é a primeira vez que venho com minha filha, no pós pandemia, para celebrar essa conquista do feriado, mas também para saber quem foi Zumbi dos Palmares, que fazemos parte de um povo que luta, que se mobiliza”, ressalta.

“Marchamos pela vida do nosso povo, pela liberdade, pelos nossos direitos que não estão garantidos. Enquanto ainda tiver pretos e pretas sendo assassinados, tendo seus direitos violados, a gente vai estar marchando”,  acrescenta.

São Paulo (SP), 20/11/2024 - 21ª Marcha daConsciência Negra na avenida Paulista em São Paulo. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

São Paulo (SP), 20/11/2024 – 21ª Marcha daConsciência Negra na avenida Paulista em São Paulo – Paulo Pinto/Agência Brasil

20 de novembro

A data de celebração remete ao dia em que Zumbi dos Palmares foi morto, no ano de 1695.  Ele liderou a resistência contra a escravidão em um conjunto de quilombos que existiu por cerca de um século – onde hoje é a cidade alagoana de União dos Palmares. Zumbi foi morto por um português em 20 de novembro de 1695. O líder negro deixou um legado de resistência e de construção de uma sociedade baseada na igualdade.

São Paulo (SP), 20/11/2024 - 21ª Marcha daConsciência Negra na avenida Paulista em São Paulo. Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

São Paulo (SP), 20/11/2024 – 21ª Marcha daConsciência Negra na avenida Paulista em São Paulo – Paulo Pinto/Agência Brasil


*Agência Brasil

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Preconceito e discriminação atingem 70% dos negros, aponta pesquisa

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Desigualdade racial é realidade percebida pela maioria dos brasileiros

Sete em cada dez pessoas negras já passaram por algum constrangimento por causa de preconceito ou discriminação racial. O dado é de pesquisa de opinião realizada pelo Instituto Locomotiva e pela plataforma QuestionPro, entre os dias 4 e 13 de novembro.

Os sentimentos de discriminação e preconceito foram vividos em diversas situações cotidianas e são admitidos inclusive por brancos. Conforme a pesquisa, a expectativa de experimentar episódios embaraçosos pode tolher a liberdade de circulação e o bem-estar de parcela majoritária dos brasileiros.

Os negros, que totalizam pretos e pardos, representam 55,5% da população brasileira – 112,7 milhões de pessoas em um universo 212,6 milhões. De acordo com o Censo 2022, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 20,6 milhões (10,2%) se autodeclaram “pretos” e 92,1 milhões (45,3%), “pardos”.

O levantamento do Instituto Locomotiva revela que 39% das pessoas negras declararam que não correm para pegar transporte coletivo com medo de serem interpeladas. Também por causa de algum temor, 36% dos negros já deixaram de pedir informações à polícia nas ruas.

O constrangimento pode ser também frequente no comércio: 46% das pessoas negras deixaram de entrar em lojas de marca para evitar embaraços. O mesmo aconteceu com 36% que não pediram ajuda a vendedores ou atendentes, com 32% que preferiram não ir a agências bancárias e com 31% que deixaram de ir a supermercados.

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Saúde mental

Tais situações podem causar desgaste emocional e psicológico: 73% dos negros entrevistados na pesquisa afirmaram que cenas vivenciadas de preconceitos e discriminação afetam a saúde mental.

Do total de pessoas entrevistadas, 68% afirmaram conhecer alguém que já sofreu constrangimento por ser negro. Entre os brancos, 36% admitem a possibilidade de terem sido preconceituosas contra negros, ainda que sem intenção.

Para o presidente do Instituto Locomotiva, Renato Meirelles, os dados apurados indicam “a necessidade urgente de políticas públicas e iniciativas sociais que ofereçam suporte emocional e psicológico adequado, além de medidas concretas para combater o racismo em suas diversas formas”.

Em nota, Meirelles diz que os números mostram de forma explícita que a desigualdade racial é uma realidade percebida por praticamente todos os brasileiros. “Essa constatação reforça a urgência de políticas públicas e ações efetivas para romper as barreiras estruturais que perpetuam essas desigualdades e limitam as oportunidades para milhões de pessoas negras no Brasil.”

A pesquisa feita na primeira quinzena deste mês tem representatividade nacional e colheu opiniões de 1.185 pessoas com 18 anos ou mais, que responderam diretamente a um questionário digital. A margem de erro é de 2,8 pontos percentuais.

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Racismo é crime

De acordo com a Lei nº 7.716/1989, racismo é crime no Brasil. A lei batizada com o nome do seu autor, Lei Caó, em referência ao deputado Carlos Alberto Caó de Oliveira (PDT-BA), que morreu em 2018. A lei regulamenta trecho da Constituição Federal que tornou o racismo inafiançável e imprescritível.

A Lei nº 14.532, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em janeiro de 2023, aumenta a pena para a injúria relacionada a raça, cor, etnia ou procedência nacional. Com a norma, quem proferir ofensas que desrespeitem alguém, seu decoro, sua honra, seus bens ou sua vida poderá ser punido com reclusão de 2 a 5 anos. A pena poderá ser dobrada se o crime for cometido por duas ou mais pessoas. Antes, a pena era de 1 a 3 anos.

As vítimas de racismo devem registrar boletim de ocorrência na Polícia Civil. É importante tomar nota da situação, citar testemunhas que também possam identificar o agressor. Em caso de agressão física, a vítima precisa fazer exame de corpo de delito logo após a denúncia e não deve limpar os machucados, nem trocar de roupa – essas evidências podem servir como provas da agressão.

Nesta quarta-feira (20), o Dia de Zumbi e da Consciência Negra será, pela primeira vez, feriado cívico nacional.


*Agência Brasil

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