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‘Foi inimigo número um das elites e do próprio imperador’, diz biógrafo de Luís Gama

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Com pseudônimo de Afro, o renomado advogado abolicionista fundou e foi editor-chefe de jornal intitulado Democracia

Apesar de ter nascido livre em 1830, Luís Gama teve que conquistar a própria liberdade após ter sido vendido pelo seu pai, um fidalgo português, quando tinha oito anos de idade. Esta foi apenas a primeira vitória que o intelectual, advogado, professor, poeta e abolicionista conquistou ao longo de sua vida.


Luís Gama garantiu por via judicial a liberação de, pelo menos, 750 pessoas.


Esta aptidão para interpretar as leis da época, somado à sua defesa pela democracia fizeram dele o “inimigo número um das elites imperiais e do próprio imperador”, afirma o historiador Bruno Rodrigues de Lima.

O pesquisador lançou recentemente o livro Luiz Gama contra o Império: A luta pelo direito no Brasil da Escravidão, publicado pela editora Contracorrente. A obra de mais de 600 páginas é uma adaptação e atualização da tese de doutorado do historiador.

Bruno Rodrigues de Lima defendeu seu trabalho na Faculdade de Direito da Johann Wolfgang Goethe-Universität Frankfurt am Main e lhe rendeu o prêmio Walter Kolb de melhor tese de doutorado da Universidade de Frankfurt e a medalha Otto Hahn de destaque científico da Sociedade Max Planck.

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Livro é uma adaptação da tese premiada de doutorado de Lima / Reprodução/Contracorrente

“É algo muito valioso, para quem pensa em um projeto de Brasil, pensar o projeto de Luís Gama. É um projeto abolicionista radical, sem concessões aos senhores, sem concessão e sem negociação, ou seja, é alguém que consegue ir à frente com uma bandeira tão difícil de ser levada à frente. E ele vai lá e leva a bandeira da abolição, da democracia, da terra, trabalho, direito para todos e todas”, comenta o pesquisador em entrevista ao programa Bem Viver desta terça-feira (14).

O pesquisador lembra que Gama também foi poeta, sendo o primeiro homem negro a publicar um livro deste gênero literário no país. Além disso, fundou e foi editor-chefe de um jornal intitulado Democracia. Lima comenta que por uma questão de segurança, Gama não assinava com seu próprio nome, mas com o pseudônimo Afro.

“Ele é o Afro, ele é um homem preto na São Paulo branca, e ele vai afirmar que a democracia dele é uma democracia sem pena de morte, é uma democracia socialista, palavra do gama antes da Comuna de Paris.”

Confira a entrevista na íntegra:

Brasil de Fato: No seu livro você demonstra como o Brasil do século 19 tinha leis que legitimavam a escravidão. No entanto, é usando destas leis que Luís Gama foi capaz de libertar mais de 750 pessoas. Como ele fez isso? Que tipo de truque, magia ou sagacidade ele tinha para furar o sistema usando as regras do próprio sistema?

Bruno Rodrigues de Lima: É um pouco de truque, um pouco de magia, um pouco de sagacidade. É Luiz Gama contra o Império.

O nome do livro sintetiza um pouco essa ideia de que ele tinha lado, sabia contra quem estava lutando, e tinha um profundo conhecimento do Império, das armas do Império, da estrutura do Império, de como ele funcionava. Por ter esse conhecimento é que ele sagazmente inventou um repertório de ferramentas para abrir caminhos de liberdade dentro do edifício escravista.

Brasil, você sabe, era a única sociedade escravista de soberania plena das Américas. Tinha escravidão em todos os cantos do Brasil, em todos os lugares. O Brasil tinha 20 províncias, tinha escravidão nas 20 províncias. O Brasil tinha 635 municípios, tinha gente escravizada nos 635 municípios. O Brasil tinha 1.449 paróquias, tinha gente escravizada em 1.442 paróquias.

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Tudo isso que eu estou dizendo é segundo os dados oficiais do Censo Demográfico de 1872, quando o Luiz Gama tinha 42 anos de idade.

Esse era o Brasil do Luiz Gama. Esse era o Império do Brasil: um império de cima a baixo, de norte a sul, leste a oeste, o império da escravidão.

Ele entende o direito, entende que a escravidão era justificada, amparada, chancelada pelo direito. Com essa compreensão, ele vai conseguindo abrir caminhos para garantir liberdade para mais de 750 pessoas, através do judiciário e outras estratégias processuais à margem do judiciário também.

É por tudo isso que 150 anos depois da existência de Luís Gama estamos aqui reunidos falando da história de luta pela liberdade no Brasil que ele protagoniza.

Ele não protagoniza no sentido de que ele individualmente se sobrepõe às demais lutas, não é nesse sentido, mas é no sentido de que ele compreende o seu tempo histórico, os valores que ele luta, a causa que ele encampa e organiza, o movimento abolicionista, quando nem movimento abolicionista tinha, e vai coletivamente liderar esse processo.

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É algo muito valioso, muito importante para quem pensa em um projeto de Brasil, pensar o projeto de Luís Gama, que é um projeto abolicionista radical, sem concessões aos senhores, sem concessão e sem negociação.

Ou seja, é alguém que consegue ir à frente com uma bandeira tão difícil de ser levada à frente, tão desigual eram as armas da época, tão desigual as forças forças e as correlações. Ele vai lá e leva a bandeira da abolição, da República, da democracia, da terra, trabalho, direito para todos e todas.

Isso quando o movimento abolicionista ainda nem existia.

Seu livro mostra como Luís Gama lutou contra o Império. Ele morreu antes que a República fosse declarada. No entanto, com mais de 100 anos de República, o Brasil segue reproduzindo práticas escravistas. Você acredita que Gama se desiludiria com a República brasileira?

Essa é a pergunta que eu me faço também, porque eu quero compreender esse Brasil, quero entender o que está acontecendo nele e faço isso lendo Luís Gama.

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Ver que a República tal qual proclamada e os arranjos de poderes que se sucedem nas primeiras décadas, pelo menos até Getúlio, e depois mesmo durante o período de Getúlio todos os golpes e contragolpes dessa metade do século 20 até chegar agora o pacto de 1988…. O Brasil é muito jovem.

Então, se a gente perguntar, os avós dos nossos avós são contemporâneos do Luz Gama, sabe? Está muito perto. Então, a própria República é um regime político recém proclamado. A gente tem um século e pouco…

Agora, o que eu quero dizer até que as mesmas famílias que estavam lá atrás, no judiciário, por exemplo, ou nas forças armadas, são as mesmas famílias em muitos oficiais de hoje, muitos juízes de hoje.

Se a gente analisar a linhagem familiar, vamos ver que o Brasil mudou muito pouco. Se há trabalho análogo à escravidão como há e pesado se formos pensar: Tocantins, Pará, ou o bairro do Brás, em São Paulo, ou bairros da zona central das grandes cidades, do Rio, Belo Horizonte…

Você tem coisa acontecendo que o Ministério Público nem sonha em investigar, que tem obrigação funcional de investigar.

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Luís Gama funda um jornal em 1867 chamado Democracia, uma palavra proibida de se enunciar no discurso político da época.

Luís Gama é aquele que vai plantar a semente da democracia no Brasil. Ele foi o redator-chefe desse jornal. Ele assina esse jornal com pseudônimo, porque não poderia assinar em nome próprio, senão o pescoço dele estaria ao alcance da milícia dos escravizadores, cafeicultores do interior paulista, por exemplo.

Mas não escondeu que era dele a autoria daquele jornal. Luís Gama vai afirmar e outras pessoas vão testemunhar que ele estava envolvido em projetos literários como o Democracia.

Lúcio de Mendonça vai dizer: “Eu conheci o Luiz Gama quando ele colaborava na imprensa com o pseudônimo Afro nos jornais de São Paulo”.

Gama não assinava em nome próprio, assinava como Afro, que é uma maneira de afirmar sem afirmar, de ocultar a autoria do nome próprio e ao mesmo tempo ele afirma a autoria.

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Ele é o Afro, ele é um homem preto na São Paulo branca, e ele vai afirmar que a democracia dele é uma democracia sem pena de morte, é uma democracia socialista, palavra do gama antes da Comuna de Paris.

É uma pena que a história do movimento operário brasileiro e do movimento camponês, por exemplo, saber só agora que Luís Gama lançou um jornal chamado Democracia, com um projeto de educação inovador, de ensino laico, de educação em massa, de obrigação do Estado investir em educação de todos e todas, de meninos e meninas, de todas as faixas etárias, um projeto de alfabetização de jovens e adultos.

Ele próprio foi um professor de educação de jovens e adultos, ele próprio alfabetizou centenas e centenas de pessoas. A gente está falando de 1867, 1868, 1869, muito antes da queda da monarquia e do fim de trabalho escravizado.

A gente teve um homem preto que se definiu definiu “democrata e socialista”, que pensou a república e que foi o alvo, foi o inimigo número um das elites imperiais e do próprio imperador. É por isso que a Luís Gama contra o Império.

A sua pergunta toca nesse ponto do título do livro… E por quê esse título? Porque Luís Gama estava de um lado, o Império estava de outro. Então, se o Luís Gama estivesse hoje aqui, que é a sua pergunta, não é muito difícil imaginar quais seriam suas bandeiras.

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É a bandeira da democracia, da abolição, incompleta, mambembe, capenga, esvaziada, deturpada, que o Gama certamente choraria o choro mais íntimo de sua alma e ao mesmo tempo, da indignação do revolucionário. Iria lutar para fazer a abolição acontecer.

Como é que acontece uma coisa como aconteceu em 1888 e leva 30 a 40 anos para que o preto pudesse entrar na escola, pudesse ter um ensino técnico e mais 30 a 40 para que entrasse nas universidades e mais quantos que vamos esperar até que eles entrem na magistratura?

Porque a magistratura do Brasil, as carreiras do Itamaraty, as carreiras militares de alta patente, as carreiras do judiciário, da defensoria pública, do Ministério Público, são ocupados por quem?

Nós sabemos, é estatístico, 98% são brancos. Então, o Gama não se surpreenderia com o Brasil que ele ia encontrar.

O Brasil mudou muito pouco. O Brasil, o regime de produção do Brasil de hoje, muda muito pouco do modelo de produção das grandes plantations de café do século 19.

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A própria elite brasileira, muito tacanha, acha que isso aqui é uma grande fazenda. O Gama denuncia isso.

O projeto do Gama é muito sério, é um projeto de democratizar tudo isso que eu falei agora: riqueza, educação, conhecimento, terra, e que o trabalho seja algo muito mais valorizado, digno. Trabalhador precisa ser melhor remunerado.

No lançamento do seu livro na Bahia, você esteve ao lado de Mateus Aleluia e falou para ele como via ideias de Luís Gama nas música dele. Isso tem a ver com as poesias que Luís Gama escrevia ou as ideias que defendia?

Luiz Gama jogava em todas as posições, de modo como você disse também, era um poeta, era um jornalista, e, sim, um herói nacional.

Mateus Aleluia é uma dessas raridades que dá no Brasil e que a gente tem que saber reconhecer e valorizar enquanto é tempo. Valorizar em vida.

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Mateus Aleluia tem 80 anos, é um homem que foi pra Luanda, foi pra Angola, que viu a vitória do movimento de libertação de Angola. Que estava lá na luta de Angola contra o apartheid da África do Sul, ele estava lá e tem uma compreensão do panafricanismo que dá chão na Bahia, que dá chão no Brasil, e o lugar do Brasil no mundo.

Então, numa música, por exemplo, que o Mateus Aleluia fala de um novo estágio da humanidade, um estágio de alguém que tem uma utopia de um Brasil, de um mundo, sem reis e sem escravos como o Luiz Gama diria, sem patrões e sem subordinados, o Matheus Aleluia está pensando o Brasil de amanhã, um Brasil que é uma utopia, mas é essa utopia que faz a gente sonhar.

Ele vai falar de que a gente precisa de um líder popular, de alguém que pense o Brasil, que seja pragmático como [Nelson] Mandela, que traga poesia e independência como Leopold Cedarsan Singor, que tenha um sonho como Luther King e que seja um herói como Zumbi [dos Palmares].

Ele tem uma música que fala exatamente disso, que é Homem, o Animal que Fala. E eu, dialogando com ele, eu falei: “Olha, Mestre Mateus Aleluia, eu acho que esse ser humano que reúne essas qualidades de trazer poesia, independência, que lute pragmaticamente por um futuro melhor, e que tenha um sonho ao mesmo tempo uma utopia, esse homem é um Luís Gama”.

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Brasileira assume ONU-Habitat e defende que planejamento urbano é chave na solução de crises globais

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Anacláudia Rossbach, nova diretora executiva da ONU-Habitat, enfatiza a importância do planejamento urbano e da inclusão dos jovens para enfrentar desafios como a crise habitacional e as mudanças climáticas; ela traz experiência vasta em políticas urbanas e habitação social do Brasil e atuações internacionais.

Recém-nomeada diretora executiva do Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos, ONU-Habitat, a brasileira Anacláudia Rossbach, compartilhou suas experiências e visões em uma entrevista à ONU News.

Com mais de 20 anos de carreira, Rossbach destacou sua transição da consultoria para o setor público, onde se dedicou às questões sociais e de habitação no Brasil.

“É possível a transformação em larga escala”

Anacláudia Rossbach falou sobre sua atuação na Prefeitura de São Paulo, cidade brasileira mais populosa, e em programas habitacionais de larga escala como o PAC Urbanização de Favelas e Minha Casa Minha Vida, que impulsionaram iniciativas de moradia no Brasil.

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“Eu testemunhei o desenho desses programas, o processo de desenvolvimento desses programas e como funcionou a coordenação entre os diversos órgãos do governo federal. Houve um plano de habitação com a participação da sociedade civil, setor privado, academia, setores profissionais organizados, governos locais. Isso tudo desenhou esses programas de larga escala. E foi muito rápido. Eu fiquei muito impressionada com o resultado. Não são programas perfeitos, são programas de larga escala. Mas eu fui testemunha de que é possível ter esse tipo de transformação em escala e da mudança de vida das famílias. Eu conheço pessoas que moravam num barraco de madeira. Hoje moram numa casa e o fato de morar numa casa, num bairro integrado à cidade transformou a vida delas, delas e das futuras gerações”

Na ONU-Habitat, Rossbach enfrenta desafios como a implementação da Nova Agenda Urbana e a necessidade de abordar a informalidade nas cidades. Ela enfatizou a importância do planejamento urbano para enfrentar crises globais, como a mudança climática e a crise habitacional, e destacou o papel crucial dos jovens na construção de cidades mais inclusivas e sustentáveis.

São Paulo, Brasil

© Unsplash/Lucas Marcomini – São Paulo, Brasil

Juventude e crise habitacional

Para a nova diretora executiva, alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável passa por algo que parece simples, mas vem se tornando cada vez mais complexo: ter um teto.

Anaclaudia Rossbach ainda aponta a importância de incluir os jovens para encontrar soluções para crise habitacional. Ela afirma que informações e dados sobre como a juventude se relaciona com as cidades é fundamental para criação de políticas públicas futuras que sejam efetivas.

“Eu acredito muito no planejamento urbano e na organização do território da cidade como uma chave importante para enfrentar as grandes batalhas globais. E eu acredito que os jovens podem nos ajudar nisso, porque a gente que está nessa batalha já há mais tempo, às vezes a gente não vê muitas coisas. Então, eu acho que os jovens, eles podem trazer um outro olhar. Eles já estão utilizando a cidade de uma maneira diferente. Eu posso usar minha experiência, tudo que eu aprendi no Brasil e fora para ONU-Habitat e colocar isso a serviço dos estados membros e suas cidades. Mas eu preciso desse olhar, porque eu preciso entender para onde a gente vai. A crise habitacional chegou no momento que nós não podemos mais ignorar. Nós temos que trabalhar de uma forma, de uma forma bastante intensa. Sem um teto, não conseguimos atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.”

Ciudad Bolivar, no sul de Bogotá, Colômbia.

© UN-Habitat/Hector Bayona – Ciudad Bolivar, no sul de Bogotá, Colômbia.

Chefe da ONU-Habitat

Anaclaudia Rossbach sucede a Maimunah Mohd Sharif, da Malásia. A economia traz para o cargo mais de 20 anos de experiência trabalhando em assentamentos urbanos precários e informais, habitação social e políticas urbanas, além de projetar e implementar estratégias para organizações públicas, sociais e privadas com partes interessadas locais, nacionais e internacionais.

Atualmente, Anacláudia Rossbach atua no Lincoln Institute of Land Policy e também contribuiu com projetos no Banco Mundial, fornecendo assistência técnica e facilitando o diálogo político de alto nível para desenvolver e implementar habitações em vários países do mundo.

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A chefe dom ONU-Habitat também trabalhou para a Prefeitura de São Paulo e foi a diretora fundadora da organização não governamental Interação, afiliada à Slums Dwellers International, desenvolvendo projetos de alto impacto em comunidades informais no Estado de São Paulo e na cidade de Recife, Brasil.

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A trajetória de Kamala Harris na Justiça antes das eleições dos EUA

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Kamala Harris era considerada linha-dura na sua atuação como promotora de Justiça do Condado de Alameda, procuradora-geral de São Francisco e da Califórnia

Na noite de 10 de abril de 2004, o policial de São Francisco Isaac Espinoza, 29 anos, foi executado com 11 tiros de fuzil na barriga e na coxa, sem chance para sacar a própria arma para se defender. O crime, como não poderia deixar de ser, causou enorme comoção na comunidade e especialmente entre os colegas e familiares.

Na Califórnia, o assassinato de policiais é causa de pena de morte. Esse era o desfecho que muitos esperavam para o caso. Mas a procuradora-geral de São Francisco, eleita um ano antes, Kamala Harris, não estava disposta a recuar no compromisso firmado em sua campanha ao Ministério Público de nunca pedir a pena de morte por mais hediondo que o crime fosse.

E, assim foi, apesar de o episódio ter marcado a vida pública da hoje vice-presidente da República e provável candidata à Casa Branca pelo partido Democrata. Em artigo publicado no jornal San Francisco Chronicle, Kamala justificou na época: “Para aqueles que querem que este réu seja condenado à morte, deixe-me dizer simplesmente que não se abrem exceções a questões de princípios”.

O assassino do policial, David Hill, tinha 21 anos no dia dos disparos. Em 2007, ele foi condenado à prisão perpétua sem direito à liberdade condicional e segue cumprindo a pena na prisão estadual de New Folsom, na Califórnia. O episódio foi narrado no livro Kamala Harris, a biografia escrita pelo jornalista Dan Morain, que acompanha a trajetória da vice-presidente desde o início de sua carreira como promotora.

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Apesar de ser contra a pena de morte, Kamala Harris era considerada linha-dura na sua atuação como promotora de Justiça do Condado de Alameda, procuradora-geral de São Francisco e da Califórnia. E, por alguns, até criticada por excesso de defesa do encarceramento.

Uma coisa é certa: Kamala Harris, ao estilo de quem, pela profissão, está acostumada a embates duros nas sessões de julgamento para convencer o júri, é uma excelente debatedora. E foi com um tom a la Ministério Público que Harris deu a largada na campanha presidencial no início da semana, mesmo ainda sem a confirmação oficial de sua candidatura — o que ocorrerá apenas em agosto na convenção dos democratas.

Num dos primeiros discursos, provocou o adversário, Donald Trump, que recentemente foi condenado em 34 acusações de fraude contábil, tornando-se o primeiro ex-presidente dos Estados Unidos com um veredito como esse. “Antes de me tornar vice-presidente e antes de ser eleita senadora dos Estados Unidos, eu era procuradora-geral da Califórnia. Antes disso, eu era uma promotora que enfrentava predadores, fraudadores e trapaceiros. Então eu conheço o tipo de Donald Trump”, afirmou. E acrescentou: “Nesta campanha, colocarei meu histórico contra o dele”.

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241 anos de Simón Bolívar, o Libertador da América

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Revolucionário deixou legado de impacto na política latino-americana, sendo reivindicado por diversas correntes políticas

Há 241 anos, em 24 de julho de 1783, nascia o revolucionário venezuelano Simón Bolívar. Influenciado pelo ideário iluminista, Bolívar liderou uma série de campanhas militares contra as forças colonialistas espanholas, tornando-se o principal expoente dos movimentos autonomistas latino-americanos.

Suas ações conduziram Venezuela, Colômbia, Equador, Panamá, Peru e Bolívia à independência, granjeando-lhe o epíteto de “El Libertador”. Foi também o mais destacado promotor dos esforços em prol da integração latino-americana, presidindo por mais de 10 anos a Grã-Colômbia.

Simón Bolívar nasceu em Caracas, na Capitania-Geral da Venezuela, então uma colônia da Espanha. Descendia de uma rica família de origem basca, estabelecida na Venezuela desde o século 16. Seu pai, Juan Vicente Bolívar, faleceu quando tinha três anos de idade. Aos nove, perdeu a mãe, María de la Concepción Palacios. Foi então entregue aos cuidados do tio, Carlos Palacios, que confiou sua educação a tutores eminentes. Tornou-se aluno do pedagogo Simón Rodrigues e do humanista Andrés Bello, que o apresentaram à obra de Jean-Jacques Rousseau e à filosofia iluminista.

Ainda adolescente, ingressou como cadete no Batalhão de Milícias de Valles de Aragua. Em 1799, então com 16 anos, foi enviado à Espanha a fim de prosseguir com seus estudos. Em Madri, teve aulas de história, literatura e matemática e conheceu María Teresa del Toro Alayza, com quem se casaria em 1802.

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Bolívar retornou a Caracas logo após o casamento, mas em 1803 sua esposa faleceu, vitimada pela febre amarela. O jovem voltou então à Europa. Em Paris, Bolívar testemunhou a coroação de Napoleão Bonaparte, alçado ao poder ao término da Revolução Francesa, e travou contato com o naturalista alemão Alexander von Humboldt. Aprofundou suas leituras sobre a filosofia iluminista, terminando por aderir às ideias revolucionárias.

Em Roma, proferiu o “Juramento do Monte Sacro”, comprometendo-se a lutar pela libertação da Venezuela do domínio espanhol. Aderiu à franco-maçonaria e visitou os Estados Unidos, buscando inspiração no movimento autonomista recém liderado por George Washington.

De volta a Caracas em 1807, Bolívar declarou apoio ao incipiente movimento independentista liderado por Francisco de Miranda, que seria fortalecido com o início da Guerra Peninsular. Após ordenar a invasão da Espanha, o imperador francês Napoleão Bonaparte forçou o rei espanhol Carlos IV e seu herdeiro, Fernando VII, a abdicarem do trono em favor de seu irmão, José Bonaparte. A crise gerada pela deposição dos monarcas enfraqueceu o Império espanhol e inflamou a luta independentista nas colônias.

Apoiado por outros membros da aristocracia criolla, Bolívar se engajou nas juntas de resistência e passou a usar a fortuna da família para financiar o movimento pela independência na Venezuela. Em 1810, após a dissolução da Junta Suprema da Espanha e a expulsão dos dirigentes da metrópole, os rebeldes formaram um governo provisório. Bolívar partiu para a Inglaterra, visando obter apoio diplomático à independência venezuelana.

Em 5 de julho de 1811, a independência da Venezuela foi proclamada e Miranda assumiu a Presidência do país. A violenta reação da Espanha, entretanto, acuou os rebeldes e levou Miranda à rendição. Bolívar viu-se forçado a se exilar em Cartagena, na Nova Granada (atual Colômbia), onde analisou de forma crítica o revés dos independentistas, explicado em seu “Manifesto de Cartagena”. Nomeado chefe do Exército revolucionário, Bolívar logrou neutralizar as ofensivas espanholas em Nova Granada.

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Em seguida, declarou “guerra de morte” ao regime colonial e liderou as tropas rebeldes na invasão à Venezuela, triunfando sobre as forças espanholas em Taguanes. Bolívar conquistou Caracas e proclamou a Segunda República Venezuelana, sendo alçado à Presidência do país. Sem embargo, José Tomas Boves e Francisco Tomás Morales articularam a oposição dos “llaneros” interioranos, reconciliando-os com a monarquia espanhola e exortando a resistência contra a aristocracia criolla.

A disputa evoluiu para uma guerra civil e Caracas foi retomada pelas tropas espanholas. A metrópole europeia reprimiu violentamente os rebeldes, deixando um saldo de milhares de mortos.

Bolívar buscou refúgio na Jamaica, onde elaborou a “Carta da Jamaica”, em que defendia a criação de uma confederação hispano-americana, formada por nações independentes, republicanas e guiadas por princípios humanistas. Partiu em seguida para o Haiti, onde foi recebido pelo presidente Alexandre Pétion, que se comprometeu a ajudá-lo em troca do compromisso com a abolição da escravatura nos territórios libertados. Contando com quatro batalhões e 6.000 armas fornecidas pelo governo haitiano, Bolívar organizou o retorno para a Venezuela em 1816. Fixou-se no leste do país, estabelecendo um governo paralelo sediado em Angostura (hoje Ciudad Bolívar). Organizou então o Congresso de Angostura, onde lançou as bases do projeto de unificação das nações hispanoamericanas, que seria concretizada com a criação da Grã-Colômbia, abrangendo os territórios do antigo Vice-Reino de Nova Granada.

Em 1819, após fortalecer a aliança com os nacionalistas colombianos liderados por Francisco de Paula Santander e assegurar o apoio dos camponeses, Bolívar lançou uma grande ofensiva contra Nova Granada. A operação contou com apoio crucial de um contingente de mercenários ingleses e irlandeses, reunidos na Legião Britânica. Lideradas por Bolívar, as tropas rebeldes cruzaram a Cordilheira dos Andes, venceram os espanhóis na Batalha de Boyacá e capturaram Bogotá, assegurando a independência colombiana.

Em 1821, Venezuela e Colômbia se unificaram para formar a Grã-Colômbia, da qual Bolívar se tornou presidente. Pouco tempo depois, o Panamá, também liberto, optou por se unir à Grã-Colômbia. Ainda em 1821, as forças leais à Espanha remanescentes na Venezuela foram definitivamente derrotadas na Batalha de Carabobo.

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Consolidada a emancipação das colônias de Nova Granada, Bolívar se voltou ao Equador, enviando reforços, armas e provisões para o Exército libertador comandado por Antonio José de Sucre, que logrou subjugar as tropas espanholas nas batalhas de Bomboná e Pichincha. As forças de Sucre tomaram Quito em junho de 1822, assegurando a independência do Equador e sua união à Grã-Colômbia.

Em seguida, Bolívar tratou de auxiliar no movimento independentista do Peru. A independência do país já fora formalmente proclamada por José de San Martín, mas a inércia da elite local seguiu alimentando a resistência espanhola. A partir do quartel general instalado em Trujillo, Bolívar comandou a campanha militar de independência e foi nomeado presidente do Peru.

Em 1824, as últimas tropas colonialistas foram debeladas por Bolívar em Junín e por Sucre em Ayacucho. Sucre ainda articulou a criação de um novo país na província do Alto Peru, com apoio da Assembleia Geral dos Deputados. A nova nação foi batizada como Bolívia, em homenagem a Bolívar. Em 1825, Bolívar outorgou a primeira Constituição do país, onde também exerceu o cargo de presidente, permanecendo na função por um período de quatro meses.

Wikimedia Commons Retrato de Simón Bolívar, pintado por José Toro Moreno

Ao término de 1825, Bolívar estava no auge de seu poder político. Ele ocupava simultaneamente o cargo de presidente de três nações (Grã-Colômbia, Peru e Bolívia) e havia assegurado a derrota das últimas tropas coloniais da Espanha. Seu objetivo, no entanto, era ainda mais ousado: a criação de uma grande confederação de Estados latino-americanos, se estendendo do México até a Argentina. Em 1826, visando aprofundar a integração das nações do continente, Bolívar convocou o Congresso do Panamá.

O encontro reuniu delegados do México, Federação Centro-Americana, Grã-Colômbia, Peru e Bolívia e resultou na assinatura de acordos de defesa mútua e cooperação militar e na aprovação de uma proposta em favor do fim do tráfico de escravos africanos. Embora seja um marco da diplomacia latino-americana, o congresso teve poucos efeitos práticos e a maior parte das cláusulas acordadas jamais foram implementadas.

A partir de 1827, Bolívar enfrentou crescentes dificuldades políticas e uma sucessão de crises e divergências internas. As disputas entre as elites locais fomentaram um clima de tensão e instabilidade política, ao passo que os caudilhos, insatisfeitos com o governo centralizado de Bolívar, iniciaram uma série de rebeliões. Na tentativa de manter a unidade do país, Bolívar se autoproclamou ditador da Grã-Colômbia, mas medida gerou ainda mais descontentamento e o acirramento da oposição. Em setembro de 1828, Bolívar foi alvo de uma tentativa de assassinato durante a chamada “Conspiração Setembrina”, mas conseguiu escapar graças à intervenção de sua companheira, Manuela Sáenz.

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As disputas políticas e as tensões entre os grupos regionais evoluíram para movimentos separatistas. Em 1830, Venezuela e Equador declararam sua independência e a Grã-Colômbia foi dissolvida. Desiludido e frustrado diante da fragmentação de seu projeto integracionista, Bolívar renunciou à Presidência da Grã-Colômbia em maio de 1830.

Planejava se exilar na Europa, mas não conseguiu concretizar tais planos. Simón Bolívar faleceu em 17 de dezembro de 1830, aos 47 anos de idade, vitimado pela tuberculose.

Simón Bolívar deixou um legado de grande impacto na política latino-americana. Foi reivindicado como símbolo e patrono por diversas correntes políticas ao longo do século 19, abrangendo desde a esquerda radical até a direita nacionalista. Tanto na Venezuela quanto na Colômbia, a adesão ou oposição às ideias de Bolívar serviram de base para a consolidação dos principais partidos políticos.

No século 20, o ideal bolivariano de uma América Latina unida, solidária e liberta das interferências externas inspirou diversos movimentos da esquerda revolucionária. Nos anos 80, os movimentos armados colombianos criaram a Coordenação Guerrilheira Simón Bolívar. E no fim dos anos 90, Hugo Chávez lançou na Venezuela as sementes do bolivarianismo — movimento socialista, nacionalista e pan-hispânico fundamentado em ideais de justiça social, soberania política e luta contra o imperialismo.

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