Entre o fim de 2020 e o início de 2021, enquanto o mundo enfrentava os meses mais críticos da pandemia de COVID-19, governos passaram a realizar uma reavaliação profunda de suas políticas de cooperação internacional, saúde pública e comércio exterior. O choque sanitário global não apenas interrompeu economias e cadeias logísticas, mas também expôs a fragilidade das estruturas jurídicas internacionais diante de crises transnacionais.
Para analisar essas transformações, o Fato Novo ouviu a advogada Bell Ivanesciuc, especialista em Direito Internacional, Direito Tributário e Governança Sustentável, consultada para examinar como a pandemia alterou a arquitetura institucional global e o papel dos Estados na gestão de riscos globais.
Interdependência global se torna evidente
Segundo Ivanesciuc, os meses entre agosto de 2020 e março de 2021 deixaram claro que nenhum país possui autonomia plena para enfrentar sozinho crises sanitárias de larga escala.
“A pandemia expôs, de forma incontestável, que os Estados dependem uns dos outros para acesso a insumos médicos, vacinas, logística internacional e estabilidade econômica. Foi um teste de estresse para o sistema internacional e mostrou que a cooperação deixou de ser opcional para se tornar necessidade jurídica, econômica e humanitária”, afirma.
Ela explica que o sistema de governança global, baseado em acordos que frequentemente dependem da boa vontade dos países, mostrou vulnerabilidades profundas, especialmente na distribuição de recursos essenciais.
Saúde pública como tema de Direito Internacional
Entre o final de 2020 e o início de 2021, quando novas variantes surgiam e fronteiras continuavam fechadas, muitos países reconsideraram sua participação em organismos multilaterais e seus compromissos internacionais.
“A saúde pública entrou definitivamente no núcleo das discussões de Direito Internacional. As disputas por equipamentos, vacinas e rotas logísticas evidenciaram a necessidade de atualizar tratados e protocolos que definem responsabilidades dos Estados em emergências sanitárias”, analisa Ivanesciuc.
A especialista cita que o Regulamento Sanitário Internacional, embora importante, mostrou-se insuficiente para garantir cooperação obrigatória, compartilhamento de dados em tempo real e mecanismos rápidos de resposta conjunta.
Comércio exterior e cadeias globais de suprimentos sob pressão
A pandemia também impactou diretamente o comércio global. Entre setembro de 2020 e março de 2021, episódios de desabastecimento e atrasos logísticos revelaram fragilidades históricas.
Ivanesciuc explica:
“A interrupção de rotas aéreas e marítimas deixou claro que cadeias globais dependem de previsibilidade jurídica e cooperação entre países. O comércio exterior, que sempre foi tratado como tema econômico, agora precisa ser entendido também como tema de segurança internacional.”
O período marcou debates sobre autonomia produtiva, acordos comerciais e dependência externa de insumos estratégicos.
Governança internacional em revisão
De acordo com a especialista, a pandemia provocou um movimento global de reavaliação da governança internacional. Organismos multilaterais, como ONU, OMS, OMC e instituições financeiras internacionais, passaram a enfrentar pressão para reformar mecanismos de transparência, fiscalização e resposta a crises.
“O mundo percebeu que não existe um sistema centralizado ou juridicamente vinculante capaz de coordenar respostas conjuntas em escala global. A governança internacional precisa evoluir para lidar com riscos coletivos — sanitários, ambientais, econômicos e climáticos.”
Três desafios identificados entre 2020 e 2021
Ao ser questionada sobre os pontos mais críticos revelados no período, Ivanesciuc destaca:
1. Falta de protocolos internacionais obrigatórios
“A ausência de mecanismos vinculantes fez com que cada país adotasse medidas isoladas, muitas vezes conflitantes.”
2. Instabilidade nas cadeias logísticas internacionais
“Sem coordenação entre Estados, o comércio exterior ficou vulnerável, afetando inclusive medicamentos, alimentos e insumos básicos.”
3. Fragilidade dos sistemas nacionais de saúde diante de riscos globais
“A pandemia mostrou que políticas internas precisam dialogar com compromissos internacionais para garantir proteção eficaz.”
Um chamado para reconstrução institucional
A advogada conclui que o período entre o segundo semestre de 2020 e o início de 2021 representa um marco na transformação da governança global:
“A pandemia foi mais do que um evento sanitário; foi um divisor de águas na forma como os países entendem responsabilidade internacional. A partir desse período, saúde pública, comércio, meio ambiente e segurança passaram a ser temas indissociáveis no Direito Internacional contemporâneo.”
Redação