Conecte-se conosco

Sociedade

Inteligência artificial deve priorizar elemento humano, diz João Marcello Bôscoli BR

Publicado

em

Em entrevista ao Podcast ONU News, produtor musical afirma que utiliza tecnologia em suas produções, mas defende regulação sobre direitos autorais, criação e produção de conteúdo; já secretário-geral, António Guterres, apelou por ética e gerenciamento de riscos da IA durante conferência sobre o tema, em Paris, na semana passada

A inteligência artificial (IA) deve ser um recurso que sirva à humanidade e não ser servida por ela. Com esta declaração, o secretário-geral da ONU, António Guterres, apelou aos países-membros da organização, durante uma conferência internacional, em Paris, na França, para apoiarem a criação de um painel científico sobre o tema.

Em setembro, as Nações Unidas adotaram o Pacto Digital Global sobre a Governança da IA prometendo que ninguém será esquecido pela tecnologia. A meta é evitar um fosso socioeconômico entre quem tem e não tem acesso ao recurso.

Ética e direitos autorais na produção de conteúdo

Para agências da ONU como a Unesco, especializada em educação, ciência e cultura, e a Ompi, que cuida de propriedade intelectual, os focos da IA devem ser ética e os direitos autorais na produção de conteúdo pela indústria criativa.

Para conversar sobre o tema, o Podcast ONU News entrevistou o produtor musical João Marcello Bôscoli, que já utiliza a tecnologia em seu estúdio e selo de gravação, Trama, no Brasil. Segundo ele, o elemento humano jamais deve ser ignorado pela nova tecnologia.

“Só me preocupo quando na área musical, se pensa em tirar o ser humano da equação. Ou seja, nem gerar um prompt, a gente gera, né? Isso é gerado já por um software então não tem nenhum tipo de interferência humana.  Claro que quando gera som, certamente em algum momento um som humano foi pesquisado. Aí entram as discussões sobre os direitos autorais, a legitimidade de toda essa iniciativa. Mas acho que é uma grande parte muito positiva. E uma pequena parte que temos que nos preocupar. Como talvez tenha sido com todas grandes descobertas humanas, né?”

Durante o Encontro de Cúpula sobre Inteligência Artificial, em Paris, organizado por França e Índia, o líder da ONU, António Guterres, afirmou que é preciso estabelecer um diálogo global sobre a execução da tecnologia e suas aplicações respeitando os direitos humanos.

Em 2021, a Unesco adotou a Recomendação sobre Ética da Inteligência Artificial, o primeiro instrumento normativo global sobre o tema.

Para o produtor musical, João Marcello Bôscoli, a lisura no processo de criação de conteúdo por máquinas é fundamental não só para a esfera da música e seu mercado, mas também para outras áreas da sociedade.

“Para ser gerado um som, um determinado padrão de melodia, um encadeamento harmônico, isso precisa ser estudado.  Se estudou, ouviu algum tipo de música, uma música que foi feita por um ser humano. Se vai lá faz isso e depois não paga, me parece incorreto. Eu tenho 55 anos quase, e eu sou do tempo que o trabalho era remunerado. Eu quero ver quando isso chegar aos escritórios de advocacia e aos bancos.”

Bôscoli lembra que, em 1998, a indústria fonográfica global gerava uma receita de US$ 50 bilhões. Em 2024, a quantia chegou a US$ 26,8 bilhões após um crescimento de 10%. Quase metade desse montante veio do pagamento de streaming.

Para o produtor musical, a discussão hoje na música pode até não despertar muito interesse, mas ela seguramente deverá avançar para áreas como finanças e política.

“Então é assim: enquanto estão batendo em artista, maltratando e saqueando os artistas, ainda é algo que fica numa determinada esfera. Quando chegar ao Congresso, quando começarem a propor que máquinas substituam os políticos, quando fizerem a proposta às famílias mais poderosas do mundo que elas sejam substituídas, quando os bancos e os escritórios de advocacia passarem por isso, aí as pessoas vão dizer: ‘Nossa, isso é perigoso!’.

Segundo João Marcello Bôscoli, “a música não é um problema que precise de solução”.

Sobrinho trineto da compositora, pianista e primeira maestrina brasileira, Chiquinha Gonzaga (1847-1935), filho de Elis Regina e Ronaldo Bôscoli, o profissional observa as mudanças no mercado fonográfico desde a infância. Para ele, essa é uma discussão que ainda deverá assumir novos contornos, como ocorreu com a regularização do pagamento do streaming há algumas décadas.

O importante agora é analisar e consolidar os avanços para que a indústria criativa continue se adaptando e se reinventando sem deixar ninguém para trás…

Leia a íntegra da entrevista:

Tudo bem, João?

João Marcello Bôscoli: Tudo bem, Monica. Muito obrigada por estar aqui. Um prazer. Fico meio ruborizado aí com essa abertura. Posso dizer apenas que sou apaixonado por música e o tanto que eu observo, estudo e fico envolto é por pura paixão. Acho que é uma coisa endógena.

ON: Endógena total. No DNA com certeza. João, inteligência artificial e música, o que a gente precisa saber sobre essa combinação, já que muitas pessoas já estão consumindo esse produto?

JMB: Olha, primeiro a gente pode falar que chamamos de inteligência artificial um grupo muito diferente de tipos de ferramentas, com propostas diferentes. Claro que a matriz matemática é semelhante, mas as funções são diferentes. Então, por exemplo, hoje no estúdio, eu não consigo mais comprar um software de equalização, de compressão enfim para usar em gravações, que não tenha a inteligência artificial.  Isso é algo que já vem dentro dessas ferramentas e são muito úteis, tem resultados interessantes, mas sempre com um comando humano, né? A gente tem também a inteligência artificial nas restaurações. Você tem uma gravação que está com algum ruído de fundo, um chiado que o tempo trouxe, o que já estava lá. Acho que um caso clássico, já, o John Lennon com os Beatles. Aquela gravação que ele fez no Dakota e tinha o barulho de automóvel, televisão e tal. E ele ao piano… esse tipo de recurso consegue isolar tudo. A gente também tem ferramentas criativas, onde você fala: ‘eu quero um som de um sintetizador fazendo tal coisa’, e a ferramenta te propõe um som como se fosse um instrumento musical ali.

Então, acho que a maior parte da utilização da inteligência artificial, acho que ela é positiva. A pequena parte que talvez não seja positiva é quando você não tem o comando humano, quando você tira o ser humano da equação. É uma visão minha. Claro, que alguém pode dizer: ‘qual é o problema de tirar o ser humano da equação?’

Mas penso que é a música não é um problema que precise de uma solução.

Acho que a inteligência artificial é para resolver o trânsito, resolver a poluição, resolver algum problema sério de saúde, fazer um bebê ouvir, salvar vidas, minimizar o impacto das nossas vivências diárias aí, o lixo e tal, tudo isso é muito bem-vindo.

Só me preocupo quando na área musical, se pensa em tirar o ser humano da equação. Ou seja, nem gerar um prompt, a gente gera, né? Isso é gerado já por um software então não tem nenhum tipo de interferência humana.   Claro que quando gera som, certamente em algum momento um som humano foi pesquisado. Aí entram as discussões sobre os direitos autorais, a legitimidade de toda essa iniciativa. Mas acho que é uma grande parte muito positiva. E uma pequena parte que temos que nos preocupar. Como talvez tenha sido com todas grandes descobertas humanas, né? A fissura do átomo pode resolver problemas energéticos incríveis, mas se sair do controle pode destruir o planeta.

Gosto de lembrar sempre do grande Herbie Hancock, já que falamos de música aqui, o pianista que é budista, fala que com um machado você pode destruir uma casa ou acabar com uma vida, né? Depende de como você vai usar a ferramenta. Não creio que ela em si seja ruim, sabe Monica? Acho que depende do uso.


*Revista Galileu

Continue Lendo
Publicidade

Clique para comentar

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Em alta

Copyright © 2021-2025 | Fato Novo - Notícias e informações.