Na mesma mensagem, Cid diz que “aquele navio e aquela árvore, elas não são de ouro” e relata dificuldades para vender. Em seguida, conta a Câmara sobre o procedimento de venda, por meio de leilão, de um kit, que conteria um relógio. “O relógio, aquele outro kit lá, vai pro dia 7 de fevereiro, vai pra leilão. Aí vamos ver quanto que vão dar”.
Em resposta, Câmara se refere aos US$ 25 mil e diz que é melhor “em cachê”.
Ainda em depoimento de Mauro Cid na PF, o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro afirmou ter entregado uma parte do dinheiro da venda das joias em mãos ao ex-presidente durante uma viagem oficial a Nova York.
Os recursos teriam sido entregues em espécie em setembro de 2022, quando Bolsonaro estava na cidade norte-americana para fazer aquele que seria seu último discurso como presidente brasileiro na Assembleia Geral da ONU.
O dinheiro, de acordo com o relato de Cid à PF, seria referente a um relógio de luxo recebido por Bolsonaro de autoridades estrangeiras e vendido pelo próprio tenente-coronel nos Estados Unidos naquele mesmo ano de 2022.
Desvio de altos valores
A PF concluiu nesse relatório, que chegou ao Supremo, pelo indiciamento de Bolsonaro e mais 11 pelos crimes de peculato, associação criminosa, lavagem de dinheiro e advocacia. Quando é tratada a entrega de dinheiro em espécie, a PF afirma que “identificou indícios de que Bolsonaro, então presidente da República, seus assessores Marcelo Câmara e Osmar Crivelatti; o ex-chefe da Ajudância de Ordens Mauro Cesar Cid; o ex-chefe do Gabinete de Documentação Histórica da Presidência Marcelo Vieira e outras pessoas, ainda não identificadas, atuaram para desviar presentes de alto valor recebidos em razão do cargo pelo ex-presidente da República e/ou por comitivas do governo brasileiro”, diz relatório.
A PF concluiu “que os valores obtidos dessas vendas eram convertidos em dinheiro em espécie e ingressavam no patrimônio pessoal do ex-presidente da República, por meio de pessoas interpostas e sem utilizar o sistema bancário formal, com o objetivo de ocultar a origem, localização e propriedade dos valores”, concluiu a PF.
Ainda no relatório encaminhado à Procuradoria-Geral da República (PGR), a PF “indica a possibilidade de que os proventos obtidos por meio da venda ilícita das joias desviadas do acervo público brasileiro, que, após os atos de lavagem especificados, retornaram, em espécie, para o patrimônio do ex-presidente, possam ter sido utilizados para custear as despesas em dólar de Jair Bolsonaro e sua família, enquanto permaneceram em solo norte-americano”, diz.
E conclui: “a utilização de dinheiro em espécie para pagamento de despesas cotidianas é uma das formas mais usuais para reintegrar o ‘dinheiro sujo’ à economia formal, com aparência lícita”.
Sigilo derrubado
Nesta segunda-feira (8/7), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes retirou o sigilo do caso das joias. Moraes considerou que, com o relatório final do caso apresentado pela Polícia Federal na semana passada, não há razão para manter o processo sob discrição.
Agora, a PGR terá o prazo de 15 dias para pedir mais provas, arquivar o caso ou apresentar denúncia.
O relatório da PF indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e mais 11 pessoas no caso em que é apurada a venda ilegal no exterior de joias recebidas durante o mandato presidencial. A PF concluiu que houve crime de peculato, associação criminosa, lavagem de dinheiro e advocacia criminosa.
A reportagem do Metrópoles entrou em contato com os advogados de Mauro Cid, mas, até a última atualização desta matéria, eles não tinham respondido. O espaço permanece aberto.
Resposta
Em nota à imprensa, os advogados do ex-presidente repudiaram os detalhes do relatório. Confira a nota na íntegra, assinada pelos advogados Paulo Amador da Cunha Bueno e Daniel Bettamio Tesser:
“A defesa de Jair Messias Bolsonaro, diante da decisão proferida nesta data, tornando públicos os autos da Pet 11645, que versa sobre bens do acervo de presentes oferecidos ao ex-Presidente durante seu mandato, vem esclarecer o seguinte:
Os presentes ofertados a um Presidência da República obedecem a um rígido protocolo de tratamento e catalogação e sobre o qual o Chefe do Executivo não tem qualquer ingerência, direta ou indireta, sendo desenvolvido pelo “Gabinete Adjunto de Documentação Histórica” (“GADH”), responsável por analisar e definir, a partir dos parâmetros legais, se o bem será destinado ao acervo público ou ao acervo privado de interesse público da Presidência da República. Referido Gabinete, esclareça-se, é composto por servidores de carreira e que, na espécie, vinham de gestões anteriores.
Note-se, ademais disso, que todos os ex-Presidentes da República tiveram seus presentes analisados, catalogados e com sua destinação definida pelo “GADH”, que, é bem de se ver, sempre se valeu dos mesmos critérios empregados em relação aos bens objeto deste insólito inquérito, que, estranhamente, volta-se só e somente ao Governo Bolsonaro, ignorando situações idênticas havidas em governos anteriores.
No curso desta mesma investigação — repita-se, estranhamente direcionada apenas ao ex-Presidente Bolsonaro —, houve representação para a inclusão do atual Presidente da República, tendo em vista as próprias declarações do mesmo de que, quando no exercício de mandato, havia recebido um relógio da sofisticada marca Piaget, presenteado pelo ex-Presidente da República Francesa, Jacques Chirac.
A despeito de tratar-se de situação absolutamente análoga, inclusive quanto a natureza e valor expressivo do bem, o Ministro Alexandre de Moraes, na condição de relator da presente investigação, determinou o pronto arquivamento da representação, em 6 de novembro de 2023, sem declinar as razões que tornariam aquela situação legítima e a do ex-Presidente Bolsonaro não.
Importa, ainda, lembrar que o ex-Presidente Bolsonaro, desde que foi noticiado, em março do ano passado, que o Tribunal de Contas da União havia aberto procedimento voltado a avaliar a destinação dos bens aqui tratados para o acervo privado de Presidência da República, antes mesmo de qualquer intimação ou ciência oficial, compareceu de forma espontânea aos autos e requereu que os referidos bens fossem, desde logo, depositados naquela Corte de Contas.
A iniciativa visava deixar consignado, ao início da menor dúvida, que em momento algum pretendeu se locupletar ou ter para si bens que pudessem, de qualquer forma, serem havidos como públicos. Se naqueles autos colocou-se em discussão o status legal de tais itens, dada a complexidade das normas que teoricamente disciplinam a dinâmica de bens dessa ordem, requereu-se, ad cautelam, que desde logo ficassem sob a custódia do poder público, até a conclusão da discussão sobre sua correta destinação, de forma definitiva.
A presente investigação — assim como as demais que colocam hodiernamente o ex-Presidente como protagonista —, ressente-se, ainda, da evidente incompetência do Supremo Tribunal Federal e da inexistência de qualquer prevenção do Ministro Alexandre de Moraes enquanto relator, aspecto sobre o qual a Procuradoria Geral da República, já em agosto de 2023, expressamente declinou da competência para a tramitação da apuração, indicando o MM. Juízo de 1.ª instância em Guarulhos. Como sói acontecer nos feitos que envolvem o ex-Presidente, a apuração permaneceu tramitando na Suprema Corte, ignorando-se a manifestação da PGR.
Por último, a defesa manifesta sua completa indignação com o fato de que o relatório apresentado pela Polícia Federal, imputou — de forma temerária e despida de quaisquer fundamentos factuais ou mercadológicos —, que o exPresidente teria tentado beneficiar-se de valores contabilizados na absurda ordem de R$ 25.000.000,00, afirmação que, somente após enorme e danosa repercussão midiática, foi retificado pela Polícia Federal.”
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