“Uma cafeteira elétrica de 600 W de potência é utilizada 12 minutos por dia. Qual é o consumo mensal em KW/h?” Assim a professora Angela Maria Pereira da Silva começa seu vídeo em seu canal no YouTube, ensinando como calcular o consumo de energia de um eletrodoméstico. Este é apenas um exemplo dos mais de 1.500 vídeos que a docente tem no canal que leva seu nome: Professora Angela Matemática, e possui mais de 1,81 milhão de inscritos.
Assim como Angela, muitos professores youtubers — também chamados de edutubers ou influencers educativos — se tornaram protagonistas da educação digital ao utilizarem, por exemplo, ambientes online como o YouTube. Essa adequação se deve à realidade de uma geração de estudantes que está cada vez mais conectada com o mundo tecnológico.
Para alcançar uma grande audiência de estudantes, os professores youtubers têm usado uma linguagem acessível, fácil, ágil e criativa, oferecendo conteúdos em lives e videoaulas, que vão desde reforço escolar até dicas para passar em vestibulares. “No meu canal, as dúvidas de português costumam ter muitos acessos. O vídeo sobre o uso do ‘a’ ou ‘h’ teve mais de 150 mil visualizações”, conta Thiago Charme, professor de língua portuguesa, dono do canal Português com Charme, que tem mais de 22 mil seguidores.
Com seus canais, Angela e Thiago conseguem monetizar, complementando a renda mensal de seus salários como professores. “A monetização era maior antes da pandemia da Covid-19. Acredito que caiu porque teve um aumento no número de produtores de conteúdo. Mesmo assim, vale a pena”, diz o docente.
“A monetização era maior antes da Covid-19”, conta o professor Thiago Charme, dono do canal Português com Charme, com mais de 22 mil seguidores (Foto: arquivo pessoal)
YouTube Edu e os edutubers
Os professores Angela Maria Pereira e Thiago Charme também estão participando do YouTube Edu, um canal gratuito de vídeos educacionais voltados à aprendizagem escolar. O canal foi fundado em 2013 e, 10 anos depois, foi totalmente reformulado por meio de um acordo de cooperação técnica entre o YouTube e a Unesco no Brasil (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), que fez a curadoria de seus conteúdos a partir da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Com os perigos das fake news e conteúdos impróprios, iniciativas como o YouTube Edu são formas de se reunir o que há de relevante e seguro na internet.
“Sua nova versão foi o resultado de um rigoroso processo de seleção, por meio do qual foram selecionadas mais de 1.000 videoaulas para apoiar o processo de ensino e aprendizagem de estudantes e professores dos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio”, afirma Rebeca Otero, coordenadora de educação da Unesco no Brasil. “No âmbito da educação digital, esse projeto é bastante importante devido ao seu potencial para complementar e melhorar a qualidade e a relevância da aprendizagem”, completa ela.
Alinhadas à BNCC, mais de 1.000 videoaulas fazem parte da curadoria, destaca Rebeca Otero, coordenadora de educação da Unesco Brasil (Foto: divulgação)
Como tudo começou
Todo esse sucesso conquistado por Angela e Thiago não aconteceu da noite para o dia. Cada um teve de construir sua trajetória de youtuber ao longo de anos até conseguir conquistar um número expressivo de seguidores.
Angela teve a primeira ideia de gravar uma videoaula de reforço para seus alunos do 6°ano do ensino fundamental em 2015. Mas decidiu parar no ano seguinte. “Um grupo de pessoas que estudava para prestar concurso para PM de Pernambuco pediu muito para eu voltar a publicar meus vídeos. Foi aí que me dei conta de que as videoaulas estavam ajudando muitas outras pessoas além dos meus próprios alunos”, conta a docente. E a partir daí, ela retomou suas produções e não parou mais. Hoje também é docente de uma escola pública da rede estadual de São Paulo e trabalha como professora especialista na aprovação de estudantes para o Enem e concursos públicos.
Já Thiago conta que, na sua adolescência, era fascinado pelo canal de televisão MTV e sonhava em trabalhar com vídeos. Mas resolveu ser professor de língua portuguesa. Começou a lecionar em escolas em 2009. Após dois anos criou um blog para seus alunos e começou a produzir videoaulas. Depois participou de um canal de coletivo de professores de cursinhos pré-vestibulares no YouTube. E em 2016, finalmente criou seu próprio canal. Hoje dá aulas presenciais no Instituto Federal Sul-Rio-Grandense, em Venâncio Aires, e no Centro de Ensino Integrado de Santa Cruz do Sul, ambos no Rio Grande do Sul.
Angela Maria é dona do canal Professora Angela Matemática. Ela começou em 2015, para seus estudantes do 6°ano do fundamental (Foto: arquivo pessoal)
Impactando a vida de milhares de estudantes
O trabalho de Angela, Thiago e de muitos professores youtubers tem impactado o ensino e a aprendizagem de estudantes em todo o Brasil. Alunos, que antes dependiam exclusivamente de aulas presenciais e de material impresso, agora têm à disposição uma diversidade imensa de conteúdos digitais, tornando o processo de ensino mais dinâmico, democrático e inclusivo.
“Tenho muitos exemplos de estudantes que passaram no Enem e em vestibulares estudando matemática através do meu canal. E já recebi muitos e-mails de agradecimento de internautas que conseguiram conquistar a vaga dos sonhos em um concurso público porque aprenderam comigo no YouTube”, relata Angela. Thiago destaca também duas experiências marcantes: “Uma vez recebi a mensagem de uma pessoa com deficiência visual que disse ter aprendido sobre língua portuguesa ao escutar minha videoaula. Isso me deixou muito feliz. Também recebi mensagem de um professor de uma universidade pública em Pernambuco, que disse ter usado meus vídeos em suas aulas. Fiquei emocionado. Meu trabalho está impactando alunos do ensino público”.
As aulas presenciais também se transformaram
Toda essa revolução digital também invadiu as salas de aula das escolas. E a forma de ensinar vem mudando. “O professor de 15 anos atrás era diferente. Ele não tinha tantas ferramentas digitais à disposição como hoje. Em minhas aulas presenciais, sempre indico videoaulas (inclusive de outros professores) para complementar os estudos dos meus alunos. E isso é muito positivo. Temos de nos adaptar a essa geração conectada”, reflete o professor Thiago. A educadora Angela concorda e complementa: “Os meus alunos gostam muito de ter as minhas videoaulas como apoio, principalmente para rever os conteúdos para as avaliações.”
Influenciando professores e famílias
Além dos estudantes, os professores youtubers também estão impactando o trabalho de muitos docentes. “Minhas produções são sempre bem recebidas não só pelos alunos. Quando divulgo meus vídeos para um grupo de docentes do qual participo, eles sempre incentivam suas classes a consumirem os meus conteúdos”, conta Thiago. Angela também fica feliz com o retorno de seus colegas. “Professores de matemática, ainda iniciantes em suas carreiras, já me procuraram para dizer que se inspiram em meus vídeos.”
As videoaulas do YouTube também estão impactando famílias, principalmente de estudantes do ensino fundamental. Thiago e Angela contam que já receberam em seus canais comentários de pais e mães agradecendo por usar as videoaulas como apoio para ajudar seus filhos nas lições de casa e também para apoiar nos estudos para provas e avaliações.
Qual será o futuro?
Com o constante crescimento do consumo de conteúdo digital, os professores youtubers terão um papel cada vez mais relevante na democratização do ensino, ao disponibilizarem materiais acessíveis para públicos de diferentes regiões e realidades socioeconômicas. Não é à toa que Angela e Thiago já têm projetos para ampliar suas atuações online. “Vou criar o Tercenem — lives semanais focadas no Enem e em concursos públicos”, conta a professora. Já o docente pretende produzir uma plataforma digital de cursos de língua portuguesa e literatura, além de produzir mais vídeos em seu canal no YouTube.
Fonte: Revista Educação