Na semana de 28 de outubro de 2025, o vice-presidente Geraldo Alckmin assinou o Decreto nº 12.689/2025, que amplia até 21 de outubro de 2029 o prazo para proprietários de imóveis rurais realizarem o georreferenciamento — processo que define com precisão as coordenadas geográficas de uma propriedade. A medida, no entanto, eliminou a distinção por tamanho de área, aplicando o mesmo prazo a todas as propriedades, independentemente de serem de 10 ou 10 mil hectares.
A mudança altera o Decreto nº 4.449/2002, que estabelecia prazos escalonados: enquanto imóveis acima de 5.000 hectares tinham 90 dias para cumprir o requisito em casos de transferência, desmembramento ou remembramento, os de até 25 hectares contavam com até 22 anos.
Objetivo declarado: aliviar pequenos produtores
O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) justificou a medida como resposta às “dificuldades que os proprietários, em especial os pequenos, enfrentam” devido aos altos custos e complexidade técnica do georreferenciamento. A Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais (Contag) havia solicitado, em abril de 2025, justamente a prorrogação apenas para imóveis de até 25 hectares, com o objetivo de garantir acesso de famílias agricultoras a crédito agrícola e políticas públicas.
No entanto, a entidade expressou preocupação com a extensão da medida a grandes propriedades. Em nota, a Contag afirmou:
“Essa ampliação beneficia grandes proprietários e cria brechas que podem estimular a grilagem e a concentração fundiária, em detrimento das famílias agricultoras que realmente necessitam de apoio.”
Riscos de grilagem e retrocesso na governança fundiária
Especialistas alertam que o adiamento generalizado fragiliza o controle fundiário e pode ser aproveitado por grileiros para registrar terras públicas ou sobrepostas como se fossem privadas.
O professor Raoni Rajão, da UFMG, explica que o georreferenciamento, registrado no Sistema de Gestão Fundiária (SIGEF) do Incra, é um mecanismo muito mais robusto que a simples escritura em cartório, pois impede sobreposições e garante a integridade territorial.
“Grileiros podem usar esse adiamento para registrar propriedades em áreas já ocupadas ou protegidas, antes que o sistema bloqueie essas tentativas”, afirma.
O professor Girolamo Treccani, da UFPA, classificou a medida como um retrocesso. “Vai na contramão da sistematização de informações, necessária para resolver o caos fundiário brasileiro”, disse.
O Tribunal de Contas da União (TCU) incluiu a governança fundiária entre as 29 áreas de alto risco na administração pública em 2024, justamente por falta de base fundiária unificada. Um estudo da revista Land Use Policy (2019) estima que o Estado não sabe quem é dono de 17% do território nacional — cerca de 141 milhões de hectares.
Impacto na Amazônia é especialmente grave
Na Amazônia, onde há 50,2 milhões de hectares de florestas públicas não destinadas, 10,2 milhões já aparecem irregularmente no Cadastro Ambiental Rural (CAR), segundo o Observatório das Florestas Públicas.
Treccani ressalta que, na região, faltam políticas de destinação de terras e digitalização de registros, tornando o georreferenciamento ainda mais crítico. “A suspensão da obrigatoriedade pode acelerar a apropriação ilegal de terras públicas”, alerta.
Contexto legislativo: PL 4.497/2025 avança no Congresso
A assinatura do decreto ocorreu dias antes da aprovação em regime de urgência no Senado, em 28 de outubro, do PL 4.497/2025, já aprovado na Câmara. O projeto:
- Permite regularização de imóveis rurais na faixa de fronteira sem certidões oficiais;
- Adia até o fim de 2028 a obrigatoriedade de georreferenciamento prevista na Lei nº 6.015/1973.
Para Rajão, há uma “movimentação proativa do Congresso Nacional para tornar o marco normativo mais permissivo para grileiros”.
A WWF-Brasil, em nota técnica, classificou o PL como um “grande retrocesso”, afirmando que ele legaliza a grilagem de terras devolutas e gera insegurança jurídica.
Embora a intenção declarada do governo seja proteger pequenos agricultores, a universalização do prazo sem salvaguardas setoriais abre espaço para abuso por grandes proprietários e agentes ilegais. Em um país com histórico de conflitos fundiários e desmatamento ligado à posse irregular de terras, especialistas defendem que **políticas de regularização devem ser diferenciadas, transparentes e alinhadas à proteção ambiental.
Com informações: ECO