A ofensiva militar deflagrada pela Rússia contra a Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022 desencadeou uma das maiores crises geopolíticas desde o fim da Guerra Fria. Além do impacto humanitário e econômico, o conflito reabriu debates essenciais sobre o funcionamento e as fragilidades da ordem internacional contemporânea. Para compreender as implicações jurídicas e institucionais da guerra, o Fato Novo ouviu a advogada Bell Ivanesciuc, especialista em Direito Internacional, Governança Global e Tributação Internacional, que analisa como o conflito colocou à prova os mecanismos de segurança coletiva existentes.
Um sistema internacional pressionado à sua capacidade limite
Segundo Ivanesciuc, a invasão da Ucrânia evidenciou que a arquitetura jurídica criada após a Segunda Guerra Mundial apresenta falhas estruturais profundas.
“O conflito expôs as limitações do sistema de segurança coletiva das Nações Unidas. O Conselho de Segurança, órgão responsável por preservar a paz internacional, ficou paralisado justamente porque um membro permanente a Rússia estava diretamente envolvido no conflito. Isso desafiou o próprio fundamento da ordem internacional baseada em regras.”
A especialista destaca que a guerra colocou em xeque o princípio da proibição do uso da força, um dos pilares centrais do Direito Internacional moderno.
Responsabilidade internacional e violações jurídicas
Entre fevereiro e dezembro de 2022, diversos países e organizações denunciaram violações de normas internacionais, incluindo:
(i) integridade territorial da Ucrânia,
(ii) proteção de civis e infraestrutura essencial,
(iii) respeito a corredores humanitários,
(iv) e garantias previstas no Direito Internacional Humanitário.
Para a advogada:
“O conflito gerou um debate global sobre responsabilização internacional, crimes de guerra e eficácia das instituições multilaterais. A dificuldade em implementar decisões demonstra que o sistema depende de consensos que, em momentos de tensão geopolítica, simplesmente não existem.”
Impactos econômicos e nova configuração global
A guerra produziu efeitos imediatos na economia mundial:
(i) crise energética na Europa,
(ii) aumento global nos preços de combustíveis,
(iii) interrupção de cadeias alimentares (especialmente trigo e fertilizantes),
(iv) inflação generalizada em diversas regiões.
Segundo Ivanesciuc:
“O conflito mostrou como economia, energia e segurança internacional são interdependentes. Hoje, não existe separação entre Direito Internacional, governança econômica e sustentabilidade. A guerra acelerou uma reconfiguração geopolítica que impacta países desenvolvidos e emergentes.”
O papel da governança global em crise
A especialista explica que o conflito reacendeu a necessidade de reformar organismos internacionais como ONU, OTAN, Corte Internacional de Justiça e outras estruturas multilaterais que influenciam a paz global.
“A crise demonstrou que não basta ter tratados e princípios; é preciso ter instrumentos eficazes de implementação. O sistema multilateral precisa de mecanismos que funcionem mesmo quando grandes potências estão envolvidas no conflito.”
Ela ressalta que o Direito Internacional não é fraco, mas depende da capacidade dos Estados de cumprir e fazer cumprir suas obrigações.
Como o conflito afeta o Brasil
Mesmo geograficamente distante, o Brasil experimentou impactos diretos e indiretos ao longo de 2022:
(i) aumento de custos na produção agrícola, devido à escassez de fertilizantes;
(ii) efeitos na inflação interna;
(iii) debates sobre alinhamento diplomático e participação em organismos internacionais;
(iv) desafios energéticos e comerciais decorrentes do cenário geopolítico.
Ivanesciuc afirma:
“A guerra reforçou a importância de o Brasil fortalecer sua presença diplomática, diversificar suas fontes de insumos estratégicos e participar ativamente das discussões de governança global. Países emergentes têm papel essencial em momentos de instabilidade.”
Três fragilidades expostas pela guerra, segundo a especialista
1. Paralisação dos mecanismos de segurança coletiva
“A ONU mostrou que não possui instrumentos para conter conflitos quando um membro permanente viola as normas.”
2. Falta de previsibilidade nas cadeias globais de suprimentos
“O conflito revelou riscos estruturais para energia, alimentos e comércio internacional.”
3. Ausência de mecanismos de responsabilização efetiva
“Embora existam tribunais internacionais, sua atuação ainda é limitada em cenários de conflito entre grandes potências.”
Da Redação