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Meio Ambiente

A resposta está nos genes: projeto faz da genética aliada da conservação

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Projeto pioneiro no Brasil investe em tecnologia e capacitação para que a genética seja usada em prol da conservação, monitoramento e manejo da biodiversidade brasileira

Presente em todos os seres vivos, o DNA guarda informações valiosas sobre a identidade de cada ser. E é nesse pacote de dados e genes que podem estar caminhos estratégicos para a conservação, monitoramento e manejo da biodiversidade brasileira. Essa é a aposta do projeto Genômica da Biodiversidade Brasileira, fruto de um Acordo de Cooperação Técnica entre o ICMBio e o Instituto Tecnológico Vale Desenvolvimento Sustentável (ITV DS). A iniciativa, 100% feita no país, investe em tecnologia, capacitação e no uso de ferramentas genéticas de ponta para ajudar na proteção das espécies que existem no Brasil.

O projeto Genômica da Biodiversidade Brasileira – ou simplesmente GBB, na sigla – começou a ser executado em 2023. Um dos passos iniciais foi a consulta a pesquisadores e servidores do ICMBio sobre quais as espécies e que informações seriam prioritárias. E no final de maio, foi realizado um evento para apresentar os primeiros genomas de referência de alta qualidade concluídos.

A lista, com 23 espécies, inclui desde a onça-pintada (Panthera onca), a harpia (Harpia harpyja) e o peixe-boi-da-Amazônia (Trichechus inunguis) até o macaco kaapori (Cebus kaapori), todas sob algum nível de ameaça de extinção, de acordo com a avaliação nacional do ICMBio, e de interesse para conservação.

O projeto, com ações previstas até 2027 e que deve se estender pelo menos até 2028, pretende fazer os genomas de referência de pelo menos 80 espécies, com um investimento previsto de 25 milhões de dólares.

“Esses genomas de altíssima qualidade vão ser um mapa genético para essas espécies. Imagina que você tem que montar um quebra-cabeça gigante com peças muito pequenas sem ter aquela imagem da caixa? É muito mais difícil. O genoma de referência é esse guia em altíssima resolução. Ele ajuda qualquer outro estudo sobre a espécie a entender essas pecinhas”, explica a analista ambiental, Amely Martins, coordenadora técnica do GBB pelo ICMBio.

Uma das informações que podem ser obtidas por meio dos genomas é a demografia histórica da espécie. Ou seja, como a população de determinado bicho ou planta flutuou ao longo do tempo. “Por exemplo, espécies com populações atuais muito pequenas, será que isso é parte do histórico da espécie ou uma consequência do agora, do Antropoceno?”, aponta a analista.

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Os dados podem ajudar ainda a identificar populações geneticamente isoladas e auxiliar no manejo populacional ex situ (em cativeiro) e in situ (no ambiente natural).

A fila de espécies que terão seu genoma de referência feito pelo GBB foi feita em consulta às equipes dos Planos de Ação Nacional para conservação – os PANs –, uma política pública responsável por traçar as estratégias para reduzir o risco de extinção de espécies-alvo ameaçadas.

O trabalho é o primeiro dessa magnitude a ser realizado integralmente no Brasil, conta a coordenadora do ICMBio. “E com uma instituição pública de conservação indicando quais são os rumos para priorizar as espécies. Porque o objetivo é que essas informações possam subsidiar, num futuro muito próximo, ações concretas de conservação”, completa Amely.

Já foram coletadas 2.249 amostras e realizados 1.175 sequenciamentos. Além dos genomas de referência, já foram concluídos 336 genomas populacionais de 11 espécies, como uma das aves mais ameaçadas do mundo, a saíra-apunhalada (Nemosia rourei). A meta é chegar a mil genomas populacionais.

Durante a 15ª Conferência das Nações Unidas sobre Biodiversidade (COP15), realizada no final de 2022, foi estabelecido o Marco Global da Biodiversidade de Kunming-Montreal, assinado pelo Brasil. Esta nova convenção incorporou indicadores e metas relacionadas ao patrimônio genético e reconheceu a necessidade de preservar não apenas as espécies, mas a sua diversidade genética. “E nós não temos como preservar a diversidade genética se não conhecemos a diversidade genética do Brasil”, resume a analista Amely Martins.

“Não é só sobre saber o tamanho da biodiversidade pra ter o prazer de dizer que o Brasil é campeão de biodiversidade, mas é para que a gente tenha condição de fazer a gestão da biodiversidade e conservá-la. Se não temos informação sobre o tamanho dessa biodiversidade e dessas populações, estaremos navegando às escuras, então essa iniciativa é muito bem-vinda e espero que venham mais parcerias”, afirma o diretor de Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade, Bráulio Dias, do Ministério do Meio Ambiente.

O genoma de um dos macacos mais ameaçados do país

Um dos genomas de referência já concluídos pelo GBB tem um dono ilustre: o kaapori (Cebus kaapori), espécie ainda pouco estudada pela ciência e um dos primatas mais ameaçados do país – e até do mundo. Espécie amazônica, o kaapori vive nas florestas bem conservadas entre os estados do Pará e do Maranhão, numa área sobreposta ao Arco do Desmatamento.

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Classificado como Criticamente Em Perigo de extinção pelo ICMBio, o kaapori é uma das espécies-alvo do Plano de Ação Nacional (PAN) para a Conservação dos Primatas Amazônicos. “E tanto no PAN quanto na avaliação da espécie é indicado que a espécie precisa de estudos populacionais sobre o impacto das ameaças e estudos genéticos”, conta Amely, que também integra o time de analistas do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Primatas Brasileiros (CPB/ICMBio).

O genoma de referência é o primeiro passo para um estudo de genômica populacional, ou seja, para entender a variabilidade genética das diferentes populações de kaapori conhecidas. Esse levantamento pode indicar se há grupos isolados e como o desmatamento pode estar afetando a manutenção da espécie.

Além disso, a partir do genoma é possível ter uma ideia da demografia histórica da espécie e entender quão preparada a espécie está para lidar com impactos como os das mudanças climáticas.

“Por exemplo, uma diversidade genética muito baixa pode indicar que a espécie está muito pouco preparada para lidar com mudanças climáticas porque ela não tem um arcabouço genético para lidar com seleção natural”, explica a coordenadora do GBB.

Esses dados também servirão para avaliar a qualidade e representatividade genética dos animais hoje mantidos sob cuidados humanos. Uma resposta positiva para estes dois pontos seria um sinal verde para estruturar o manejo ex situ da espécie, com o estabelecimento de uma população de segurança em cativeiro.

Entre os primatas, outro que também já ganhou seu genoma de referência foi o cuxiú (Chiropotes utahickae), que ocorre do Pará até o norte de Mato Grosso. A espécie amazônica, classificada como Vulnerável ao risco de extinção, é uma das cinco do gênero que ocorre no Brasil. O cuxiú também faz parte da relação de espécies-alvo do PAN dos Primatas Amazônicos.

Da Amazônia para Mata Atlântica, um primata que está na lista de prioridades do GBB é o sagui-da-serra-escuro (Callithrix aurita). O pequeno macaco, que ocorre apenas nas florestas serranas entre Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, corre o risco de desaparecer devido não apenas ao desmatamento e fragmentação do seu habitat, mas também pelo apagamento genético. Esta última ameaça é resultado da chegada de saguis invasores – oriundos do nordeste e do interior do país, conhecidos popularmente como mico-estrela (Callithrix spp.) – e da hibridação com eles.

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Essa mistura genética aos poucos apaga os vestígios do sagui-da-serra e, com ele, da espécie como um todo.

“Esse genoma vai ajudar nos estudos populacionais e de hibridação dos Callithrix, e uma base para detectar esses híbridos melhor e mais rápido e com isso orientar ações de manejo in situ. E se no futuro nós precisarmos fazer um resgate genético, com esse genoma de referência nós conseguimos fazer esse resgate para ver os bichos que têm a maior carga da espécie pura, digamos assim”, detalha Amely.

Outros primatas como o mico-leão-preto (Leontopithecus chrysopygus) e o macaco-aranha-da-testa-branca (Ateles marginatus) também estão na lista dos próximos genomas de referência a serem feitos.

DNA Ambiental

Outro eixo do GBB é o monitoramento da biodiversidade por meio do DNA ambiental (eDNA, do inglês environmental DNA), que é obtido a partir de amostras do solo, da água e do ar.

“Todo animal que vive no ambiente deixa rastros da existência dele, restos do próprio corpo e nesses restos, tem partículas do DNA. Nós encontramos partículas de DNA na água, no solo até no ar!”, explica a coordenadora do GBB pelo ICMBio, Amely Martins.

As amostras do ambiente são analisadas em laboratório, onde primeiro são identificados e sequenciados todos os vestígios de DNA. Em seguida, essa informação é cruzada com os bancos de DNA disponíveis para dar nome aos genes – numa abordagem chamada de metabarcoding, que permite a detecção de fragmentos de DNA de múltiplas espécies simultaneamente.

Assim é possível, de forma não-invasiva, ter uma dimensão da riqueza de espécies que passaram por aquele ambiente ou até mesmo identificar a presença de espécies exóticas e invasoras.

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“Quando você faz isso ao longo dos anos, você consegue monitorar se há mudanças na composição e na riqueza de espécies e se uma área protegida está sendo eficiente”, acrescenta a coordenadora.

O trabalho com o eDNA já começou a ser executado em conjunto com o Programa Nacional de Monitoramento da  Biodiversidade (Monitora), do ICMBio, com projetos piloto em duas unidades de conservação. Um na Floresta Nacional do Tapajós, no Pará, com foco em animais terrestres; e outro na Reserva Extrativista do Rio Cajari, no Amapá, voltado para os igarapés e para fauna e flora aquática. Ambos tiveram início em 2024, em junho e setembro, respectivamente, e as análises seguem em andamento, com apenas resultados parciais.

Em 2025, a expectativa é que o uso do eDNA no Monitora seja expandido para cinco unidades de conservação na zona marinha-costeira: a Área de Proteção Ambiental (APA) Costa dos Corais; as reservas extrativistas Jequiá, Corumbau e Cassurubá; e o Parque Nacional Lagoa do Peixe. O trabalho nas UCs litorâneas usará marcadores para identificar mamíferos terrestres e aquáticos, aves – principalmente na Lagoa do Peixe, ponto de parada importante de aves migratórias – invertebrados e peixes ósseos e cartilaginosos.

Um investimento na ciência brasileira

Artigo publicado no periódico Cell Genomics aponta que até então o custo para sequenciamento de um genoma de alta resolução no Brasil era 3,3 vezes maior do que nos Estados Unidos. Como consequência, genomas de espécies brasileiras são em sua maioria sequenciados no exterior, apontam os autores.

“Dada a importância global da biodiversidade contida nesse país de escala continental, é necessário um investimento governamental e privado contínuo em genômica da biodiversidade como meio de formulação de políticas públicas e implementação das melhores práticas para conservação, garantindo resiliência evolutiva de longo prazo e preparação para futuras mudanças climáticas”, defendem os pesquisadores no texto.

Nesse sentido, o GBB tem tudo para deixar um legado importante para ciência brasileira, com investimentos não apenas na aquisição de equipamentos, mas também na capacitação dos pesquisadores brasileiros.

Desde que teve início, em 2023, o programa concedeu 75 bolsas de pesquisa e envolve atualmente 289 cientistas de mais de cem instituições nacionais e internacionais, desde universidades até ONGs, zoológicos e órgãos governamentais. Entre os colaboradores estão participantes dos Planos de Ação Nacional (PANs) para conservação de diferentes espécies. “A ideia é fazer um trabalho colaborativo para fortalecer não só a conservação, mas a ciência nacional”, acrescenta a coordenadora do GBB.

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Ao todo, o programa já realizou nove eventos de capacitação e treinou mais de 230 profissionais no uso e interpretação de ferramentas genômicas na conservação. A expectativa é que eles entendam como incluir a ferramenta genética para responder perguntas e subsidiar ações, ao mesmo tempo em que crie uma demanda para novos projetos relacionados à genômica.

“Precisamos criar essa capacidade no Brasil, porque vamos estar empregando cientistas brasileiros em todas as etapas do processo. Nós temos pessoas super capacitadas para fazer isso no país, o que precisamos é de investimento para ciência brasileira. Precisamos de equipamento, de computadores e de gente capacitada. Aí depois que a coisa está pronta, o maior gargalo é ter gente que faça as análises. E estamos capacitando brasileiros para fazer isso”, resume a coordenadora do GBB pelo ICMBio.

“O GBB se firma como uma das maiores iniciativas de genômica aplicada à  biodiversidade no Brasil, unindo ciência, tecnologia e conservação em uma rede  colaborativa que deixará um legado duradouro para o mundo”, destaca também o diretor científico do ITV DS, Guilherme Oliveira.


Fonte: ECO

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1 comentário

1 comentário

  1. Eyüpsultan su kaçak tespiti

    21/06/2025 at 11:52

    Eyüpsultan su kaçak tespiti İşlerini titizlikle yapıyorlar, kaçağı bulmakta çok başarılılar. https://www.highpriceddatinguk.com/read-blog/13072

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