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Ucrânia e UE serão figurantes em negociações de paz com Rússia, afirma internacionalista

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Para Fabiano Mielniczuk, acordo para fim da guerra é ‘real’, mas sem envolvimento da Europa, pois ‘sempre estimulou Kiev a confrontar’ Moscou

Prestes a completar três anos, a guerra na Ucrânia, deflagrada em 24 de fevereiro de 2022, apresenta sinais de conclusão diante das negociações de paz iniciadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e seu homólogo russo, Vladimir Putin, nas últimas semanas.

A Presidência da Ucrânia, liderada por Volodymyr Zelensky, sua aliada e mantenedora militar de Kiev, a União Europeia, não foram envolvidos em nenhuma parte do processo até o momento.

Em entrevista a Opera Mundi, o doutor em relações internacionais Fabiano Mielniczuk discorreu sobre a exclusão da União Europeia do processo iniciado entre Trump e Putin, resgatando o papel histórico da Europa nos confrontos ucranianos em relação à Rússia.

“Os ucranianos dependem dos europeus porque a UE foi a grande garantidora e estimuladora de tudo que aconteceu na Ucrânia e na Rússia depois de 2013 e 2014”, quando houve o conflito de anexação da Crimeia. “Os Estados Unidos e a Rússia vão negociar o acordo entre eles e vão resolver o problema da Ucrânia. Já a participação da Ucrânia e da Europa vai ser de figurante”, analisou.

Leia a entrevista completa na íntegra:

Opera Mundi: quais são as exigências russas e ucranianas para um acordo de paz ser alcançado? O que pode levar Zelensky à mesa de negociação com Putin?

Fabiano Mielniczuk: a Rússia quer a neutralidade da Ucrânia, ou seja, que a Ucrânia não entre na Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e nem em outra organização militar. Também não vai aceitar abrir mão de todas as regiões conquistadas desde 2014, isso quer dizer a Crimeia e as quatro regiões [Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaprozhye] que foram incorporadas ao seu território após o plebiscito de anexação de 2022. E do lado da Ucrânia, você não tem esse tipo de exigência, porque os ucranianos não estão prontos ainda para participar de uma negociação de paz. Então essas são as questões mais prementes.

Tem um outro impasse interessante que é a questão da legitimidade, ou não, de Zelensky. A Rússia afirma que não vai negociar com representantes da Ucrânia até que sejam feitas novas eleições no país e os representantes tenham legitimidade para negociar um acordo de paz. Desde maio do ano passado seu mandato expirou.

E por conta da situação da lei marcial [que mantém Zelensky no cargo sem a realização de um novo pleito enquanto a guerra estiver durando] não foram realizadas novas eleições, por isso inclusive que Trump fez uma referência ao Zelensky como sendo um ditador que não está no cargo de forma eleita. Então esse é um outro impasse que surge do ponto de vista da Rússia.

Por que a Ucrânia está preocupada com a “exclusão” da União Europeia dessas negociações? É desvantajoso para Kiev? 

A Ucrânia está preocupada com a exclusão da Europa porque ela foi a grande incentivadora de tudo o que tem acontecido no país, incluindo os conflitos com a Rússia desde a derrubada do [ex-presidente ucraniano pró-Rússia Víktor] Yanukovych em 2014. Naquele momento, a Europa negociava com a Ucrânia a adesão a um acordo de associação comercial, e a Ucrânia negociava também com a Rússia a adesão a acordos da área econômica euroasiática.

Mas o presidente Yanukovych, na última hora, aceitou a proposta russa para fazer parte da área econômica euroasiática e abandonou o processo de negociação para entrada em uma espécie de área de livre comércio com a União Europeia. Foi a partir dali que as autoridades europeias estimularam a população ucraniana a sair às ruas e a derrubar o mandatário, que tinha sido democraticamente eleito. Então, a Europa sempre estimulou a Ucrânia a confrontar a Rússia.

A Europa inclusive foi a garantidora do Acordo de Minsk, com a França e Alemanha, firmado para restabelecer a normalidade das regiões separatistas da Ucrânia, depois do conflito da anexação da Crimeia, que foi o começo dos conflitos separatistas a partir de 2014 e 2015.

A Europa intermediou negociações entre a Ucrânia e a Rússia e o Acordo de Minsk garantiu a autonomia das regiões dentro da Ucrânia e o respeito à fala do idioma russo na região. Só que esses acordos nunca foram cumpridos e os próprios europeus reconheceram isso posteriormente, algo que é dito o tempo todo pelos russos: que aquele acordo tinha sido usado apenas para ganhar tempo e rearmar a Ucrânia para lutar contra a Rússia.

Então, os ucranianos dependem dos europeus porque eles foram os grandes garantidores e estimuladores de tudo que aconteceu na Ucrânia e na Rússia depois de 2013 e 2014. Obviamente que os norte-americanos estão por trás disso também, mas em termos de aliança com a Ucrânia, os principais aliados são os europeus.

Zelensky já chegou a admitir que os EUA não pretendem incluir a Ucrânia na OTAN – um dos principais motivos pelo qual a guerra foi iniciada. Ainda há alguma chance de Kiev entrar na aliança militar ocidental?

Uma condição que a Rússia impõe para que haja um acordo de paz duradoura é que a Ucrânia não faça parte da OTAN. Se essa possibilidade não for descartada, os russos não vão negociar um acordo de paz e esse conflito vai se arrastar por mais tempo, a ponto de colocar em risco a própria existência da Ucrânia.

Então, dificilmente a Ucrânia vai conseguir entrar na OTAN e a intenção do governo republicano de hoje nos Estados Unidos, de Trump, que vai governar nos próximos quatro anos, é de não permitir que a Ucrânia faça parte da OTAN. Então, é possível que haja sim uma reversão da proposta de 2008 de incorporar a Geórgia e Ucrânia na aliança.

Quais são as possibilidades reais de um acordo de paz ser alcançado ainda este ano?

A possibilidade de um acordo de paz em 2025 é bastante real. Algo que não era muito pensado antes do Trump começar a agir diplomaticamente para resolver o conflito porque o que parece é que os Estados Unidos e a Rússia vão negociar o acordo entre eles e vão resolver o problema da Ucrânia. A participação da Ucrânia e da Europa vai ser de figurante.

Após uma negociação entre as duas grandes potências militares, vai haver uma consulta ou uma espécie de endosso por parte dos europeus e dos ucranianos.

Não é possível que a Europa sustente um esforço de guerra sem o apoio dos Estados Unidos, e provavelmente a partir de agora os EUA vão divulgar uma série de informações que até então não foram divulgadas a respeito dos gastos com a guerra da Ucrânia e a das motivações por trás das ações da liderança ucraniana e das lideranças europeias.

E isso vai provavelmente implodir a legitimidade tanto dos europeus quanto dos ucranianos no governo atual de Kiev para poder pleitear algum tipo de solução diferente do que essa negociação entre Estados Unidos e Rússia pode trazer.


*Opera Mundi

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