Caçadores apontam falhas nos dados de abate e ausência de estudos populacionais do javali. Com a revisão da política em 2025, debate sobre gestão federal ganha força.
Javali: caçadores questionam dados do Ibama e pedem descentralização do controle
Caçadores e representantes de entidades ambientais estão contestando a eficácia e a transparência dos dados usados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no controle do javali (Sus scrofa), espécie exótica considerada invasora no Brasil. A crítica surge em meio à revisão da política nacional de manejo da espécie, prevista para 2025.
Daniel Terra, presidente da Associação Nacional de Caça e Conservação (Ancc), que reúne cerca de 4 mil afiliados, afirmou que o Ibama não tem capacidade técnica para gerir o controle da espécie e defendeu a transferência dessa responsabilidade aos estados. A posição é baseada em análise de dados obtidos pelo deputado federal Daniel Agrobom (PL/GO) por meio de solicitação formal ao órgão.
Dados autodeclarados e ausência de estudos populacionais
Segundo o Ibama, aproximadamente 1,5 milhão de javalis foram abatidos entre 2019 e abril de 2025, com base em registros autodeclarados por caçadores no Sistema Nacional de Controle de Fauna (SisFauna). No entanto, o próprio órgão reconhece limitações nesses dados: imprecisão na localização dos imóveis, falta de vínculo com o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e ausência de validação técnica.
Além disso, mais da metade dos relatórios não informa o sexo ou a idade dos animais abatidos. O Ibama admitiu que essas falhas comprometem a confiabilidade estatística das informações.
Daniel Terra estima que, somando abates e nascimentos evitados, mais de 8 milhões de javalis poderiam ter sido controlados no período. Ele argumenta que 65% dos animais abatidos são adultos em idade reprodutiva, sendo 42% fêmeas, o que reforçaria o impacto do manejo.
Falta de transparência e acesso restrito aos dados
Um dos principais pontos de contestação é a falta de acesso público aos dados de controle. Os registros analisados por Terra só foram obtidos mediante solicitação parlamentar. “Não existe transparência. Os dados deveriam orientar a política pública, mas são retidos”, disse.
O Ibama informou que busca superar lacunas por meio da reestruturação de sistemas de monitoramento e do fortalecimento do diálogo com instituições estaduais e parceiros técnicos. No entanto, ainda não há estudos oficiais sobre a população, dispersão ou impactos ecológicos do javali no país.
Polêmica sobre métodos de controle
A revisão da política nacional de manejo do javali tem gerado debate sobre os métodos de controle. Atualmente, 98% das ações são realizadas por caçadores com armas de fogo. Apesar disso, a proposta em discussão prioriza o uso de armadilhas, que representam apenas 2% das ações registradas.
Terra criticou a ausência de previsão de fornecimento de armadilhas ou incentivos financeiros para caçadores. “O caçador faz 98% do trabalho, mas não recebe apoio nenhum”, afirmou.
Impactos ambientais e econômicos do javali
Apesar da falta de estudos formais do Ibama sobre os impactos ecológicos, reportagens anteriores do ((o))eco indicam que os javalis competem com espécies nativas como queixadas e catetos, degradam solos e afetam nascentes e cursos d’água.
A espécie já foi registrada em unidades de conservação em todos os biomas brasileiros, incluindo o Parque Nacional de São Joaquim (SC), o Parque Nacional do Itatiaia (RJ) e áreas em Minas Gerais, Santa Catarina e São Paulo. Um diagnóstico da Fundação Florestal apontou presença de javalis em 41% das unidades de conservação estaduais em São Paulo.
Além dos danos ambientais, o governo reconhece prejuízos à agropecuária. A espécie pode transmitir doenças como febre aftosa, brucelose e tuberculose a rebanhos e causar perdas de até 40% em lavouras de milho e soja, com impacto potencialmente bilionário na cadeia produtiva.
Ações locais e resistência ao controle centralizado
Apesar da gestão centralizada, algumas unidades de conservação já adotam ações de controle. Exemplos incluem o Parque Estadual Fritz Plaumann (SC), a RPPN Alto Montana (MG) e o Parque Estadual de Ilhabela (SP), onde são usadas armadilhas e abates assistidos.
O Ibama reafirmou que o objetivo do controle é exclusivamente ambiental, vedando o transporte e a comercialização da carne dos animais abatidos. O órgão disse estar à disposição do Congresso Nacional, da sociedade civil e dos setores envolvidos para a construção de soluções conjuntas.
Com informações: ECO