A advogada Bell Ivanesciuc, especialista em conflitos socioambientais, governança ESG e responsabilidade por danos ambientais, analisa os aspectos jurídicos, ambientais e regulatórios que conectam as tragédias de Brumadinho e Mariana
O rompimento da barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, ocorrido no último dia 25, reacendeu um alerta nacional sobre a segurança das estruturas de rejeitos de mineração em Minas Gerais e sobre a fragilidade do sistema de fiscalização ambiental no país. Com centenas de mortos e desaparecidos e uma onda de rejeitos devastando o Rio Paraopeba, especialistas afirmam que o desastre evidencia problemas que já haviam sido expostos em 2015, quando a barragem de Fundão, em Mariana, entrou em colapso.
Para analisar os aspectos jurídicos, ambientais e regulatórios que conectam os dois episódios, o FatoNovo.net ouviu a advogada Bell Ivanesciuc, especialista em conflitos socioambientais, governança ESG e responsabilidade por danos ambientais. Bell Ivanesciuc já vem trabalhando junto as empresas Samarco e Vale bem como as comunidades de Mariana e assessoria de forma técnica buscando uma solução para os problemas causados às comunidades do desastre de Mariana e já estuda os modelos internacionais de prevenção a riscos em barragens.
Mariana e Brumadinho: duas tragédias, um mesmo padrão de falhas
Em 5 de novembro de 2015, o rompimento da barragem de Fundão, administrada pela Samarco e Vale, liberou milhões de metros cúbicos de rejeitos, destruindo comunidades inteiras e contaminando o Rio Doce até o Espírito Santo. A tragédia deixou 19 mortos e se consolidou como o maior desastre ambiental da história do país.
Agora, pouco mais de três anos depois, o colapso da barragem da Vale em Brumadinho provoca outro cenário de destruição, desta vez com uma perda humana ainda mais elevada. Centenas de trabalhadores e moradores foram atingidos pela lama em questão de minutos, muitos sem qualquer chance de fuga.
Para Bell Ivanesciuc, os dois episódios possuem elementos estruturais semelhantes.
“Havia sinais claros de vulnerabilidade, documentos técnicos que apontavam riscos e, principalmente, fragilidades em fiscalização e planos de emergência. Quando o mesmo padrão se repete, não estamos diante de uma coincidência, mas de um sistema que não incorpora suas próprias lições”, afirma.
A advogada destaca que, em Mariana, o impacto ambiental ganhou grande dimensão, enquanto em Brumadinho, a dimensão humana é ainda mais dramática. “Ambos, porém, revelam a mesma matriz de risco: estruturas antigas, licenciamento acelerado, ausência de contingência real e dependência excessiva de autodeclarações das empresas.”
Responsabilidade jurídica: o que está em jogo
Desde 2015, o país discute mecanismos de responsabilização ambiental e reparação integral para desastres de grande porte. Agora, com Brumadinho, o debate se intensifica. Para Bell Ivanesciuc, os desafios jurídico-ambientais são significativos.
“Um desastre dessa magnitude exige resposta coordenada entre Ministério Público, órgãos ambientais, governo e empresa. A reparação não pode ser fragmentada nem meramente financeira. Comunidades atingidas precisam de informações claras, participação no processo decisório e garantias de longo prazo”, explica.
Ela ressalta que, no plano jurídico, o Brasil possui legislação robusta para responsabilizar empresas por danos ambientais, mas a efetividade depende de execução rigorosa.
“Quando a fiscalização é frágil, a responsabilização ocorre sempre após a tragédia. A legislação precisa funcionar antes, como instrumento de prevenção.”
O que precisa mudar: recomendações técnicas da Dra Bell Ivanesciuc
Com base em estudos comparativos e diretrizes internacionais de prevenção a riscos em barragens, Ivanesciuc aponta caminhos estruturais que o país precisa considerar imediatamente:
- Revisão urgente do licenciamento ambiental para barragens de alto risco
“Estruturas desse tipo não podem depender apenas de análises internas. É essencial exigir auditorias independentes obrigatórias, certificações técnicas externas e limites claros para renovações automáticas.”
- Fortalecimento das equipes de fiscalização ambiental e de mineração
A advogada destaca a necessidade de equipes mais numerosas, qualificadas e com autonomia institucional. “A fiscalização só funciona quando a autoridade técnica tem independência e recursos para atuar.”
- Planos de emergência operacionais, testados e públicos
“Comunidades e trabalhadores precisam saber o que fazer em caso de rompimento. Sirenes, rotas de fuga, simulações e comunicação acessível são medidas que salvam vidas.”
- Governança corporativa baseada em segurança e não apenas em produtividade
“Mecanismos de ESG devem integrar o risco socioambiental ao centro da gestão das empresas. Sem isso, estruturas potencialmente perigosas continuam operando com níveis inaceitáveis de confiança.”
Um alerta que o país não pode ignorar
Para a especialista, Brumadinho não é um ponto isolado na história recente da mineração brasileira, mas a confirmação de que o setor opera sob uma pressão crítica entre lucro e segurança. Se medidas profundas não forem adotadas, novas tragédias podem ocorrer.
“Mariana deveria ter sido o limite. Brumadinho é a prova de que o sistema não mudou o suficiente”, conclui Ivanesciuc. “O Brasil precisa transformar prevenção em política pública, e não apenas reagir após a perda de vidas e ecossistemas inteiros.”
Reportagem especial para FatoNovo.net