Na próxima semana, a empresa americana de exploração espacial Intuitive Machines lançará a missão Athena. Ela visa implantar um módulo de pouso, um rover e um hopper (tipo de veículo reutilizável) no polo sul da Lua, onde se espera encontrar gelo. A empresa, que também estava por trás do primeiro pouso comercial no astro em 2024, aproveitará a viagem para fazer também algo inédito no espaço: instalar uma rede de conectividade 4G totalmente funcional.
A iniciativa é fruto de uma parceria com a Nokia, que dedicou meses desenvolvendo uma “rede compacta” em seu laboratório. Em comunicado, os especialistas responsáveis indicam várias precauções tomadas durante a instalação da ferramenta para ajudar a garantir que a rede fará a viagem com segurança e se mantenha funcional na Lua.
Impacto da conexão 4G no espaço
As comunicações de rádio “ponto a ponto”, que precisam de uma linha de visão clara entre as antenas de transmissão e recepção, sempre foram uma espinha dorsal das comunicações de superfície e do link de volta à Terra. No passado, ainda na missão Apollo, isso não era um grande problema, uma vez que não existiam tantos pontos para conectar e havia poucos os instrumentos fora do planeta.
Contudo, com a expectativa de expansão das operações na órbita da Terra ou mesmo a milhares de quilômetros de distância, na Lua ou em Marte, o número de aparelhos no espaço deve crescer nos próximos anos – e muito. Com isso, investir na mudança das comunicações de rádio ponto a ponto para uma arquitetura de rede celular completa deve resultar em diversos benefícios.
Mais do que a conexão com múltiplos dispositivos ao mesmo tempo, o 4G permitiria alcançar maiores velocidades de transferência de dados e um melhor alcance de região. Por isso, o projeto da Nokia e da Intuitive Machines é tido como algo de importante impacto potencial.
“Pretendemos provar que as tecnologias mobile podem fornecer a conectividade confiável, de alta capacidade e eficiente para futuras missões tripuladas e não tripuladas à Lua e, eventualmente, a Marte”, afirma Thierry Klein, presidente do laboratório da Nokia. “O celular transformou irrevogavelmente a maneira como nos comunicamos na Terra. Não há razão para que ele não possa fazer o mesmo em outros planetas”.
No entanto, transportar a tecnologia 4G da Terra para o espaço não se mostrou uma tarefa fácil. Pelo contrário, as diferenças gritantes entre os dois ambientes forçaram os especialistas a pensarem em formas de proteger a rede da alta radiação, das temperaturas extremas e das várias vibrações do lançamento, voo e pouso.
Por esse motivo, por exemplo, cada um dos 14 pontos de montagem da caixa é isolado termicamente para manter a rede fora do contato com as temperaturas extremamente baixas do espaço profundo. A Intuitive Machines também integrou a conexão ao Sistema de Proteção Térmica da Athena, que está programado para expelir calor quando a rede estiver operando e o fornecer quando estiver ociosa.
Como lembra o site IFLScience, o ambiente lunar é muito severo, e a temperatura tende a oscilar drasticamente. Na região do Equador lunar, a média pode ir de 121°C durante o dia a -133°C pela noite. Já nas sombras permanentes da cratera Shackleton, onde o módulo deve se fixar, é esperado que a temperatura ultrapasse a marca de -246°C.
Mesmo com esses desafios, se sucedida, a missão já poderá gozar dos benefícios da rede 4G. São planejados testes durante alguns dias que permitirão a comunicação entre o módulo de pouso e os dois veículos espaciais que vão explorar a superfície lunar.
A Nokia ainda revela ter planos de estabelecer, no futuro, uma rede de células 4G ou até mesmo 5G mais robusta. Sua ideia é atender a uma região do espaço tão grande que pode cobrir todo o habitat planejado para a missão Artemis, de retorno dos seres humanos à Lua. Ela trabalhando também na integração de comunicações celulares nos trajes espaciais Axiom, destinados aos futuros astronautas lunares.
Porém, como lembra a revista MIT Technology Review, nem todo mundo está satisfeito com essa expansão do setor comunicativo. Isso porque as redes LTE geralmente operam entre 700 MHz e 2,6 GHz, um espectro de radiofrequência que se sobrepõe parcialmente às frequências reservadas para radioastronomia. Dessa forma, ter tais sinais de rádio vindos da Lua poderia potencialmente interferir nas observações.
“Os telescópios são mais sensíveis na direção do céu”, explica Chris De Pree, vice-gerente do Observatório Nacional de Radioastronomia (NRAO). Se satélites de comunicação, como o Starlink, frequentemente já acabam na linha de visão dos radiotelescópios, uma rede de células em larga escala na Lua adicionaria ainda mais ruído ao céu noturno.
Há também um obstáculo regulatório que deve ser contornado. Há bandas de rádio que foram alocadas internacionalmente para dar suporte a missões lunares, e a banda LTE não está entre elas. Usar frequências 4G na Lua ou ao redor dela seria, portanto, uma violação dos regulamentos de rádio. Embora a Nokia tenha recebido uma isenção para implantar legalmente a rede 4G na Lua especificamente nesta missão, para uma solução permanente, a rede teria que se apropriar de uma banda de frequência diferente.
“Já temos uma lista de frequências candidatas a considerar, e mesmo com essa mudança, a conexão permanecerá compatível com os padrões terrestres 4G ou 5G”, pondera Klein. “Isso significa que o seu celular [se suportasse a viagem para o espaço] conseguiria se conectar à internet, bastaria um chip lunar”.