Em entrevista ao Fórum Onze e Meia, juiz destacou relatório do CNJ que apontou diversas práticas consideradas criminosas no decorrer da operação
O juiz Eduardo Appio esteve no Fórum Onze e Meia desta segunda-feira (5) e falou sobre o relatório de apoio à correição elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2024, apontando o envolvimento do ex-ministro, ex-juiz e hoje senador Sergio Moro, do ex-deputado e ex-procurador da República Deltan Dallagnol e da ex-juíza federal Gabriela Hardt, em um suposto esquema de desvio de R$ 2,5 bilhões para criação de uma fundação privada.
Appio é ex-titular da 13.ª Vara Federal de Curitiba e chegou a atuar nos processos da Lava Jato, revelando condutas incorretas de Moro. Durante a entrevista, ele destacou que o relatório do CNJ “apontou a existência de inúmeras provas e indícios da prática de corrupção, peculato, organização criminosa e traição aos interesses da pátria brasileira“. O documento foi encaminhado ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, em junho de 2024 e, desde então, há uma espera pelo parecer da PGR.
“Desde aquele momento, nós todos, brasileiros, cidadãos comuns como eu, estamos aguardando o resultado dessas investigações. As investigações aconteceram, elas comprovaram um sistema de lavagem de dinheiro internacional, através do qual a Lava Jato se apropriou, desviou, em torno de 5 a 6 bilhões dos cofres da União”, ressalta Appio.
Triangulação e repasse de dinheiro
“Esse desvio se deu por meio de uma triangulação com a Petrobras, que encaminhou o dinheiro para os Estados Unidos. E esse dinheiro, uma parte importante dele, voltaria para criar aquela fundação em Curitiba, que teria o nome de ‘Fundação Lava Jato’, ‘Fundação Dallagnol’, não se sabe exatamente o nome, mas se sabe que era uma fundação privada, com CNPJ privado. E essa triangulação, essa lavagem monumental de bilhões, operada por esses atores, só foi freada graças à intervenção do ministro Alexandre de Moraes em 2019, que deu uma liminar [suspendendo a fundação]”, acrescentou Appio, que ressalta ter sido afastado da 13ª Vara logo após ter reportado o esquema para o CNJ.
O juiz explicou que o dinheiro veio “substancialmente” dos acordos de leniência firmados no decorrer da Lava Jato. “Eram multas astronômicas, pagas pelas construtoras, como, por exemplo, a Odebrecht, com a finalidade de poderem seguir fechando contratos e participando de licitações com o poder público”, diz Appio.
Ele acrescenta que o resultado “foi que os executivos das principais construtoras (…) saíram totalmente impunes, com uma imunidade praticamente completa”. “Foi um grande trem de alegria e de impunidade promovido pela Lava Jato de Curitiba, especialmente os executivos da Odebrecht, aqueles 78 executivos envolvidos na chamada ‘Delação do Fim do Mundo’. Todos eles saíram livres, impunes, e a empresa arcou com o pagamento dessas multas bilionárias”, afirma o juiz.
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“Esse foi o esquema, essa triangulação, essa lavagem de dinheiro internacional que se criou. É um sistema engenhoso, inteligente, mas escancaradamente criminoso e ilegal”, afirma o juiz. “É um escândalo realmente monumental”, completa.
Por fim, ele cita o caso de fraudes do INSS descoberta na última semana pela Polícia Federal e diz que esse processo é “café pequeno perto do que aconteceu na República de Curitiba”.
Livro ‘A Ágora e o Algoritmo’
Durante a entrevista, o juiz também falou sobre seu novo livro A Ágora e o Algoritmo, escrito com Salvio Kotter e lançado no dia 1° de maio. A obra busca discutir as principais interações entre justiça, política e tecnologia no mundo contemporâneo, e como os algoritmos e as redes sociais estão influenciando as eleições no Brasil e no mundo.
O magistrado afirma que esse problema vem sendo discutido desde o escândalo de Steve Bannon nos Estados Unidos, quando foi descoberto que ele trabalhou com a empresa de consultoria política Oxford Analytics, no contexto do escândalo da Cambridge Analytica, para influenciar as eleições estadunidenses em 2016.
No entanto, Appio destaca que agora a realidade se intensificou e “chegou num ponto em que os donos das redes sociais, não só Elon Musk, estão se sobrepondo à soberania das nossas autoridades, das nossas instituições, especialmente nesse debate desleal que está sendo feito contra o Supremo Tribunal Federal”.
“O momento é de defendermos a soberania do nosso país, defendermos a autonomia e independência do nosso Judiciário frente à pressão desses grandes conglomerados internacionais, inclusive a The Economist, inclusive Elon Musk, e garantirmos que em dois anos, quando tivermos as eleições em 2026, tenhamos eleições limpas, leais e não contaminadas pelo poder financeiro”, afirma Appio.
Ele acrescenta que esse cenário se coloca como um “grande desafio” para o STF e para o Tribunal Superior Eleitoral, e diz “não saber” se juízes e promotores eleitorais estão preparados para esse novo universo. “Então o livro se propõe a subsidiar com argumentos teóricos um debate de natureza prática, até para convencer juízes, promotores e advogados de que a regulação das redes sociais é possível, sem que isso implique censura, sem que isso limite a liberdade de expressão”, finaliza Appio.
Confira a entrevista completa do juiz Eduardo Appio ao Fórum Onze e Meia abaixo: